Flup começa driblando baixas, saudando Benedita e repelindo derrota de Kamala

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – A Flup, Festa Literária das Periferias, começou cheia de imprevistos nesta segunda (13) no Rio de Janeiro.

A ministra Anielle Franco, da Igualdade Racial, cancelou sua presença alegando questões de saúde na mesa que abriria os debates mais politizados do primeiro dia e foi substituída pela ex-ministra Benedita da Silva, deputada pelo PT do Rio.

E toda a mesa que abriria a programação internacional à noite teve reveses —as palestrantes Gloria Wekker e Oyeronke Oyewumi não conseguiram chegar e até a mediadora, a curadora do festival Mame-Fatou Niang, precisou viajar de última hora por um problema familiar.

Nada disso afugentou o público que lotou as palestras no Circo Voador em plena segunda-feira —ainda que tenha ficado prejudicada a ideia da prevalência total de mulheres negras nesse primeiro dia, já que o fundador Julio Ludemir, que é branco, assumiu o papel que seria de Niang.

A peteca, contudo, não caiu. Havia substitutas à altura nas figuras da escritora britânica Afua Hirsch, da jornalista francesa Audrey Pulvar, que hoje é vice-prefeita de Paris, e de Josephine Apraku, pessoa não binária da Alemanha que pesquisa estudos africanos.

Estava mantida a ideia de uma “conversa transatlântica” entre personalidades europeias com raízes na África e no Caribe e o público brasileiro de centenas de pessoas, a maioria jovens.

Pulvar, que foi aplaudida ao apontar que os fones de ouvido do festival ficavam mal acomodados em seu penteado black power, discutiu as particularidades de ser uma mulher de origem afro-caribenha com trajetória de pioneirismos —ela foi a primeira pessoa negra a comandar um telejornal de ampla audiência no país, há 20 anos.

Hoje na política, ela afirmou que nunca buscou escalar na carreira pensando em sua identidade, mas em suas habilidades de trabalho. Isso sem ignorar suas raízes na Martinica, algo que ficou patente quando lhe perguntaram sobre a relação com a escrita em francês.

“Eu amo a língua francesa, suas sutilezas, como a escolha de um termo pode mudar todo o sentido de uma frase como se fosse alquimia, mas eu escrevo essa língua como uma mulher de cultura crioula caribenha.”

Isso se alinhou aos comentários de Afua Hirsch sobre como a noção britânica de representatividade em espaços de poder muitas vezes significa “ter um negro, apenas um, em cada espaço”. “E ele será premiado caso se comporte da forma esperada. As instituições querem que negros estejam ali, mas não que sejam quem são.”

A radialista e escritora lembrou que ela era a única pessoa negra no júri do prêmio Booker, em 2019, quando ele distinguiu pela primeira vez uma escritora dessa raça —a britânica Bernardine Evaristo, outra convidada da Flup. Segundo ela, a escolha resultou de sua batalha dura pelo reconhecimento de Evaristo.

Quando Ludemir, o mediador, perguntou sobre como via o fim da “utopia de Kamala Harris”, Hirsch afirmou ter sentido melancolia, mas não muita. “Não fico necessariamente triste, porque não deposito minha utopia em uma pessoa que venha nos salvar. Mas em criar comunidades para que nós cuidemos uns dos outros.”

É uma naturalidade que ressoa em outra fala de Apraku, que disse vir de um país, a Alemanha, com credenciais para falar de fascismos. “E vejo que isso não está no passado, está muito vivo, é parte de quem somos como sociedade hoje.”

Antes, a festa juntou três figuras reconhecidas por trabalhos em defesa dos direitos humanos —Jurema Werneck, diretora da Anistia Internacional, Neon Cunha, mulher trans que é ponta de lança na pauta das populações LGBTQIA+, e Benedita da Silva, que foi a única mulher negra na Assembleia Constituinte de 1988.

Benedita, de 82 anos, foi alvo das mais intensas homenagens do dia e recebeu um prêmio criado em nome de Écio Salles, fundador da Flup que morreu há cinco anos. Depois de uma participação inflamada na mesa em que defendeu a “urgência de liberdade” para que mulheres negras vivam “em paz e segurança”, ela recebeu o troféu exibindo emoção.

Tudo terminou à noite com uma grande ciranda, embalada pela pernambucana Lia de Itamacará, que segurou o público até os estertores da madrugada.

WALTER PORTO / Folhapress

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