Filha de Shyamalan dirige suspense elegante a partir de trauma

FOLHAPRESS – Que o trauma se tornou um commoditie ao cinema de horror comercial nos últimos cinco ou dez anos é bastante evidente. Filmes do gênero nos mais variados tipos e estilos buscam nas dores do passado dos personagens os caminhos para alguma legitimação de enredo que os aproxime de uma suposta empatia, de modo a fazer a trama andar na base da identificação imediata com parte do público.

No fetiche nostálgico de um “Halloween” à catarse de “Midsommar”, ambos em 2018, ou na atualização de imaginários de “O Homem Invisível” em 2020, ou então nas monstruosidades de “Sorria” e “Fale Comigo” em 2022, em todos há uma espécie de “privatização do trauma”, pela qual superar os próprios fantasmas soa mais urgente do que encarar a figura ameaçadora no simples fato de ela ser a disrupção característica das histórias sinistras.

Nesse sentido, “Os Observadores”, estreia de Ishana Night Shyamalan na direção de cinema, equilibra tratar os traumas da protagonista, que permanecem ocultos por boa parte da narrativa, e lidar com as ameaças misteriosas que atentam contra o grupo isolado numa casa no meio de uma floresta na Irlanda. Em certa medida, a diretora e roteirista demonstra consciência de que o trauma, hoje, vende muito bem no gênero, mas ela não parece totalmente satisfeita com isso. Sua ambição é maior. Por mais que o filme desemboque numa resolução de afetos pessoais, tensionados a todo instante, é na perspectiva coletiva que Mina, vivida por Dakota Fanning, toma as decisões a movimentar os mecanismos do roteiro.

Isso faz uma grande diferença na apreensão de “Os Observadores” em relação a títulos similares recentes que buscam nos sofrimentos íntimos uma maneira por vezes simplória de provocar aflição. Mina tem seu trauma, mas o efeito no comportamento é o contrário da apatia e comiseração. Ela é constantemente desafiada a obedecer, o que tem por consequência justamente a desobediência da qual a mácula do passado não a paralisa. Os estranhos fenômenos enfrentados por ela são, antes de tudo, manifestações indefinidas colocadas ao acaso no caminho, e não alegorias de seu interior machucado. A ideia de duplicidade que a certa altura se torna importante em “Os Observadores” reforça o sentido de que Mina, ao seu modo, é única e singular.

Ishana é filha de M. Night Shyamalan, cineasta indiano naturalizado nos EUA que foi sucesso popular em 1999 com “O Sexto Sentido”. Desde então, sua obra divide opiniões entre quem o veja como um grande mestre contemporâneo e quem o acha uma promessa frustrada. Pouco interessado na celeuma, Shyamalan faz alguns dos melhores filmes de terror e suspense em Hollywood e ainda se dá ao luxo de assinar a produção do primeiro trabalho em tela grande da filha. Ishana é só um pouquinho mais jovem que o rebento mais famoso do cineasta, justamente “O Sexto Sentido”, o que significa que sua vida foi pautada pelos efeitos das escolhas imaginativas do pai.

Como diretora, ela conduziu alguns episódios da perturbadora série “Servant”, disponível na Apple TV, e foi assistente de Shyamalan em “Tempo”, de 2021, e “Batem à Porta”, de 2023. Com o aparato técnico e a formação pessoal oferecidos pelo pai, Ishana faz em “Os Observadores” um filme de grande elegância visual, que emula sem pudores o estilo paterno ao mesmo tempo em que tenta encontrar caminhos próprios. Os mistérios são mais etéreos, a atmosfera se assemelha a um constante sonho e o tom de conto de fadas –por vezes literalmente– chega a ser explícito em referências diretas a “Alice no País das Maravilhas”.

Muito disso vem do romance de A. M. Shine aqui adaptado, mas é Ishana quem define o tom comedido. Ela acumula os acontecimentos frenéticos da história de Shine numa estrutura dramática e visual desapressada e reflexiva. É como se Ishana retomasse a oralidade fabular de “A Dama na Água”, um dos filmes mais maltratados na carreira do pai, sob a perspectiva de referenciais históricos encontrados em Alfred Hitchcock –especialmente “Um Corpo que Cai” e “Os Pássaros”– e em contemporâneos como o Jordan Peele de “Nós”. Entre o passado e o presente, a diretora fica num caminho do meio. Se não exibe nada muito inédito, nem exatamente surpreendente, o filme é forte o suficiente para deixar marcas e se destacar no cenário do horror e fantasia.

OS OBSERVADORES

Avaliação: Bom

Quando: Disponível

Onde: Nos cinemas

Classificação: 14 anos

Elenco: Dakota Fanning, Georgina Campbell e Oliver Finnegan

Produção: EUA, 2024

Direção: Ishana Night Shyamalan

MARCELO MIRANDA / Folhapress

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