SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A incorporadora Plano&Plano aumentou seu foco na baixa renda da cidade de São Paulo, em especial após a implementação do Plano Diretor implementado há dez anos no município.
Com a maior parte de seus empreendimentos voltada para o programa Minha Casa, Minha Vida, a empresa consegue se beneficiar dos recursos fixos do orçamento do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) para se financiar. Além disso, o teto de juros ofertada para a baixa renda diminuiu os efeitos da alta da Selic (taxa básica de juros) em seu público.
Mas uma pequena parte de seus imóveis ainda é voltada à classe média, segmento que é altamente impacto pela subida de juros, o que causa preocupações à empresa. Além do aumento das taxas ao consumidor, há uma migração dos recursos da poupança, importante fonte de financiamento de empresas dessa faixa de renda do mercado imobiliário, para outros títulos de renda fixa, que se tornam mais atrativos.
“O SBPE [Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo] está sendo esvaziado. E em relação às LCIs [Letras de Crédito Imobiliário], aumentou o prazo mínimo de carência. Agora é de nove meses a um ano. Tudo isso restringe os recursos. Fica mais difícil de fazer empreendimentos para a classe média. Então, estamos preocupados”, disse o CEO da companhia, Rodrigo Fairbanks von Uhlendorff, à Folha.
Confira os principais trechos da entrevista.
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*Folha – O foco da Plano&Plano é a baixa renda da região metropolitana de São Paulo. Por que não explorar outros mares?*
*Rodrigo Fairbanks -* Porque aqui é um oceano azul. A demanda de pessoas que ganham até R$ 2.550 e precisam de habitação é infinita. O déficit é de 450 mil unidades só na cidade de São Paulo e por volta de 600 mil na Grande São Paulo. São Paulo inteira produz 90 mil unidades por ano, e 50 mil são do Minha Casa, Minha Vida. Tenho para explorar pelo menos 350 mil unidades em sete anos. Mas, na verdade, é muito mais, porque tem o crescimento vegetativo. Nós estamos trabalhando o Minha Casa, Minha Vida desde o começo do programa, em 2009, e não acaba.
*Folha – Quais são os bairros mais estratégicos para a Plano&Plano em São Paulo?*
*Rodrigo Fairbanks -* Não escolhemos mais o bairro. Gostamos de dar uma olhada nas oportunidades. Por exemplo, a Prefeitura de São Paulo quer fomentar o centro, fomos procurar terreno no centro. Mas hoje, conforme fomos crescendo, as ofertas chegam, porque é uma empresa que tem caixa sólido. Por isso atuamos em tudo que é lugar. Estamos com uma alavancagem operacional grande, exatamente por estarmos em todas as áreas da cidade. Se uma pessoa quer comprar um determinado apartamento nosso, mas a renda não se encaixa, dificilmente perdemos a venda, porque temos apartamentos em muitos outros lugares para ofertar.
*Folha – O sr. enxerga oportunidades reais hoje no centro de São Paulo?*
*Rodrigo Fairbanks -* Sim. Onde o poder público quiser fomentar, é sempre uma grande oportunidade. Já temos três empreendimentos em construção na região. E toda a infraestrutura urbana está pronta. É o único lugar em São Paulo que eu conheço que tem toda a rede [de energia] reticulada. Tem muito menos problemas [com apagões], porque tem redirecionamentos automáticos de energia elétrica. A infraestrutura do centro é sensacional.
*Folha – Vocês estão há 26 anos no mercado. Em 2014, com o novo Plano Diretor da cidade, houve grandes mudanças para as construtoras? Como vocês avaliam essas transformações?*
*Rodrigo Fairbanks -* Antes, trabalhávamos praticamente em todas as cidades da Grande São Paulo. No momento em que houve a lei do HIS [Habitação de Interesse Social] aqui em São Paulo, caiu como uma luva. A Plano&Plano praticamente parou de trabalhar em toda a região e se fixou na cidade de São Paulo. Hoje temos um market share [participação de mercado] de mais ou menos 20% de São Paulo. E chegamos a 30% no Minha Casa, Minha Vida. Foi excelente.
