BARCELONA, ESPANHA (FOLHAPRESS) – A 33ª edição do Sónar, um dos grandes festivais de música eletrônica do mundo, que aconteceu entre os dias 12 e 14 de junho em Barcelona, foi a mais controversa do evento até aqui.
Desfalcada pelo cancelamento de mais de 40 artistas em solidariedade aos efeitos da guerra na Faixa de Gaza, o evento levantou uma discussão sobre ética e desigualdade econômica entre pequenos e grandes artistas na cena de dance music.
Incentivos ao boicote começaram poucas semanas antes do festival e foram motivados pelo envolvimento do Sónar com a empresa de investimentos KKR, que financia companhias israelenses de segurança digital e fábricas de armamentos, além de ser ligada a empreendimentos habitacionais na Cisjordânia, território palestino ocupado por Israel.
Apesar dos muitos cancelamentos, o Sónar teve mais de cem atrações ao longo de seus três dias, incluindo grandes nomes da música eletrônica, como Peggy Gou, Skrillex, Four Tet e Honey Dijon. Também se apresentaram os brasileiros Mochakk, Vintage Culture, DJ Anderson do Paraíso e Teto Preto.
Segundo a organização, 161 mil pessoas passaram pelo evento, que se divide em Sónar Dia, Sónar Noite e Sónar +D, este uma espécie de feira de tecnologia e cultura digital. Foram 7.000 pessoas a mais que na edição do ano passado.
O Sónar não foi o primeiro evento do ramo penalizado pelo envolvimento com a KKR. A plataforma de vídeos Boiler Room e o festival DGTL também se tornaram alvo de boicote por grupos como o Ravers for Palestine e o movimento BDS Boicote, Desinvestimento e Sanções, mantido pela Campanha Palestina pelo Boicote Acadêmico e Cultural de Israel.
O movimento de repúdio aos eventos começou em junho do ano passado, quando a KKR comprou a produtora Superstruct, que estes e outros 80 festivais europeus.
O duo holandês Animistic Beliefs foi um dos primeiros a cancelar sua participação no Sónar, afirmando em nota que a KKR “lucra com guerras, destruição climática e sistemas de opressão” e que “nenhum espaço é livre de contradições, mas é preciso haver um limite”. Nas semanas seguintes, dezenas de outros desistiriam de se apresentar, como a produtora venezuelana Arca e a DJ americana Juliana Huxtable.
Ao longo do festival, se viam vários símbolos da Palestina. Uma das primeiras artistas a se manifestar no palco foi a portuguesa Noia, que se apresentou numa cabine de DJ coberta por uma bandeira palestina, vestindo uma camisa da seleção do país.
Mais tarde, após receber uma enxurrada de críticas quando o festival postou uma foto de sua camisa no Instagram, a DJ publicou um pronunciamento, depois apagado, de que sua decisão por tocar no Sónar partiu da vontade de protestar “por dentro”.
Outros artistas justificaram suas participações no festival antes de suas performances. Entre eles, os brasileiros Teto Preto, banda fundada por Laura Diaz, uma das criadoras da festa e coletivo paulistano Mamba Negra. O grupo escreveu no Instagram que não teria “condições financeiras de arcar com o cancelamento desta data”, e que foram postos pelo festival numa “condição desconfortável e contraditória”. Eles afirmaram seu apoio à causa palestina.
No show, o grupo vestiu peças com as cores da Palestina e pendurou uma bandeira no palco como parte da cenografia. Diaz disse ao público, em espanhol, que “como banda latino-americana, não pudemos cancelar, então estamos fazendo um show de protesto”. Na última música, ela mudou a letra de sua faixa mais famosa, “Gasolina”, para “Palestina neles”.
Já há anos os artistas latinos e do hemisfério Sul dão tom de vanguarda ao Sónar. Neste ano, não foi diferente. Além do Teto Preto, as apresentações do belo-horizontino DJ Anderson do Paraíso, da cantora argentina Nathy Peluso e do DJs venezuelanos L’Miranda e Candadismo foram algumas das melhores.
Outros destaques foram os representantes de uma nova cena de garage e dubstep do Reino Unido, como os DJs p-rallel, Sicaria e Interplanetary Criminal.
Na madrugada de domingo, o DJ venezuelano radicado na Colômbia Wost encerrou o palco SónarCar, onde se apresentam os artistas de reggaeton e club music latina, com um dos sets mais enérgicos do Sónar 2025.
No Instagram, antes de tocar, ele escreveu: “Me solidarizo com todas as pessoas que levantaram esse boicote e com os artistas que cancelaram suas apresentações. Mas também me solidarizo com os artistas migrantes que, como eu, tiveram que viver situações bem complexas que nos deixaram com uma diferença de oportunidades abismal. Isso também é um convite para que deixemos de canibalizar uns aos outros enquanto pessoas muito mais acima e com mais privilégios seguem em silêncio”.
AMANDA CAVALCANTI / Folhapress
