Folha de S.Paulo indica os melhores filmes de 2023, segundo críticos e jornalistas

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Neste ano, as megaproduções “Barbie”, de Greta Gerwig, “Oppenheimer”, de Christopher Nolan, e “Super Mario Bros.: O Filme”, de Aaron Horvath e Michael Jelenic, foram os responsáveis por alavancar as bilheterias dos cinemas aos níveis pré-pandêmicos.

Enquanto a Marvel não emplacou nenhum título como o esperado, outros filmes ganharam merecido destaque em 2023 –alguns depois de passar por festivais internacionais como Cannes, Berlim e Veneza, enquanto outros rodaram pelo circuito nacional.

A Folha de S.Paulo reuniu sete profissionais envolvidos com a cobertura de cinema para indicar, cada um deles, cinco dos melhores filmes lançados neste ano.

A seleção levou em conta filmes que foram exibidos também em festivais e mostras ao longo do ano no Brasil, alguns deles entrando em circuito no começo do próximo ano.



Alessandra Monterastelli

Repórter

La Chimera

Direção: Alice Rohrwacher. (Estreia em circuito em 2024)

A história de um arqueólogo envolvido com uma gangue que trafica relíquias se torna uma tragicomédia com ares de fábula pelas lentes sensíveis de Alice Rohrwacher, mesma diretora de “Lazzaro Felice”. Fantasmas individuais e coletivos assombram os personagens numa narrativa sobre luto, pertencimento e patrimônio. O cenário é uma Itália de glórias desbotadas, em que o existencialismo ganha um tom lúdico pelo italiano articuladíssimo de Carol Duarte.

Afire

Direção: Christian Petzold

Premiado em Berlim, “Afire” merece ir ainda mais longe. Conhecido por destrinchar as contradições da sociedade alemã em melodramas onde o espectador joga um jogo de detetive com a psiquê dos personagens, dessa vez Petzold mira numa sátira sobre artistas, em especial homens, que se levam muito a sério, ao mesmo tempo em que faz uma homenagem ao romantismo alemão. Tudo com uma faísca de realismo fantástico, acendida pela queimada florestal que se aproxima dos protagonistas quase como uma força sobrenatural.

Tár

Direção: Todd Field (Disponível no Globoplay)

Um relato cortante sobre como o reconhecimento e o sucesso podem levar à ruína. No que provavelmente é o auge performático de Cate Blanchett, vemos a protagonista digladiando com o próprio ego em um cenário minimalista que é um deleite para os olhos. Ninguém está a salvo de si próprio, e a angústia é saber que poderia acontecer com qualquer um. Depois do papel, Blanchett admitiu estar exausta de atuar.

Anatomia de uma Queda

Direção: Justine Triet (Estreia em 22 de fevereiro)

O vencedor da Palma de Ouro em Cannes é uma profunda e dolorosa investigação sobre a vida a dois e suas contradições, disfarçada de investigação policial. Nas entrelinhas está uma provocação sobre gênero e o que é esperado das mulheres em um casamento.

Folhas de Outono

Direção: Aki Kaurismaki (Em cartaz nos cinemas)

Sem pretensões, Kaurismaki conta uma história de desencontros dramáticos entre duas pessoas apaixonadas como se estivesse zombando da vida cotidiana e suas pequenas tragédias. A soma do humor e dos cenários coloridos, em diálogo com uma estética da década de 1970, ameniza o retrato realista do dia-a-dia em um mundo do trabalho cada vez mais cruel.

Guilherme Genestreti

Editor de Turismo, Comida e do Guia Folha

Monster

Direção: Hirokazu Kore-eda (Em cartaz nos cinemas)

A premissa, uma história sobre bullying escolar, era um convite à pieguice. Mas o diretor japonês não só escapa da armadilha graças a seu estilo contido como se ancora num dos melhores roteiros do ano, que gira em torno de três pontos de vista sobre um mesmo evento. O resultado é ainda melhor do que “Assunto de Família”, seu filme mais famoso.

Assassinos da Lua das Flores

Direção: Martin Scorsese (Disponível em plataformas de vídeo sob demanda)

O diretor explora nova faceta e a violência como elemento fundador da América e lega ao mundo mais um jagunço torturado por algo culpa cristã. Mas o épico nunca ofusca o intimista nessa que também é uma história de decepção amorosa. Cinemão para gente crescida, não para quem ainda vibra com filminho de super-herói.

