FOLHAPRESS – Como contar uma trama com a personagem histórica madame Dubarry, amante do rei Luís 15, da França, lidando com a sombra de grandes diretores como Ernst Lubitsch e William Dieterle, que a retrataram no passado, respectivamente em 1919 e 1934?
Este é o desafio da diretora francesa Maïwenn, que se tornou mais conhecida com o longa “Polissia”, que realizou em 2011 antes de empilhar trabalhos menos celebrados. “A Favorita do Rei” é seu mais recente longa-metragem e traz Johnny Depp como sua majestade.
Primeiro, Maïwenn devolve um nome, Jeanne, à personagem, assumindo-o já no título original, o que ajuda a deixar a história mais mundana. A diretora declarou que sua maior inspiração teria sido “Maria Antonieta”, 2006, de Sofia Coppola, no qual a personagem é interpretada por Asia Argento. Ou seja, ela buscava mesmo retirar o peso da coroa, retratar o mundo ao redor de Luís 15 mais próximo de nós.
Depois, ela própria, também atriz, se coloca para interpretar a personagem e contracenar com Depp. Nesse processo, retoma o papel que já foi de Pola Negri, em 1919, e de Dolores Del Rio, em 1934. Mas esse tipo de comparação não assusta Maïwenn.
Além disso, o que se pode mostrar de uma história como essa, que envolve adultério, prostituição e libertinagem, em 2023, quando o filme foi lançado na França, é muito mais explícito do que nas épocas dos outros filmes, mesmo que nos últimos anos tenhamos entrado em um retrocesso nas maneiras de se encarar e representar a sexualidade.
Na história, temos uma operação curiosa. O capricho do rei é ter Jeanne a seu lado o tempo todo, mas ela precisaria de um título de nobreza, pois ao rei se permite tudo, menos que uma plebeia circule livremente pelos domínios reais.
Para morar no palácio de Versalhes ao lado de Luís 15, Jeanne se casa com o conde Guillaume du Barry, personagem de Melvil Poupaud, num arranjo proposto pelo rei mediante o recebimento de muito dinheiro. Esse arranjo é tratado com um cinismo que contamina o filme de modo a deixá-lo mais atual, até mesmo um tanto sacana, ainda que não tenha cenas de sexo ou nudez. Mesmo com o título, Jeanne continua sofrendo rejeição, principalmente das filhas do rei.
A cena em que o assessor principal do rei, La Borde, vivido brilhantemente por Benjamin Lavernhe, ensina a Jeanne os modos e costumes da corte, quem a frequenta e quais as localidades principais nos domínios da coroa, é uma das melhores do filme, o momento em que a intenção de Maïwenn parece alcançar melhor resultado.
Não se trata de manter uma fidelidade à época, ainda que os cenários e figurinos sejam bem realistas. O principal é atualizar a história de uma amante que o rei impõe a todos que o cercam. Do ponto de vista de Jeanne, Luís 15 é bondoso e compreensivo. Do ponto de vista da corte, é um devasso que abre as portas a uma alpinista social.
O principal é que Maïwenn triunfa em sua ideia de quebrar a rigidez rococó do tempo que antecedeu e justificou a Revolução Francesa, mostrando que ali havia carinho e empatia, além de ressentimento e inveja.
Talvez por isso a escolha da diretora de ela mesma interpretar Jeanne tenha sido acertada. Sem uma beleza padrão, ela usa e abusa do carisma e encara tudo como uma grande aventura. Assim, acaba conquistando não só o rei, mas também La Borde, além da simpatia de outros membros da corte, como os personagens de Pierre Richard e Pascal Gregory.
Mal recebido pelos críticos no quadro de cotações da Cahiers du Cinéma e pelo texto principal da revista, mas elogiado por Jean-Loup Bourget na Positif, numa das poucas críticas positivas que recebeu, “A Favorita do Rei” merece um olhar mais cuidadoso, menos viciado pelas questões políticas atuais e mais atento ao que Maïwenn opera com algum grau de sucesso.
Se o filme parece louvar o luxo e a nobreza destruídos pela revolução, permitindo a intrusão de gestos e reações normalmente impensáveis em registros da época, talvez seja mais o caso de lançar um olhar terno e igualmente compreensivo para essas figuras que entraram para a história como peças a serem removidas do tabuleiro. Há algo de belo nessa decadência.
A FAVORITA DO REI
– Avaliação Bom
– Classificação 14 anos
– Elenco Maïwenn, Johnny Depp, Benjamin Lavernhe
– Produção França, Bélgica, Reino Unido, 2023
– Direção Maïwenn
– Onde assistir Nos cinemas
SÉRGIO ALPENDRE / Folhapress