ROTERDÃ, HOLANDA (FOLHAPRESS) – Quando alguém toca a corda de um violão, o fio faz um movimento, que, em contato com outras cordas, gera um tom específico. Mas, se um dedo for colocado no meio do fio antes de ocorrer o movimento, o timbre será diferente. No primeiro caso, o movimento da corda é uniforme, subindo e descendo, enquanto, no segundo, o movimento é interrompido na posição exata onde o dedo foi colocado.
Desse exemplo das cordas do violão é possível entender a dinâmica de outras cordas, aquelas que podem ser o elemento básico do Universo como o conhecemos. Pelo menos é isso que defende a teoria de cordas.
Esse campo da física afirma que a base do Universo é formada por cordas impossíveis de serem observadas no estágio atual da ciência. Essas cordas contariam com diferenças de frequência ou movimentos, se pensarmos no exemplo do violão. A partir dessas variações de vibrações, as cordas formam diferentes partículas, como os prótons e elétron. Portanto, nessa teoria, o elemento básico que constitui a realidade como a conhecemos são as cordas.
Andre Lukas é um dos cientistas que dedica tempo e esforço para aprofundar o conhecimento sobre essa área de estudo. Professor de física teórica da Universidade de Oxford, no Reino Unido, ele diz que a motivação por trás dessa teoria é a possibilidade de criar algo mais belo na física. E essa beleza reside na ideia de unificar todas as forças básicas em uma só.
Por enquanto, a física já observou a existência de quatro dessas forças. Três estão incorporadas no modelo padrão da física e são divididas entre forças fraca, forte e eletromagnética. A quarta força é a gravidade, resultado de outro fundamento teórico, mas que pode ser integrada ao modelo padrão. Em conjunto, elas explicam grande parte dos fenômenos físicos já documentados.
Mesmo se integradas, elas não são unificadas em uma só teoria. E, para conseguir alcançar tal objetivo de tornar essa ciência mais bela, uma das teorias mais plausíveis envolve as cordas. Lukas afirma que, segundo essa teoria e seus respectivos modelos matemáticos, existem dois tipos de cordas: fechadas, que são relacionadas com a gravidade, e abertas, associadas com as outras três forças. Ou seja, existiria a união das forças em uma única teoria.
MUITAS DIMENSÕES
Nos modelos matemáticos e teóricos, a teoria de cordas parece ser consistente, mas a grande questão é se ela poderia ser aplicável ao nosso Universo. E um dos grandes dilemas relacionados a isso é a impossibilidade de, atualmente, fazer experimentos práticos com as premissas da teoria de cordas.
Gabrielle Weber, física e professora do departamento de ciências básicas e ambientais da Escola de Engenharia de Lorena da Universidade de São Paulo (EEL-USP), explica que as hipóteses na física normalmente são baseadas em equações matemáticas. Desses cálculos, é possível fazer previsões de fenômenos naturais e, por fim, experimentos para testar se tais previsões realmente condizem com o que ocorre no mundo real.
A teoria de cordas até conta com previsões, porém não é possível pô-las à prova. “A teoria de cordas não consegue fazer previsão que possa ser levada ao laboratório para ser testada hoje em dia. Nesse sentido, a teoria de cordas não […] entra no escrutínio do método científico porque não temos tecnologia suficiente para testar qualquer coisa que a teoria possa prever”, explica Weber.
Um segundo problema dessa área da física consiste no fato de que, normalmente, é necessário que exista dez diferentes dimensões no Universo para que os preceitos da teoria façam sentido. Mas o mundo real só conta com quatro dessas dimensões. Pelo menos são essas que podem ser observadas.
Para solucionar o imbróglio, pesquisadores voltaram à teoria da relatividade de Albert Einstein, especialmente no fato de que o espaço-tempo pode ter uma forma curva em outras palavras, as dimensões podem ter uma configuração mais elaborada e flexível.
Por essa razão, é possível argumentar que as seis dimensões exigidas pela teoria das cordas e que não são observáveis teriam um formato curvo, enrolando-se em torno delas mesmas e, internamente, compondo uma base para as quatro dimensões já documentadas pela física. Dessa forma, o modo como essas seis dimensões estão configuradas determina elementos básicos das outras dimensões, aquelas que são possíveis de ser vistas e que, no fim, representam o Universo como o conhecemos.
O problema é que as possibilidades de configuração das seis dimensões são enormes e, em muitos casos, os cálculos geram resultados que não correspondem com a realidade. Por exemplo, em alguns cenários hipotéticos dessa composição entre as dimensões internas, os valores de massa das partículas são diferentes do que já se conhece pela física.
E então entra a inteligência artificial (IA) que pode ajudar a solucionar esse imbróglio. Uma possibilidade do uso foi vista em um estudo pré-print (ainda sem revisão por pares) de Lukas e outros pesquisadores de Oxford.
Na pesquisa, uma inteligência artificial foi desenvolvida para colaborar na resolução de um cálculo de um desses modelos de configuração das cordas nas diferentes dimensões que compõem a teoria. Por meio da resolução dessas equações matemáticas, era possível acessar a massa de partículas e comparar com o valor que já é admitido pela física como correto.
Nesse estudo preliminar, os números encontrados pelos cálculos não foram semelhantes aos valores já reconhecidos, o que é de se esperar, considerando a inovação que o estudo propôs, e também é um indicativo de que esse determinado modelo configuracional das cordas que os pesquisadores analisaram não corresponde a um possível padrão do nosso Universo.
Mesmo assim, a pesquisa serviu como um exemplo de que a IA pode ajudar a consolidar a teoria de cordas. “Esse primeiro artigo foi apenas para demonstrar que o método funciona, que máquinas podem de fato ser usadas para fazer esse tipo de cálculo”, afirma Lukas, complementando que o grupo de cientistas pretende continuar a melhorar a ferramenta.
Lara Anderson, professora associada de física no Grupo de Teoria de Partículas da Virginia Tech, nos Estados Unidos, também adota IAs no campo da teoria das cordas. Com a ajuda de um modelo desenvolvido para suas pesquisas, ela e outros pesquisadores trabalham para a métrica dessas diferentes seis dimensões internas da teoria das cordas.
“Projetamos redes neurais que tentam minimizar funções que nos aproximam de uma solução para essas equações [sobre as métricas das cordas nas seis dimensões internas]”, afirma.
Assim como no caso de Lukas, o uso de computadores superpotentes e que simulam cérebros humanos demonstrou ser vantajoso para Anderson. Mas seriam as IAs essenciais para superar os problemas envolvidos na teoria das cordas? Pelo menos para Anderson, ainda não é possível ter uma resposta convicta para essa questão.
“Eu não sei se [as IAs] são essenciais ou não. Quero dizer, é uma ferramenta nova e acho emocionante tentar ver o que você pode fazer com ela. Essa foi a minha motivação e acho que de muitos outros também. Sabe-se que esse é claramente um avanço poderoso, e a questão do que se pode fazer e em que escala de tempo é realmente importante”, resume.
SAMUEL FERNANDES / Folhapress