SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Em 1974, Jards Macalé se aborreceu com a gravadora Philips pela demora em lançar o disco “Aprender a Nadar”. O cantor e compositor promoveu, então, um acontecimento para marcar o início do novo projeto. Ele lotou uma barca, que fazia o trajeto Rio de Janeiro -Niterói, e fez um show dentro da embarcação. Na hora do grand finale, Macalé pulou na Baía de Guanabara, sendo resgatado às pressas pelo Corpo de Bombeiros.
“Aprender a Nadar” foi condicionado pela influência de Hélio Oiticica. “Ele me influenciou pelo conceito de arte que tinha. Arte é invenção e liberdade”, diz Macalé. Sua história de amizade com o artista plástico é contada agora no curta documental “Macaléia”, dirigido pela cineasta Rejane Zilles, mulher do compositor, em exibição no Festival do Rio.
O curta se inicia com a recriação de uma festa, dada por Macalé em 1978, quando ainda morava numa casa em Santa Teresa. Na ocasião, Oiticica se animou em fazer a ambientação do evento, transformando qualquer tralha encontrada no caminho em objeto artístico. Na volta para casa, pensou em criar uma instalação para o amigo, que se chamaria “Macaléia”, ecoando a mania de chamar todo mundo pelo feminino.
“O mais difícil contar essa história em 25 minutos”, afirma Zilles. “Também não queria fazer um filme do Macalé falando sobre Oiticica. Os dois tinham de falar sobre a amizade.” Para tanto, a cineasta incluiu imagens de arquivo captadas com o sobrinho do artista, César Oiticica Filho, e com o crítico Antonio Carlos da Fontoura.
Num dos principais momentos do filme, Macalé se reencontra com a “Macaléia”, entrando na obra de arte. A instalação é toda formada por telas, daquelas usadas em janelas, em branco, vermelho, azul e amarelo. A multiplicidade cromática causa uma ilusão de ótica, como se a obra imprimisse vários olhares para ela própria.
O material escolhido para a obra, a tela, remonta a um insólito galinheiro que figurava entre as atrações da festa dada por Macalé. Dentro dele, Lygia Clark, amiga em comum dos dois artistas dançava cancan. Como de hábito, Oiticica deixou todas as instruções para a montagem da instalação. A “Macaléia” que aparece no filme está em Angra dos Reis, no interior do Rio de Janeiro, no sítio do colecionador Luiz Antônio de Almeida Braga.
A obra de Macalé e de Oiticica já havia se entrelaçado em outras oportunidades. Como lembra o curta, os dois tinham amigos em comum e trabalharam, pela primeira vez, em 1970, num show de Gal Costa. Macalé era o diretor artístico, e Oiticica, o diretor cenográfico. No mesmo ano, o disco “Legal”, da cantora baiana, reproduzia a mesma dupla do show. Macalé fez os arranjos, enquanto Oiticica cuidou da arte da capa.
Anos depois, o compositor ainda criou uma trilha sonora para uma instalação de Oiticica numa exposição. “Macaléia” ainda mostra, em primeira mão, uma parceria musical entre os dois, um poema concreto, meio nonsense, musicado pelo compositor. O interesse de Oiticica pela cultura dos morros carioca representou uma mudança na música de Macalé.
Graças ao artista plástico, o cantor conheceu Cartola e Nelson Cavaquinho. Entre as imagens selecionadas para o filme, estão cartas e objetos raros, guardados pelo cantor. “Oiticica gostava muito do Macalé, porque eles compartilhavam esse gosto pela experimentação. E Oiticica adorava música”, afirma Zilles.
Tanto que o artista dizia “o que eu faço é música”. Irmanados pela radicalidade, Oiticica e Macalé compartilhavam um outro bordão “eu só faço o que quero”.
MACALÉIA
Quando ter. (10), às 15h45, no Reserva Cultural Niteró; e qua. (11), às 18h30, no Estação Net Rio
Preço R$ 36
Direção Rejane Zilles
GUSTAVO ZEITEL / Folhapress