Tár

Direção: Todd Field (Disponível no Globoplay)

Enquanto Michael Haneke não lança nada relevante há mais de uma década, coube a Field o grande comentário sobre o estado das coisas. Sim, muito já se falou de como Cate Blanchett está ótima como uma maestrina embriagada pelo poder, mas o longa tem outros méritos, entre eles a ambiguidade, essa coisa rara em tempos de filme-textão.

Segredos de um Escândalo

Direção: Todd Haynes (Estreia em 18 de janeiro)

Jogos de espelho e sutilezas várias reforçam o poder da metáfora nesse longa que tem algo de “Persona”, de Bergman, mas no mundo das notícias de fofoca. Haynes, ás do melodrama, embala uma sátira ora detetivesca ora tragicômica e que atinge o seu ápice nas sucessivas vezes em que puxa o tapete do espectador.

Rotting in the Sun

Direção: Sebastián Silva (Disponível na Mubi)

O filme mais recente do diretor chileno, do ótimo ‘Crystal Fairy e o Cactus Mágico’, é quase um cavalo de Troia. Atrai o público queer com promessas de exibir corpos sob o sol, mas se mostra um espelho –nada distorcido– do narcisismo dessa comunidade, costurado sob a forma de um quase thriller social.

Henrique Artuni

Editor-assistente da Ilustrada

Anatomia de uma Queda

Direção: Justine Triet (Estreia em 22 de fevereiro)

Muitas coisas caem nesse filme, desde uma bolinha e um corpo até a nossa crença no mundo visível. Além de todos os aspectos que já foram ditos sobre o enredo do filme, é mais uma prova da versatilidade de Justine Triet, novamente com uma obra de gênero que vai muito além da superfície –e dá um pouco de dignidade ao cinema francês contemporâneo.

Batem à Porta

Direção: M. Night Shyamalan. (Disponível no Globoplay)

Antes de Justine Triet, Shyamalan é o cronista das quedas. Tudo que cai nos seus filmes ganha contornos sublimes, e, dessa vez, as dúvidas e truques tão característicos do seu cinema põem todo o mundo à prova com pouquíssimos atores e cenários. Um filme sobre apocalipses íntimos disfarçado de suspense.

Bom dia à Linguagem

Direção: Paul Vecchiali

A cerimônia do adeus de Paul Vecchiali. Um filme simples, banhado na simplicidade da vida e da morte, pela história de um pai e seu filho, ecoando trechos de obras anteriores desse mestre menos lembrado. É a resposta ao pessimismo de Jean-Luc Godard, ao mesmo tempo em que reverencia sua memória.

Na Água

Direção: Hong Sang-Soo

Hong Sang-Soo segue surpreendendo, agora com um filme-míope, propositalmente fora de foco. Se o cineasta coreano já tinha entendido o mistério das situações e diálogos que se repetem, agora tudo se dá no nível da imagem –cada vez mais parece um sucessor não só de Jean Renoir, o cineasta, como do pintor Pierre-Auguste.

A Maravilhosa História de Henry Sugar

Direção: Wes Anderson (Disponível na Netflix)

Difícil não reconhecer a evolução de Wes Anderson a partir das obras que lançou em 2023. Além do belo “Asteroid City”, grande filme sobre tudo e nada, esse “Henry Sugar”, ao lado dos outros curtas lançados na Netflix, é uma celebração da palavra, da imaginação e do que faz a boa literatura infantil tão profunda.

Inácio Araujo

Crítico da Folha

Capitu e o Capítulo

Direção: Julio Bressane

Talvez o grande achado do filme tenha sido Júlio Bressane desdobrar Capitu em dois corpos, dois olhares, dois modos de estar no mundo. A ambiguidade de Dom Casmurro se materializou na imagem das duas Capitolinas e na trama de fragmentos que tecem o relato.

Propriedade

Direção: Daniel Bandeira (Em cartaz nos cinemas)

O Nordeste da luta entre camponeses e senhores da terra já acabou nos anos 1960. Volta agora no filme de Daniel Bandeira, mas como retorno do reprimido. Não mais como luta de classes, mas terror: uma revolta dos mortos-vivos do sertão. Ou, se se preferir, como vingança dos cavalgados contra os Cavalcanti.

Monster

Direção: Hirokazu Kore-eda (Em cartaz nos cinemas)

Um menino machucado, um professor agredido, uma mãe histérica, uma escola incapaz de responder às delicadas e intrincadas questões contemporâneas, envolvendo de bullying a irrupção da sexualidade, amizade e mal-entendidos. Questões que o filme de Kore-eda desenrola com maestria.

