PARIS, FRANÇA (FOLHAPRESS) – Em meio a 240 expositores de 34 países, como se orientar na Paris Photo, um dos maiores salões de fotografia do mundo? Adotando como guia Jim Jarmusch. Convidado de honra do evento, o cineasta americano, 71, apaixonado por fotografia, foi convidado a selecionar suas 30 imagens favoritas dentre mais de 2.000 expostas até este domingo (10) nos corredores do Grand Palais.
Na seleção apresentada por Jarmusch em uma palestra durante o evento, quase todas são preto e branco, tendência que, na visão do jornal francês Le Monde, prevaleceu este ano na Paris Photo como um todo. “Eu adoro preto e branco no cinema e na fotografia, porque é menos informação”, explicou à reportagem. “Sam Fuller (cineasta americano, 1912-1997) dizia: ‘O mundo é colorido, mas o preto e branco é mais realista.’ Então eu tenho, sim, uma preferência”.
Colorido ou preto e branco, o mundo de hoje preocupa Jarmusch. Sobre a vitória de Donald Trump na eleição presidencial americana, ele disse à reportagem: “Não fiquei surpreso. [Fiquei] inquieto.”
Mesmo se dizendo “enjoado da América”, Jarmusch continua cheio de projetos. Musicou (com sua própria banda, SQÜRL) quatro curtas surrealistas feitos pelo fotógrafo americano Man Ray (1890-1976) entre 1923 e 1929, restaurados e relançados durante o salão sob o nome “Return to Reason” (“Retorno à Razão”). Está finalizando o filme “Father Mother Sister Brother”, que espera apresentar no próximo Festival de Cannes.
Falou também de outro projeto, um road movie protagonizado por um jovem casal de nativos americanos que cometem crimes e “fazem sexo o tempo todo”. Um roteiro, segundo ele, “muito sexual”, embora sua filmografia não se notabilize pelas cenas de nudez.
“Eu tenho restrições à forma como muitas vezes o cinema mostra o sexo e as pessoas fazendo sexo. Quero mostrar tudo o que o sexo pode ser: bonito, erótico, divertido, estúpido, fracassado, insatisfatório, satisfatório, ridículo, etéreo, extasiante”, explicou na palestra.
Jarmusch queixou-se da dificuldade em obter recursos para filmar. “Eu quase desisti cinco anos atrás. Cada vez me parece mais difícil. Tornou-se muito frustrante, e me desiludiu por algum tempo. Mas aí me dei conta do quanto amo fazer filmes, porque junta fotografia, música, movimento, interpretação, escrita, composição, estilo. Então, não vou desistir.”
Quando perguntado pela reportagem que conselho daria a um fotógrafo iniciante nos EUA de Trump, Jarmusch propõe um olhar novo: “Quanto a mim, eu procuro os detalhes, as coisas que não são óbvias. Se eu fosse um jovem fotógrafo ou velho, ou de qualquer tipo eu procuraria as revelações naquilo que imaginamos como sendo banal, não dramático.”
É por causa da busca do olhar novo que Jarmusch ama o surrealismo, cujo centenário foi homenageado pela Paris Photo deste ano. “O surrealismo é muito importante para mim. Eu descobri primeiro o dadaísmo, mas o surrealismo é mais sofisticado, uma busca de um jeito novo de pensar as coisas que me inspira muito.” Na galeria de fotos escolhidas por Jarmusch, o surrealismo figura com destaque, como na experimental “Rayogramme” (1947), de Man Ray.
Outro centenário lembrado na Paris Photo foi o do fotógrafo suíço-americano Robert Frank (1924-2019). Sua obra-prima “Les Américains”, de 1958, fruto de andanças pelos EUA, é considerado um retrato primoroso da sociedade americana da época. Dele, Jarmusch escolheu um retrato do escritor Jack Kerouac (1922-1969) feito em 1965.
Jarmusch foi amigo de Frank, sobre quem contou uma anedota. “Um dia, cheguei no loft dele e ele estava com o melhor amigo destruindo pilhas de fotos, com uma furadeira. Tinha recuperado aquelas fotos de um advogado que as usava para chantageá-lo. Eu pedi: ‘Robert, posso pegar só uma cópia?’ ‘Não, não, Jim, eu vou destruir.’ Mas me deu uma e autografou, de uma jukebox em cima de uma mesa. E continuou furando alegremente.”
Uma das raras imagens coloridas na lista de Jarmusch é de autoria do brasileiro Miguel Rio Branco, 77, cujas obras foram expostas na Paris Photo pela galeria italiana Paci. A escolhida, “Snooker for Brassaï”, de 1972, retrata uma prostituta diante de uma mesa de sinuca em Luziânia, Goiás. O nome é referência à semelhança com uma foto icônica, feita em Montmartre nos anos 1930 pelo fotógrafo húngaro Brassaï (1899-1984). “É bonito, é misterioso, é indefinido”, justificou o cineasta.
O Brasil esteve presente em diversos estandes na Paris Photo deste ano. A fotógrafa Livia Melzi expôs um projeto de documentação artística das peças que sobreviveram ao incêndio do Museu Nacional, no Rio de Janeiro, em 2018. “A ideia é trazer para o público europeu um pouco do que está acontecendo com o nosso patrimônio”, explicou.
A galeria Vermelho, de São Paulo, apresentou diferentes momentos da carreira de Claudia Andujar, 93, como “A Sônia”, de 1971, uma série de nus que emprega diversas técnicas e filtros, e o mundialmente reconhecido trabalho de denúncia do genocídio dos ianomâmi durante a ditadura militar.
Andujar também foi citada em um debate com a participação de Thyago Nogueira, coordenador de fotografia contemporânea do Instituto Moreira Salles (IMS). Depois de organizar uma retrospectiva que viajou por nove países, o IMS desenvolve um projeto para aproximar os ianomâmi da catalogação do acervo de Andujar, com mais de 40 mil imagens.
“Este é um momento revolucionário na história da fotografia. Poder trazer as pessoas representadas nas imagens, e seus descendentes, para conversar, decidir, refletir conosco sobre esse arquivo, transformará radicalmente o sentido desse acervo e multiplicará sua complexidade”, explicou Nogueira.
Também na Paris Photo foi lançado um livro só com fotos de aves feitas por Sebastião Salgado, “Des Oiseaux” (“Pássaros”), da editora francesa Atelier EXB. É parte de uma série que inclui outros fotógrafos consagrados, como o italiano Paolo Roversi.
ANDRÉ FONTENELLE / Folhapress