SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Seguindo a homenagem ao diretor Satyajit Ray, na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, diferentes cineastas indianos tiveram obras selecionadas pelo festival para compor um cenário de perspectivas sobre o país a partir do audiovisual.
Diferente do que muitos podem pensar, a cena independente do cinema indiano divide espaço com Bollywood, indústria cinematográfica da Índia de maior alcance. Suas produções são conhecidas pelos orçamentos robustos, pela associação a gêneros como a ação e o musical e pelo exagero nas narrativas.
É o caso do sucesso de 2023 “RRR”, disponível na Netflix, que conquistou a crítica e o público. Ainda que os blockbusters indianos também representem o país, a seleção da Mostra prioriza trajetórias mais humanizadas.
“Os filmes de Bollywood costumam reproduzir fórmulas que já foram aplicadas muitas vezes. Eles oferecem um entretenimento que pouco mudou com o tempo. Por outro lado, os cineastas independentes estão batalhando para construir histórias autênticas, com o menor orçamento possível. Eles enfrentam muitos desafios pela falta de plataformas dedicadas a exibir o seu trabalho”, diz Ramesh Yanthra, diretor de “O Trator”, que teve a sua estreia mundial em São Paulo.
O filme segue Muthu, um pequeno fazendeiro premiado com um trator após se envolver em um esquema comercial. Não demora muito para que o acordo passe a arruinar sua vida. A ideia de Yanthra era explorar o crescimento cada vez maior da desigualdade social.
“Temas como esse estão se tornando cada vez mais naturais na filmografia de diretores independentes. Mas muitas vezes eles pendem ao simplismo de procurar respostas. É um desafio que muitos de nós atravessamos. Encontrar maneiras de retratar realidades que não aceitam soluções simples.”
Proposta semelhante é explorada por “Segunda Chance”, longa de estreia de Subhadra Mahajan. A produção se mantém no espaço rural, mas escolha a região do Himalaia para acompanhar o encontro de três gerações de uma família produtora de tapeçarias. Quando a jovem Nina, atormentada pelo trauma de um aborto ilegal, retorna a sua antiga casa de veraneio, ela se reconecta com a avó e com o pequeno filho do zelador da propriedade.
“Do gênero à identidade, da justiça social à complexidades pessoais em diferentes partes do país, o cinema indiano independente tem explorado muitos assuntos. Filmes como ‘Segunda Chance’ revelam as diferenças e semelhanças entre a tradição e a modernidade”, afirma o produtor Shyam Bora. Ele explica que a forma como esses temas são explorados se deve às condições de produção, geralmente guiadas por recursos reduzidos.
Já “Roubado”, de Karan Tejpal, contempla a colisão entre uma Índia muito rica e privilegiada com outra pobre e discriminada. O filme segue a história de três pessoas, uma mãe, um fotógrafo e seu irmão, que se aproximam após o sequestro de um bebê de cinco meses. Na busca pelo recém-nascido, são forçados a encarar um lado obscuro da sociedade, com o qual nunca tiveram contato.
Esfera semelhante é revelada por “Celestina & Lawrence”, ainda que não da mesma forma. Se “Roubado” aposta em sequências mais diretas, onde a violência aparece em frente à câmera, o filme do estreante Vikram Kumar contorna os conflitos pelo nascimento de uma história de amor.
O longa acompanha dois jovens de uma comunidade tribal. Celestina se vê presa ao namorado, líder de um esquema de tráfico humano. Lawrence se vê forçado a trabalhar como guarda-noturno de uma construção, precisa deixar seu lar e é abandonado pela companheira.
Vikram explica que o projeto surgiu de um longo estudo da vida em uma região tribal, no estado de Jharkhand. As filmagens traziam vários riscos e duraram cerca de três meses. O diretor destaca a revolução digital como uma das responsáveis por facilitar a produção de filmes independentes.
“Isso nos permite ter muitos realizadores do nosso lado. É diferente de alguém que está no sistema de Bollywood, quando a sua intenção é fazer dinheiro. Ou quando você pretende produzir todas as histórias possíveis das grandes cidades Índia. Essa é uma visão muito cosmopolita e dependente do mercado. Fiz esse filme como uma espécie de revolução. Queria fazer justiça à minha língua, à região onde eu vivo, aos personagens que estou criando. Eles devem parecer reais e vivos.”
Essa espontaneidade também surge em “Tudo Que Imaginamos Como Luz”, de Payal Kapadia. O filme se passa na cidade de Mumbai, onde duas enfermeiras tentam encontrar sentido em suas rotinas. Prabha lida com a ausência do marido, que vive no exterior. Anu passa as noites escondida com o seu namorado. Uma viagem em conjunto permite a elas aprenderem umas com as outras.
Vencedor do grande prêmio do júri no Festival de Cannes deste ano, o longa promove o encontro entre mulheres de diferentes gerações e discute o papel feminino na sociedade indiana. O filme prioriza a individualidade das personagens e a forma como os seus sonhos e desejos interferem no espaço urbano. É próximo da forma como o diretor Sandeep Kumar acompanha o seu protagonista em “Happy”, longa feito em Viena, na Áustria, que segue um imigrante indiano ilegal forçado a enfrentar a chance de ser deportado.
O personagem-título balanceia a rotina pesada e o relacionamento com a filha pequena, que procura se manter feliz a qualquer custo. Vemos diversos dilemas relacionados à imigração a partir de sua perspectiva. “Eu queria que as pessoas entrassem no mundo interno de Happy imediatamente. Eles deveriam ficar com ele. Deveriam entender o que está acontecendo dentro de sua mente e com os seus sentimentos”, diz Sandeep.
O TRATOR
– Quando Disponível em www.spcineplay.com.br até 30 de outubro
– Classificação Livre
– Elenco Prabhakaran Jayaraman, Sweetha Pradhap e Pillaiyarpatti Jayalakshmi
– Produção Índia, 2024
– Direção Ramesh Yanthra
SEGUNDA CHANCE
– Quando Qua. (30), às 16h50, no Cine Satyros Bijou
– Classificação 14 anos
– Elenco Dheera Johnson, Thakri Devi e Kanav Thakur
– Produção Índia, 2024
– Direção Subhadra Mahajan
TUDO QUE IMAGINAMOS COMO LUZ
– Quando Qua. (30), às 19h, no Circuito SPCine – CEU Taipas, CEU Butantã, CEU Três Lagos, CEU São Miguel, CEU Caminho do Mar
– Classificação 14 anos
– Elenco Kani Kusruti, Divya Prabha, Chhaya Kadam
– Produção França, Índia, Holanda, Luxemburgo, 2024
– Direção Payal Kapadia
DAVI GALANTIER / Folhapress