RIO DE JANEIRO, RJ, E BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O presidente Luiz Inácio Lula da Silva abriu nesta quinta-feira (7) o encontro dos chefes de Estado do Mercosul atribuindo às nações europeias o fracasso no acordo de livre comércio entre os dois blocos de nações.
Lula afirmou haver um protecionismo do presidente francês, Emmanuel Macron, aos produtos agrícolas do país. O chefe do Planalto também ressaltou a necessidade de proteger as compras governamentais dos países do Mercosul.
“Fiz um apelo ao Macron para deixar de ser tão protecionista. Todos eles são protecionistas em relação ao mercado agrícola. Eles não levam em conta que podemos participar desse sol, de um mercado extraordinário”, disse Lula.
“A questão das compras governamentais é muito importante para um país se desenvolver. Não dava para a gente abrir do jeito que eles queriam que a gente abrisse.”
O debate sobre as compras governamentais é um dos principais entraves ao termo atual do acordo. Uma reivindicação de Lula é impedir que empresas europeias possam concorrer em licitações brasileiras.
Lula afirmou que o futuro acordo deve contribuir para a industrialização dos países do Mercosul.
“Estranho a falta de flexibilidade deles de entender que nós ainda temos muita coisa para crescer, temos o dever de nos industrializar. E precisamos de flexibilizar, deles comprarem alguma coisa nossa com maior valor agregado. Mas eles não estão sensíveis para isso”, afirmou.
Havia a expectativa do governo brasileiro e da presidência da União Europeia de que fosse possível fechar os termos do acordo para anunciá-lo na Cúpula do Mercosul, nesta quinta (7). No entanto, os últimos dias mostraram percalços maiores do que estavam sendo antecipados pelos negociadores.
No último sábado (1°), Macron, afirmou que é contrário ao acordo por considerá-lo “antiquado”. Um dia depois, o comissário do comércio da União Europeia, Valdis Dombrovskis, cancelou a viagem que faria ao Brasil para acompanhar a reunião do Mercosul.
No discurso, Lula admitiu que não conseguiu chegar aos resultados concretos que esperava quando assumiu a presidência temporária do bloco. A declaração é uma resposta às críticas feitas pelo chanceler do Uruguai, Omar Paganini, de que o Brasil não trouxe “resultados concretos” entre eles o acordo Mercosul-União Europeia.
“Cada um de vocês, quando exercerem a presidência, vai exercer com muita vontade de fazer muita coisa. E depois a gente se dá conta que nem tudo acontece do jeito que a gente quer. Mas o dado concreto é que nós estamos avançando”, disse Lula no discurso.
“Eu tenho como lema não desistir nunca. Porque não existe nada que seja impossível da gente concretizar, mesmo essa tentativa de acordo com a União Europeia. Já está durando há 23 anos, mas a gente tem que continuar tentando.”
Lula também criticou as exigências ambientais feitas pela União Europeia para fechar os termos do acordo.
“A União Europeia precisa reconhecer a credibilidade dos dados dos nossos sistemas nacionais de monitoramento e certificação do desmatamento. Eu não vou ficar prestando contas das coisas que a gente faz para qualquer um. Tratamos das questões ambientais com muita seriedade.”
O presidente brasileiro também criticou o texto de 2019 acordado na gestão Jair Bolsonaro (PL) com a União Europeia.
“Herdamos uma versão do governo passado, que vocês conhecem. A versão era inaceitável, porque nos tratava como se nos fôssemos seres inferiores. Diria até que nos tratava como se fôssemos países colonizados ainda. Com falta de respeito e ainda ameaçando.”
**MERCOSUL E UE DIZEM ESPERAR CONCLUSÃO RAPIDAMENTE**
Sem consenso a tempo da cúpula no Rio, Mercosul e União Europeia afirmaram, em comunicado conjunto, a ambição dos blocos de concluir as negociações do acordo comercial “rapidamente”, sem mencionar um prazo para que isso aconteça.
Como antecipou a Folha, o comunicado ressalta o progresso feito nos últimos meses de negociação em nível técnico.
“Nos últimos meses, registraram-se avanços consideráveis. As negociações prosseguem com a ambição de concluir o processo e alcançar um acordo que seja mutuamente benéfico para ambas as regiões e que atenda às demandas e aspirações das respectivas sociedades”, diz o comunicado.
O texto diz que “ambas as partes esperam alcançar rapidamente um acordo”, sem estabelecer datas.
A declaração é uma tentativa das partes de reduzir a frustração por não terem chegado a um texto consensual que selaria o fim desta etapa das tratativas na cúpula do Mercosul, como era meta do governo Lula (PT).
Apesar do tom positivo adotado na declaração, pessoas que acompanham o assunto reconhecem que as perspectivas de conclusão do acordo nos próximos meses são desafiadoras.
A presidência do Mercosul passa em dezembro para o Paraguai, país que tem posições mais céticas em relação ao acordo do que o governo brasileiro.
Do lado europeu, a Bélgica ficará à frente do Conselho da União Europeia, órgão que define as orientações gerais do bloco. O país resiste ao acordo com o Mercosul, posição diferente da Espanha, atual presidente do órgão e entusiasta do tratado comercial.
**PRESIDENTE DO URUGUAI DIZ ESTAR CÉTICO COM RELAÇÃO AO ACORDO**
O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, afirmou estar cético em relação ao pacto, fez uma crítica a Macron e pediu celeridade dos demais membros do Mercosul para firmar o acordo.
“Já disse mais de uma vez e vocês sabem, sou muito cético a respeito do acordo com a União Europeia. Tenho que reconhecer um grande trabalho, um grande esforço do presidente Lula. Mas existem dois blocos, Mercosul e União Europeia”, disse Lacalle, que completou afirmando que, mesmo com os esforços, o presidente francês volta atrás do que foi acordado para colocar novamente dúvida em tudo.
O presidente uruguaio ainda falou que, apesar de todos os países do Mercosul terem demandas a respeito do acordo com a União Europeia, é impossível atender a todas e isso atrasaria ainda mais o fechamento do pacto.
“Creio que o ótimo é inimigo do bom. Chega, já está. Tenho que dizer que não vamos conseguir tudo que queremos. O Mercosul conseguiu coisas, e parte da modernização é acelerar esses acordos.”
Lacalle Pou também afirmou que o bloco precisa se modernizar e, principalmente, comercializar com economias de fora do Mercosul. Entre as reivindicações do Uruguai, o país quer estreitar os laços com a China e fazer um acordo de livre comércio com o gigante asiático.
O presidente uruguaio, porém, alfinetou os demais chefes de Estado presentes na reunião afirmando que o bloco não tem vontade de fazer uma aliança do tipo com a China.
“Eu acredito que não há vontade [do Mercosul] de avançar um acordo de livre comércio com a China”, disse Lacalle Pou. “A verdade é que, no Mercosul, [o pensamento é] ‘vamos aguardar e vamos todos juntos’. E todos juntos não vão avançar.”
“Temos que negociar para fora [do bloco]. Se não, estamos fritos.”
ITALO NOGUEIRA E CAMILA ZARUR / Folhapress