Filme sobre Grande Otelo escancara racismo contra carreira brilhante

FOLHAPRESS – Um dos destaques entre os documentários brasileiros em exibição na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, “Othelo, o Grande” pode ser visto de diversas maneiras, das quais duas se sobressaem.

A primeira -mais óbvia, mas nem por isso menos relevante- é como uma reverência a Grande Otelo, um dos nomes fundamentais da história do cinema brasileiro.

A segunda surge como um lamento porque nos deixa ver que o Brasil não esteve à altura de um dos seus maiores artistas ao longo do século 20. Grande Otelo ficou aquém do prestígio que merecia e tampouco foi recompensado como seria justo, mostra o documentário dirigido por Lucas H. Rossi dos Santos.

Em 1927, ainda criança, ele se consagrou na Companhia Negra de Revistas, grupo que tinha Pixinguinha como maestro. Alguns anos depois, Grande Otelo participou de espetáculos musicais no Cassino da Urca, no Rio, e de dezenas de chanchadas.

Nessas comédias ingênuas e muito populares, ele formou uma dupla com Oscarito que fez sucesso em boa parte dos anos 1940 e ao longo de toda a década de 1950. Foram cerca de 30 filmes juntos, entre eles, “Carnaval no Fogo”, de 1949, citado no documentário numa passagem hilária.

Pense numa dupla como Matheus Nachtergaele e Selton Mello, de “O Auto da Compadecida”, estendendo a parceria por pelo menos uma década e meia e lotando os cinemas a cada nova produção. Guardadas as diferenças, como o tamanho do mercado exibidor de uma época e de outra, esse fenômeno se deu com Grande Otelo e Oscarito.

Tivesse parado por aí, já teria sido uma carreira e tanto. Mas ele ainda filmou com Joaquim Pedro de Andrade (“Macunaíma”), Nelson Pereira dos Santos (“Rio Zona Norte”), Julio Bressane (“Família do Barulho”, “O Rei do Baralho”) e outros premiados cineastas brasileiros. Isso sem contar diretores estrangeiros, como Orson Welles, com quem fez o inacabado “It´s All True”.

O documentário passeia por esses momentos e alguns outros. E o faz sem enfileirar comentários de especialistas, como de praxe. Recorre apenas a depoimentos do próprio ator e cenas dos seus personagens para articular sua costura dramática. Ao impor esse limite, o filme se fortalece.

Mas há essa outra perspectiva diante de “Othelo, o Grande”, o olhar sobre o artista que, por conta do racismo e da falta de memória, não alcançou o reconhecimento a que teria direito.

Embora brilhasse no palco do Cassino da Urca, entrava e saía do lugar pela porta dos fundos, como outros atores e cantores negros. Ao longo do filme, ele se queixa mais de uma vez dos cachês que recebia, muitas vezes inferiores aos de colegas brancos em papéis equivalentes.

A certa altura, um repórter pergunta a Grande Otelo, então com 60 anos, quais personagens ainda gostaria de interpretar. Sem esconder a frustração, ele responde que “não tinha mais ilusões” e que buscava o papel que lhe desse cachê -“se possível, pago na hora”, diz.

Assim como o novo “Diálogos com Ruth de Souza”, documentário de Juliana Vicente, “Othelo, o Grande” nos faz lembrar da força de intérpretes negros no cinema. Em ambos os casos, o país que ajudou a cultivar esses talentos foi o mesmo que, mais tarde, não soube reconhecer a grandeza das suas trajetórias.

OTHELO, O GRANDE

Quando: Mostra de SP: Sáb. (21), às 20h40, no Reserva Cultural; ter. (24), às 15h50, no Espaço Itaú Frei Caneca

Classificação: Livre

Produção: Brasil, 2023

Direção: Lucas H. Rossi dos Santos

Avaliação: Muito Bom

NAIEF HADDAD / Folhapress

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