SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – “Priscilla”, adaptação do livro autobiográfico escrito por Priscilla Presley sobre seu casamento com Elvis, é mais um acerto na fórmula de sucesso de Sofia Coppola, a diretora que melhor glamorizou a melancolia feminina e fez retratos perfeitos da condição que atravessa as mulheres desde o século 18, da corte francesa de “Maria Antonieta” aos anos 2000 com os assaltantes de closets estrelados de “Bling Ring”.
O novo filme –sem músicas do Rei do Rock na trilha sonora e repetindo o feito em “Maria Antonieta”, de 2006, de usar canções de outras épocas, como “Crimson & Clover”, de 1981– vai de 1959, quando Priscilla, vivida com delicadeza por Cailee Spaeny, e Elvis, um discreto e pouco caricato Jacob Elordi, se conheceram, em uma base militar americana na então Alemanha Ocidental, a 1973, quando a mulher o deixa.
A jovem tinha apenas 14 anos quando um colega do cantor a pescou em uma lanchonete para que fosse à casa do astro, dez anos mais velho –ele gostava de conversar com pessoas dos Estados Unidos. Uma visita viraram duas, que virou um beijo, que virou um namorico.
Priscilla, que morria de tédio na gélida base militar, passou a viver como adolescente de verdade. Ela não era mais uma menina qualquer, era a garota de Elvis Presley. A escola pouco importava –e, para desespero de seus pais, ela dormia nas aulas para compensar as noites mal dormidas festejando com o namorado–, a semana era uma grande espera pelos sábados e domingos no cinema e no carro, aos beijos com Elvis.
Mas era ele quem dava as cartas, Coppola deixa claro. O astro volta aos Estados Unidos e deixa Priscilla sem explicações. A jovem chafurda em uma espera sem fim, regada à compra de discos, revistas de fofoca e protestos dos pais, que imploram para que ela esqueça aquela fantasia.
A garota poderia ter esquecido aquele sonho e tocado a vida, mas Priscilla se recusa. E Elvis, enfim, liga para ela e a convida para visitá-lo em Graceland, mansão em Memphis, no Tennessee, onde ele vivia com sua comitiva, composta do seu pai, seus amigos e seus funcionários.
A visita se transforma em uma mudança. Priscilla deixa a Alemanha e termina o ensino médio em Memphis, aos trancos e barrancos, já que Elvis nunca está lá e, quando está, troca a noite pelo dia em festa constante. Ela sofre, mas sabe se safa com o que tem e cola de uma nerd na prova final de matemática sob promessa de uma palhinha de Elvis para a coitada.
O astro, porém, continua dando as cartas da relação e Coppola alterna entre momentos mais e menos sutis em que escolhe deixar isso à mostra. Ele escolhe as roupas dela –azuis, que caem melhor– e o estilo de seus cabelos –pretos, para ressaltar seus olhos e, ao rechaçar as investidas sexuais da garota, dizendo que ela deve esperar o tempo dele.
Lembra a Maria Antonieta desesperada para engravidar vivida por Kirsten Dunst, que também vivia rejeições do marido. As duas, frequentemente deixadas para trás enquanto os pares iam para caçadas –ou sets de filmagens, no caso de Elvis–, compensam a solidão e a reclusão em palacetes gastando horas e rios de dinheiro com a aparência.
A austríaca, porém, tem mais sucesso que a colega americana em arranjar vida própria e se tornar uma espécie de “it girl” da corte, coisa que Priscilla nunca foi. E Elvis é menos indiferente a Priscilla do que o rei da França era a Maria Antonieta. Da pior forma possível, o astro se lembrava da existência da namorada, e, anos depois, esposa, para ser agressivo, ao dar tapas na cara dela e atirar cadeiras em sua direção, a cena mais exagerada do longa, de modo geral etéreo.
As violências, uma delas em uma sala cheia dos seus parceiros, eram seguidas de abraços e “você sabe que eu jamais iria te machucar”. Mas ele iria, sim. E Priscilla, apesar de todo o controle e abuso ao qual era submetida, escolhia ficar, mesmo quando mandada embora.
O filme em nada lembra o espalhafatoso “Elvis” de Baz Luhrmann, que ignora a violência doméstica e pinta o casal como retrato do amor perfeito apesar das incontáveis e constantes infidelidades públicas do astro.
“Priscilla”, por outro lado, mostra um Elvis que chegou a fazer as malas da garota quando confrontado sobre suas amantes e, que pediu um tempo da relação com Priscilla já grávida, por volta de 1967-68.
Mas embora Coppola não santifique Elvis, ela não se ocupa em vitimizar Priscilla. Afinal, o roteiro é baseado numa autobiografia e aquelas são as palavras e a narrativa da mulher. A diretora pinta, sem apontar culpados, um casamento falido, a partir da perspectiva de uma mulher solitária e frustrada com seu amor juvenil, com pinceladas de um rockstar falido. Não é fácil odiar Elvis porque Priscilla não o odiava. Ela o amava.
E também porque ele não é o foco. Elvis tem pouco tempo de tela. O tempo de tela vai para a cartilha Coppola –a solidão conjugal, a melancolia feminina, a angústia da espera por alguém que nunca está lá. Priscilla fica confinada a Graceland, é vista sempre através de janelas como um pássaro engaiolado.
Todo filme de Sofia Coppola é um lembrete de que ser mulher, mesmo princesa, mesmo a primeira-dama do rock, mesmo “nepo baby”, é viver em uma gaiola. Com “Priscilla”, a cineasta adiciona mais uma camada a essa máxima, e mostra que a gaiola pode ser muito bonita, bem decorada, ter cachorrinhos de estimação amáveis e, vez ou outra, um homem de sucesso vai colocar um dedinho por entre as grades douradas e te dar uma migalha de afeto.
A sacada de “Priscilla” é que ele nos mostra que as mulheres, na verdade, têm a chave dessa jaula e a que porta está aberta. É só sair –ao som de Dolly Parton.
PRISCILLA
Onde: Nos cinemas a partir de 26 de dezembro
Classificação: 12 anos
Elenco: Cailee Spaeny, Jacob Elordi, Dagmara Domińczyk
Produção: EUA, 2023
Direção: Sofia Coppola
BÁRBARA BLUM / Folhapress