RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Alguns anos atrás, o cineasta Mikko Makela deixou a Finlândia para viver e trabalhar em Londres. Ao chegar lá, se deu conta de que muitos de seus amigos estavam trabalhando no site OnlyFans, plataforma onde jovens vendem conteúdos eróticos. Essa foi uma das inspirações para seu segundo longa-metragem, “Sebastian”, em cartaz nos cinemas.
“Conheci muitas pessoas que fazem trabalho sexual, mas, mesmo antes do OnlyFans se tornar parte da ‘gig economy’ [a economia de plataforma] em Londres, eu já estava pensando muito sobre o tema”, diz o diretor no terraço de um hotel de luxo durante o Festival do Rio, onde o filme foi exibido pela primeira vez no Brasil. “Sebastian” estreou no Festival Sundance e também foi um dos destaques do Mix Brasil.
No filme, Max, vivido por Ruaridh Mollica, é um ambicioso rapaz de 25 anos, aspirante a escritor, que de dia trabalha em uma revista literária e de noite se transforma em Sebastian, um michê de aplicativo. Max usa as suas experiências sexuais com os diferentes clientes como material para o seu primeiro romance.
A autoficção é um dos temas centrais do filme. “Há uma noção de se descobrir através da sua escrita, que pode ser atraente principalmente para escritores queer”, diz Makela. “Em uma sociedade que nem sempre nos aceitou, a autoficção é uma forma de nos observar. Na verdade, é uma boa opção para escritores que tiveram que viver fora dos padrões da sociedade.”
“No filme eu cito Bret Easton Ellis, mas também me inspiraram nomes como Cyril Collard, escritor, ator e cineasta francês que fez ‘Noites Felinas’. Além de Jean Genet, claro, e André Gide.”
No universo das autoficções, a questão que sempre paira no ar é a curiosidade sobre quais elementos são de fato autobiográficos. Em “Sebastian”, o cineasta usa esse jogo de espelhos para criar camadas para o espectador. “Meu filme está questionando a ideia da autoficção, da mesma forma que o personagem de Max faz isso com sua editora”, ele afirma.
“Faria alguma diferença para o público se eles soubessem quais elementos eram autobiográficos? Fiquei pensando muito no que o personagem de Max teria que fazer para ser aceito dentro da elite cultural londrina, ao mesmo tempo que trabalha em uma profissão tão estigmatizada como o trabalho sexual”, diz o diretor.
Curiosamente, mais dois filmes presentes no Festival do Rio tratavam sobre o mesmo tema do trabalho sexual –“Anora” de Sean Baker e vencedor da Palma de Ouro no Festival de Cannes, e o “Baby” de Marcelo Caetano. “Esse é um bom ano para os trabalhadores sexuais. Acredito que está havendo uma discussão maior sobre o tema”, diz Makela.
“Como cineasta, quero mudar a perspectiva de como eles são retratados no cinema, com menos julgamento, evitando estereótipos. Sou fã de Sean Baker. Ele tem um grande respeito pelos trabalhadores sexuais e pela indústria do sexo. Ele trata os trabalhadores sexuais de forma a mostrar como eles são seres humanos completos.”
Ao longo do ano, o sexo parece ter voltado às telas de forma um pouco menos desinibida. Mikko Makela não se esquiva de mostrar essas cenas entre Max e seus clientes. Inclusive, a relação que Max –como Sebastian– cria com um de seus clientes, Nicholas, vivido por Jonathan Hyde, um homem gay de 70 anos, proporciona alguns dos momentos mais ternos da obra.
“As pessoas estão querendo fazer filmes e contar histórias sobre sexo, e mostrar como o sexo desempenha um papel importante nas nossas vidas”, diz o diretor. “Seria impossível fazer um filme como o meu e não mostrar o sexo. Mas não queria problematizar o sexo sob nenhum aspecto, nem moralista, nem estético.”
“No meu filme, o sexo funciona para contar a história. E também queria mostrar um sexo que não é visto normalmente, como o sexo entre Max e Nicholas. Queria mostrar aquela pele jovem tocando a pele mais velha. A poesia dessa imagem era muito importante para mim.”
Sebastian
Onde: Nos cinemas
Classificação: 18 anos
Elenco: Ruaridh Mollica, Hiftu Quasem e Ingvar Sigurdsson
Produção: Reino Unido, Finlândia e Bélgica, 2024
Direção: Mikko Mäkelä
DUDA LEITE / Folhapress