(FOLHAPRESS) – Entre nós, os filmes indianos entram e saem em silêncio dos cinemas. São, no entanto, cada vez mais numerosos. Com um pouco de esforço, podemos aceitar e mesmo assimilar alguns de seus costumes, até porque a Índia contemporânea vem com tudo, ao que se diz, para conquistar o mundo.
Depois, sem esforço algum, é possível apreciar a beleza deste “Tudo que Imaginamos como Luz”, de Payal Kapadia, indicado ao Globo de Ouro de melhor filme em língua não inglesa e melhor direção. Passados os minutos em que podemos ver tudo isso como exotismo, nos deparamos com uma cultura em muitos pontos próxima de nós. Já aconteceu algo parecido com os iranianos.
O mais original é que esse é um filme sobre enfermeiras. Só conhecemos filmes de enfermeiras quando existe guerra, mas, em geral, o filme é sobre guerra, e as enfermeiras são ali mais um acessório. Falamos de guerras mais antigas. As mais recentes nem dão tempo de atendimentos mais detidos, menos ainda femininos.
Aqui não estamos em guerra. Mas Prabha sente a ausência do marido, que foi para a Alemanha e nem ao menos dá notícias. É a guerra econômica. Ela é triste, mas não frágil. Mora com Anu, moça mais jovem, que enfrenta um dilema: está apaixonada por um jovem muçulmano. Um médico se aproxima de Prabha e lhe entrega um poema. Ela se sente interessada pelo rapaz ou, em todo caso, pelos sentimentos do rapaz.
Prabha tem bem claros os limites da sua liberdade. Seu casamento foi arranjado, à moda tradicional. Eis o que Anu teme. Mais jovem do que a amiga e dotada de um olhar bem decidido, namora um rapaz muçulmano e se dispõe a enfrentar as coisas da tradição.
A intriga diz respeito a uma sociedade marcada por esses ritos, mas todos podemos entender os problemas que enfrentam essas mulheres. Intriga à parte, o que o filme traz é um tipo de delicadeza que já não conhecemos a Índia, vista não mais pelo olhar colonialista, mas de dentro. Não mais como lugar exótico, mas como lugar, apenas, com seus problemas e também belezas.
Essa é provavelmente o mérito principal deste filme de Payal Kapedia, que aborda sinceramente suas personagens e, por isso mesmo, nos envolve com elas. E também nos leva ao final, um pouco real, um tanto onírico, sempre interessante.
“Tudo que Imaginamos como Luz” é um filme feminista e feito por uma mulher, mas que sabe evitar as abordagens traiçoeiras que tornam esses filmes, por vezes, meros suportes para discursos extracinematográficos.
Este é um filme que, com despojamento e modéstia conduz seu espectador do sofrimento feminino à fruição da beleza, ao lado de suas personagens, simpáticas, como é o filme.
TUDO QUE IMAGINAMOS COMO LUZ
– Avaliação Bom
– Classificação 14 anos
– Elenco Kani Kusruti, Divya Prabha, Chhaya Kadam
– Produção França, Índia, Luxemburgo, Holanda, 2024
– Direção Payal Kapadia
– Onde ver Nos cinemas
INÁCIO ARAUJO / Folhapress