Filme recupera projeto incompleto de Antonioni com imagens dos EUA

FOLHAPRESS – “Uma Estória Americana” é um documentário bem estranho, povoado de acontecimentos estranhos. Aos fatos –entre 1984 e 1985, o produtor português Paulo Branco, trabalhando sobretudo na França, fica sabendo que Michelangelo Antonioni, o grande diretor de filmes italiano, estava com dificuldades para produzir esse projeto. Vai a Roma, conversa com Antonioni, que confirma a história e topa que ele produza o filme.

Branco se põe a trabalhar, reunindo-se durante vários fins de semana com Antonioni em Roma. No roteiro, a história se passa nos Estados Unidos, mas poderia ser filmada no Canadá, o que facilitaria o levantamento da produção, já que o roteirista do filme, Rudy Wurlitzer, era canadense. Isso quem diz é Paulo Branco –o IMDb o dá como nascido em 1937 em Ohio, o que não o impede de ter vivido no Canadá. De todo modo, Wurlitzer é um grande ausente deste documentário.

O fato é que, depois de trabalhar meses no projeto, Branco é informado de que o diretor sofreu um AVC muito sério, o que tornaria inviável toda a operação.

Dez anos depois, outro produtor, o francês Stéphane Tchaldjieff, é informado pela mulher do diretor de que, embora não pudesse falar, Antonioni estava parcialmente recuperado do AVC e teria condições de dirigir um filme –com efeito, é desse ano “Além das Nuvens”, filme que fez com a colaboração de Wim Wenders. E Tchaldjieff se põe ao trabalho.

Desta vez, tendo contornado inúmeros problemas, inclusive o do seguro para um cineasta nas condições de Antonioni, e levantado o financiamento para a produção.

Os dois viajam até Los Angeles, o que o produtor afirma ter sido o seu azar. A notícia de que Antonioni ia filmar nos Estados Unidos mobiliza uma espécie de circo que envolve atores dispostos a fazer o papel só para filmar com Antonioni. Parecia fácil, mas não seria.

O mais interessante dessa viagem é que Antonioni se deixa fascinar por um aspecto da cidade que nada tem a ver com o roteiro. O fato de o centro financeiro de Los Angeles, lugar de extrema riqueza, fica a cinco minutos, a pé, de uma missão que abriga pessoas na mais completa miséria.

Aí, segundo Tchaldjieff, Antonioni via a oportunidade de filmar um panfleto antiamericano nos Estados Unidos mesmo.

A filmagem, e não essa intenção do diretor, tocava “o sistema”: os agentes, o corte final, os salários etc. Diante do impasse, os financiadores –o Canal+, essencialmente. Decidem que mais vale a pena interromper a produção.

Para contar essa história –e o argumento de “Uma Estória Americana”–, os diretores Alexandre Gouzou e Jean-Claude Taki mobilizam imagens de várias épocas numa colagem que seria uma espécie de súmula da América, tal como vista por cinegrafistas amadores: cenas de família, de baile de debutantes, de letreiros envolvendo o Vietnã, de Nixon na TV.

E imagens das cidades: os arranha-céus, os carros, as autoestradas, o posto de gasolina, os quase congestionamentos, carros, muito carros, movimento de gente nas ruas, etc. Podem não ter, ou só têm raramente, nenhuma relação com o roteiro, que diz respeito a uma mulher, seu marido, seu amante e um segundo amante. Dois prédios, um em frente ao outro, e dois telegramas.

Como tudo que diz respeito a Antonioni, a descoberta de um projeto que atravessa duas décadas, nas mãos de dois produtores, não realizado, mas quase, fascinará qualquer espectador mais atento de cinema, sobretudo aquele que siga o fluxo de imagens sem se preocupar muito com a proximidade entre essas imagens e o projeto propriamente dito. Elas visam mais a construir uma aproximação, uma atmosfera dos Estados Unidos.

UMA ESTÓRIA AMERICANA

Avaliação: Muito bom

Quando: SP: Seg. (8), às 14h, no Espaço Itaú Augusta; sex. (12), às 17h, IMS Paulista. RJ: Seg. (8), Às 16h, Estação Net Botafogo; qua. (10), às 20h, Estação Net de Cinema Rio

Classificação: 14 anos

Produção: França, Itália, 2023

Direção: Jean-Claude Taki e Alexandra Gouzou

INÁCIO ARAUJO / Folhapress

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