SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Entre amigos, um nazista podia até ser afável, acariciando gatinhos e apreciando a música de Mozart. Mas ao cumprir suas tarefas, podia com a mesma naturalidade assassinar brutalmente dissidentes e judeus.
Não existe historicamente um “nazista bom”. Ele é sempre imundo do ponto de vista político e moral. Um documentário que acaba de estrear na Netflix -“Homens Comuns: Assassinos do Holocausto”- exemplifica os paradoxos das imagens desses criminosos de guerra. O média-metragem é dirigido por Manfred Oldenburg e Oliver Halmburger.
Os nazistas não faziam de conta que eram bonzinhos. Mas muitos deles surpreenderam juízes e promotores do Tribunal de Nuremberg que os condenaram à execução. Eram homens comuns e banais. Nada os predispunha a cometer crimes contra a humanidade.
Os números que o documentário menciona não são inéditos. Depois da guerra, foram investigados 172 mil alemães, mas menos de 500 foram condenados. Entre eles, os supervisores dos 160 batalhões encarregados do extermínio de judeus fora dos campos de concentração.
Quanto ao próprio extermínio, um historiador diz no filme que, das 6 milhões de vítimas judaicas do Holocausto, metade morreu nas câmaras de gás; cerca de 1 milhão foi vítima de condições carcerárias, como a fome; e os 2 milhões restantes foram assassinados por pelotões de fuzilamento. É nesse ponto que entram os batalhões policiais.
Eles eram supervisionados por 27 milicianos nazistas que foram réus em Nuremberg. Levantamento minucioso de mais de 1 milhão de assassinatos havia sido localizado pelo advogado Benjamin Ferencz. A figura central desse grupo se chamava Otto Ohlendorf, condenado à morte por enforcamento em abril de 1948.
Nada em Ohlendorf o assemelhava a um criminoso de guerra. Pai de cinco filhos, era culto e educado. Os juízes, disse uma advogada, ficaram boquiabertos com uma imagem tão distante da maldade. Ele chefiava, no entanto, 600 assassinos que cumpriram uma espécie de cota -a morte de 90 mil judeus.
Pouco antes de ser enforcado, recebeu um advogado que se espantou pela ausência de qualquer arrependimento. “Se fosse preciso fuzilar minha irmã, eu o faria.”
Quem também se sobressaiu foi o major Wilhem Trapp. Ele comandou, na Polônia, o Batalhão 101, que ao fim da guerra apresentava a quarta maior “produtividade” em número de judeus assassinados. Trapp tinha entre seus homens a imagem de oficial generoso. Ele respeitava a objeção de consciência dos que preferiam não participar da carnificina. Um dos historiadores que acompanharam o julgamento do grupo, em 1967, diz que aqueles que aceitavam o crime como normal se abrutalhavam e festejavam a morte dos judeus em banquetes noturnos.
Um outro batalhão, com integrantes vindos da cidade de Hamburgo, exterminava suas vítimas dentro de uma floresta. Eram de 1.500 a 1.700 por sessão diária. Numa delas, um guarda disse ter matado o dono do cinema que ele frequentava quando menino e que havia se refugiado em território polonês.
Um parêntese para explicar essa polícia, que não se confunde com milicianos na SS ou da SA –tropas de choque. Alemães procuravam se juntar a ela para evitar serem recrutados em tropas que de fato entravam em combate na guerra e nas quais, portanto, eles poderiam morrer. Quando, em fins de 1939, a Alemanha invadiu a Polônia, 160 mil voluntários tentaram se juntar a essa polícia, que só pôde recrutar de início 30 mil homens.
Entre os oficiais que as enquadravam havia o capitão Julius Wohlaut, que teve o direito de levar sua mulher para a Polônia. Ela presenciou a eficiência do marido que invadiu um gueto, matou mil judeus e enviou 10 mil outros a um campo de extermínio.
Há o caso curioso de um capitão, Wolfgang Hoffmann, que terminou como um militar louvável por não ter cumprido a ordem de execução em massa. Mas seu caso foi de uma outra patologia: ele queria comandar as matanças. No entanto, era acometido por cólicas insuportáveis nas datas agendadas. Não conseguia levantar da cama e confiava a tarefa suja a subordinados.
O documentário procura, por fim -e de maneira pouco sistemática– identificar a origem social ou profissional desse “homem comum” que o nazismo transformou em agentes de monstruosidade ética.
Se eram apenas soldados, eles eram taxistas ou encanadores. Quando oficiais, haviam feito uma universidade e não raro eram pós-graduados. Tinham acesso ao conhecimento histórico e não deveriam acreditar que os judeus eram os responsáveis pela Revolução de 1917, na Rússia. Se acreditavam em tanta bobagem, é porque a consciência deles fora capturada pelo nazismo.
HOMENS COMUNS: ASSASSINOS DO HOLOCAUSTO
Onde Netflix
Classificação 16 anos
Direção Manfred Oldenburg e Oliver Halmburge
Link: https://www.netflix.com/br/title/81672035
Duração 58 min
JOÃO BATISTA NATALI / Folhapress