FOLHAPRESS – Em “Andy Warhol O Sonho Americano” estamos no reino do documentário americano, com várias vozes falando, fazendo rápidos comentários logo ilustrados por imagens, compondo um panegírico que vai desde os avós, na hoje Eslováquia, e se estende até a morte do artista, em 1987.
Mas já o título traz uma ambiguidade que o filme não deixa de cultivar seria ele o filho de um pai operário que chega à fama e à riqueza? Ou seja, alguém que realiza, enfim, o sonho americano Ao mesmo tempo, é tamanho o entusiasmo dos entrevistados pelo artista que ao longo do documentário somos, por vezes, tentados a acreditar que os Estados Unidos nem existiriam sem os Warhol.
Ou talvez existissem, mas é quase impossível não concordar com a ideia de que ele captou como ninguém a ideia de país ali contida. Foi ele quem disse, afinal, que comprar é muito mais americano que pensar. E o consumo é o princípio, o tema mesmo de sua obra.
Alguns aspectos que “O Sonho Americano” propõe são fascinantes. Seu gosto pelas histórias em quadrinhos na infância, por exemplo, a afirmação de que o maior artista de todos os tempos era Walt Disney, o encantamento com a obra de Marcel Duchamp, que criava uma equivalência entre o objeto cotidiano e a obra de arte.
O caminho de Warhol passa pelo trabalho como ilustrador de revistas, que desenvolveu assim que chegou a Nova York, vindo de Pittsburgh, mas passa igualmente pela Igreja Católica Ortodoxa que frequentou desde pequeno, com seus ícones, que não deixam de lembrar os painéis que faria mais tarde.
Um ponto que chama a atenção no desenvolvimento do artista quando jovem a série de caveiras que desenhou, cuja particularidade está no fato de projetarem sempre uma sombra em que se pode ver o rosto de um bebê. Seriam os dois polos, o nascimento e a morte caminhando juntos, lembrando até os contos de Edgar Allan Poe.
E a morte é uma presença importante em sua vida e não só pelo fato de ele temê-la obsessivamente. Também a morte do pai, em 1942, quando tinha 13 anos, aprofundaria esse traço. Andy não conseguiu chegar ao velório para vê-lo. Depois disso se apegaria ainda mais à mãe, que levaria com ele para Nova York, quando se mudou para lá, no final dos anos 1940.
Um dos entrevistados subdivide o artista em três primeiro, o adolescente ligado à mãe; depois, o estudante introvertido; por fim, o superstar. Os três se completam o elo do jovem com a mãe o vincula à igreja e aos seus ícones; o adolescente cultiva as celebridades que aparecem nas revistas de cinema; o artista se torna astro retomando essas figuras célebres em telas que remetem aos ícones medievais. Em resumo, Andy transforma essas figuras mundanas em objeto de adoração. Virão então as Marilyn, as Liz Taylor, os Marlon Brando.
De algum modo, o sagrado e o profano se encontram. A sociedade dos Estados Unidos é o lugar dessa estranha atração, de algum modo igualitária. Warhol dirá que na América pode-se ser pobre ou rico, mas ambos comem a mesma coisa hambúrguer. O vulgar e o sofisticado também.
Diante de tudo isso, o artista superstar se cala. Como dirá um de seus sobrinhos, ele podia muito bem explicar a arte dos outros, mas nunca a dele mesmo. Sobre ela, preferia calar.
O silêncio de Warhol correspondia a seu gosto pelas filmagens e pelas fotos. Vivia com uma câmera Polarid embaixo do braço. Filmava com câmera fixa objetos como o Empire State Building, ou pessoas dormindo por horas a fio. Acreditava que o tempo era a grande trama. Nesse sentido, pode-se dizer que foi também o precursor das câmeras de segurança hoje espalhadas pelo mundo, significando aquilo que ele preconizava um mundo sem segredos, sem intimidade, sem profundidade. Nesse sentido, a sua Factory foi, durante algum tempo, um grande experimento.
Até que Andy foi baleado por uma frequentadora da Factory e quase morreu. Dali por diante tornou-se difícil entrar ali. A celebridade não era mais um conceito, mas ele em pessoa. As sopas Campbell, da primeira exposição que fez, em Los Angeles, na virada para os anos 1960, foram primeiro um fracasso. Tornaram-se coqueluche com o tempo o tempo era a grande trama, com efeito.
O tempo e também o silêncio. Warhol falava pouco, por vezes muito. Não se explicava. Ao morrer, em 1987, com 58 anos, tinha passado por décadas prodigiosas da América a riqueza do pós-guerra, as turbulências dos 1950, a convivência com os hippies, a aceitação mundial da sua pop art, o tempo das drogas e, depois, a era do paletó e gravata.
É disso que busca dar conta o documentário de Lubomir Jan Slivka, que também abre espaço para a Eslováquia, de que o artista nunca se afastou inteiramente. Por vezes vai um tanto aos trancos e barrancos, ora é correto, ora irrita com seus modos de documentário à americana, cheio de depoimentos curtos (e cortados). No entanto esse é um gênero que depende do personagem de que trata e da documentação que levanta. Esse “Sonho Americano” se resolve muito bem nessas duas frentes.
ANDY WARHOL O SONHO AMERICANO
– Avaliação Muito bom
– Onde Em cartaz nos cinemas
– Classificação 14 anos
– Produção Eslováquia, 2023
– Direção Lubomir Slivka
INÁCIO ARAUJO / Folhapress
