Filme brasileiro exibido em Berlim torna a Amazônia em refúgio para corpos velhos

BERLIM, ALEMANHA (FOLHAPRESS) – O Brasil descrito em “O Último Azul” é distópico, mas continua muito parecido com a realidade. Como se acrescentar alguns poucos ingredientes fosse suficiente para confirmá-lo mágico ou um estado opressor.

É o que faz Gabriel Mascaro, diretor da única produção brasileira da mostra competitiva no Festival de Berlim, com uma intenção clara: “Não é denúncia, é fantasia”.

Exibido pela primeira vez na manhã de domingo (16) em sessão concorrida para a imprensa, o filme de Mascaro imagina um país que despacha idosos a partir dos 75 anos para colônias, que soa como eufemismo de um governo de slogans e publicidade.

A ideia é que os velhos não atrapalhem os filhos, que podem trabalhar mais e alavancar a economia do país. O pressuposto totalitário faz lembrar “Divino Amor”, de 2019, em que o diretor pernambucano projeta um Brasil plenamente evangélico.

Só que a questão política, agora, é apenas pano de fundo para outra discussão: o que fazemos como “o corpo velho”, como o diretor descreve, normalmente tratado “como um museu que guarda experiências passadas”. “Eu queria pensar neste corpo no presente, que vive as contradições e a vitalidade do presente.”

A ideia do roteiro, que Mascaro escreveu com Tibério Azul, surgiu para o diretor quando ele viu a mãe, octogenária, começar a pintar.

“Nunca vi na literatura, no cinema, esse corpo velho com habilidade, com potência e sendo autorizado pela tradicional narrativa a enfrentar o regime, enfrentar um sistema em busca do seu sonho. É como se o idoso tivesse autorização na arte.”

No filme, o corpo rebelde é de Tereza, demitida do trabalho e informada de que terá que ir para a colônia. Sua casa será confiscada. Ela então resolve fazer uma coisa que nunca fez na vida e, para tanto, parte em uma jornada pelo único caminho clandestino que lhe restou, os rios amazônicos. A lista de últimas coisas a fazer só crescerá.

Para Denise Weinberg, que encarna Tereza, as pessoas “só ficam velhas quando perdem a curiosidade. “A personagem tem isso, sempre procurando por onde vai sair. Aos 77 anos vira do avesso e se torna marginal. É genial isso”, diz a atriz, aos 68 anos, “trabalhando como nunca”, com quatro filmes gravados no último ano.”

Com uma participação pontual, Rodrigo Santoro dá lastro internacional ao filme no papel de Cadu, um barqueiro que aparece no caminho de Tereza, “com uma história contrária à da imagem de homem livre”, algo que o atraiu. “Queria filmar com o Gabriel desde que vi ‘Boi Neon’ [de 2015, que deu projeção ao diretor]. Aí um dia ele me ligou e disse que tinha escrito um filme com uma participação afetiva para mim”.

Foi a primeira filmagem do ator na Amazônia, que fez um laboratório com ribeirinhos antes das gravações e passou dias andando de barco para aprender o manejo da embarcação e entender seu espaço de cena. “O tempo é outro, o ritmo é outro, o cheiro é outro, a hora passa de uma outra forma.”

Mascaro conta que foi surpreendido pelo cenário. “Falei no começo, ‘vou fazer um filme todo de barco na Amazônia, vai ser fácil’. E foi o mais difícil que já fiz.”. Para repetir uma tomada de rio, por exemplo, só a manobra dos barcos para voltar ao lugar consumia mais de meia hora. Com câmeras em pontos distantes e rádios falhando, às vezes a comunicação entre as equipes era feita com bandeiras. “Foi um aprendizado respeitar o tempo amazônico, as chuvas etc”, diz.

Em “O Último Azul”, o resultado é uma Amazônia exuberante, mas também em alguns momentos diferente dos clichês, urbanizada e até industrializada. O diretor não economizou nos elementos acrescentados à paisagem, parte da “fantasia” que diz querer mostrar para o espectador. “Poderia não ser Brasil? Poderia ser real também, né?”

A mensagem, de qualquer forma, continua sendo política. “O filme não tenta entrar na polarização de maneira gratuita. O filme mostra o embate entre o corpo idoso e o corpo jovem e sobre o desejo de sonhar. Nesse caso, ele é universal. Não é sobre a dicotomia circunstancial que a gente está vivendo.”

JOSÉ HENRIQUE MARIANTE / Folhapress

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