*Folha – Mas como o Plano Diretor levou a esse resultado para a empresa?*
*Rodrigo Fairbanks -* Com uma legislação de uma solução urbanística que traz as pessoas da periferia para mais perto do ambiente de trabalho, perto do eixo de transporte, e oferece capacidade de construção, quem tem engenharia boa o suficiente se aproveita disso. Essa engenharia é muito específica. Cada detalhe conta num projeto de baixa renda. E a Plano&Plano tem a capacidade de fazer um produto voltado para o cliente que não tem recursos para comprar uma casa mais sofisticada. Tem que ser de alta qualidade, mas simples e barato.
*Folha – Como vocês fazem isso?*
*Rodrigo Fairbanks -* Numa incorporação tradicional, o incorporador compra o terreno e contrata um arquiteto renomado que faz um projeto maravilhoso e o entrega a uma empresa de engenharia, caso o incorporador não tenha a dele. Só então ele pergunta qual o custo de produção. Se bate bola, ele vai e lança o empreendimento. Na baixa renda, o caminho é inverso. O produto vem da engenharia. É a engenharia que escolhe a planta mais eficiente e começa a fazer as contas: se você colocar sacada, custa mais tanto; sem sacada, custa tanto.
Cada detalhe conta no preço final, porque ele é limitado pela renda do consumidor. Só então o incorporador pega o produto e enfeita da melhor maneira possível. Ele pode colocar uma área para pets, um campo pequeno de futebol, piscina. Não é porque é mais barato que tem que ser um apartamento árido. Ele é digno e tem os atributos que o cliente procura.
*Folha – Qual é a porcentagem das vendas da Plano&Plano focadas no Minha Casa, Minha Vida?*
*Rodrigo Fairbanks -* Hoje, 80%.
*Folha – Os outros 20%, então, são voltados à classe média, impactada por uma queda de recursos da poupança. Vocês estão preocupados com essa situação?*
*Rodrigo Fairbanks -* A gente tem, sim uma preocupação com os juros subindo, porque está realmente difícil de fechar essa conta e conseguir funding [captação de recursos]. O SBPE [Sistema Brasileiro de Poupança e Empréstimo] está sendo esvaziado. E em relação às LCIs [Letras de Crédito Imobiliário], aumentou o prazo mínimo de carência. Agora é de nove meses a um ano. Tudo isso restringe o funding. Fica mais difícil de fazer empreendimentos para a classe média. Então, estamos preocupados.
*Folha – E como vocês estão se protegendo disso?*
*Rodrigo Fairbanks -* O dinheiro existe? Sim. Só que ele vai ficar mais caro nesses próximos 12 meses. Mas acreditamos que a Plano&Plano está na ponta mais protegida. Honestamente, estamos muito bem posicionados. Acabamos de emitir um CRI [Certificado de Recebíveis Imobiliários], e captamos R$ 372 milhões com um spread muito baixo em cima da taxa Selic. A taxa base é de CDI + 0,4% ao ano, bastante vantajosa. Como temos um rating [classificação de risco de crédito] muito bom no mercado, captamos com prazo longo de pagamento, de cinco anos.
Isso para financiar 20% da nossa operação. Nos outros 80% do negócio, temos acesso aos recursos do Minha Casa, Minha Vida, que são os do FGTS. E esse funding é fixo. Mesmo mudando a taxa Selic, essa taxa do programa não muda. Então, a gente está razoavelmente protegido para este ciclo atual.
Raio-X
Rodrigo Fairbanks von Uhlendorff, 60
Graduado em Engenharia Civil e Administração de Empresas pela Universidade Presbiteriana Mackenzie, ocupa o cargo de presidente da Plano&Plano e membro efetivo do conselho de administração da companhia desde junho de 2020. Desde 1997 é sócio da empresa que foi antecessora da Plano&Plano. É membro do Sindicato das Indústrias da Construção de São Paulo, onde participa do Comitê de Tecnologia, Qualidade e Meio Ambiente e do Conselho Fiscal, além da Comissão de Edificações Uso e Solo.
STÉFANIE RIGAMONTI / Folhapress