Mato Seco em Chamas

Direção: Joana Pimenta, Adirley Queirós (Disponível para compra e aluguel no Apple TV e Google Play)

Quem diz que em Brasília não existe petróleo? Existe e está no filme de Adirley Queirós e Joana Pimenta. Existe, porque a gangue de mulheres que se apropria dele o inventa e com ele incendeia a região: refratárias à ordem que as marginaliza, inventam, vivem e subvertem enquanto podem.

Barbie

Direção: Greta Gerwig (Disponível no HBO Max)

Da boneca para o filme: quem é Barbie, a boneca, depois que tanto mudou a condição feminina no mundo? Greta Gerwig respondeu bem à questão e, sobretudo, encheu os cinemas. Quando as salas andavam vazias, todo mundo com medo de pegar Covid, “Barbie” mostrou que dava para ficar na fila e depois na sala cheia e sobreviver.

Menção Honrosa

O Mestre da Fumaça

Direção: André Sigwalt e Augusto Soares.

Leonardo Sanchez

Repórter

Assassinos da Lua das Flores

Direção: Martin Scorsese (Disponível em plataformas de vídeo sob demanda)

Um dos melhores trabalhos de Scorsese, que mostra controle total na direção, prova por que ele é o maior cineasta americano vivo.

Monster

Direção: Hirokazu Kore-eda (Em cartaz nos cinemas)

Filmado com a delicadeza ímpar de Hirokazu Koreeda, surpreende e emociona com uma trama costurada cuidadosamente.

Vampira Humanista Procura Suicida Voluntário

Direção: Ariane Louis-Seize

Uma daquelas gratas surpresas da Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, abocanha o espectador com uma trama leve, despretensiosa e hilária.

Segredos de um Escândalo

Direção: Todd Haynes (Estreia em 18 de janeiro)

Com sua afetação deliciosa, faz o espectador rir até perceber o tamanho da tragédia à sua frente.

A Cozinha

Direção: Johnny Massaro (Disponível no Globoplay)

Ótima estreia na direção para um longa que combina a delicadeza e a brutalidade que o tema merece.

Lúcia Monteiro

Crítica de cinema

Nossos Corpos

Direção: Claire Simon

Realizado em um hospital de Paris que se dedica ao cuidado com as mulheres nas diferentes fases da vida, é um primor do documentário de observação – com uma revelação que surge no final e que Claire Simon aborda com delicadeza e precisão.

Mato Seco em Chamas

Direção: Joana Pimenta, Adirley Queirós (Disponível para compra e aluguel no Apple TV e Google Play)

A mistura peculiar de documentário e ficção que caracteriza o trabalho do cineasta do Distrito Federal ganha contornos ainda mais espetaculares nesta trama sobre as mulheres que comandam uma refinaria clandestina de petróleo.

Pedágio

Direção: Carolina Markowicz (Em cartaz nos cinemas)

A relação precisa entre os personagens e a paisagem industrial de Cubatão já coloca o filme entre as melhores realizações do ano. Para completar, tem atuações magistrais e consegue tratar com humor e firmeza os absurdos da “cura gay”.

Para’í

Direção: Vinicius Toro

Com simplicidade, a história de duas crianças que tentam plantar o milho colorido ancestral dos guarani serve de pretexto para abordar a luta pela terra e o avanço da religião na aldeia.

Eami

Direção: Paz Encina (Disponível no Filmicca)

É uma história de luto e de luta, que a realizadora paraguaia filma junto aos ayoreo, aproximando-se do olhar e da memória dos indígenas do Chaco.

Galeria Veja cenas de ‘Eami’ Filme paraguaio de Paz Encina mostra resistência de povo indígena https://fotografia.folha.uol.com.br/galerias/1774247382087959-veja-cenas-de-eami ***

Pedro Strazza

Repórter

Crescendo Juntas

Direção: Kelly Fremon Craig (Disponível na HBO Max)

O amadurecimento é um momento tão difícil para uma mulher que vira uma questão de religião. Discípula máxima de James L. Brooks –que produziu ambos os seus filmes–, Kelly Fremon Craig adapta o livro infantil clássico de Judy Blume com bom olho para a relação entre mãe e filha. A sensação é de ver a série “Gilmore Girls” condensada à estrutura e lógica do cinema, em especial na atenção aos tempos das atrizes –Rachel McAdams, como a figura materna descabelada, está em estado de graça.

John Wick 4: Baba Yaga

Direção: Chad Stahelski (Disponível no Prime Video)

Os três filmes de “John Wick” que Keanu Reeves o diretor Chad Stahelski fizeram entre 2017 e 2023, após o sucesso do original, formam um painel revolucionário para o cinema de ação contemporâneo. É uma escalada coroada por este quarto capítulo, que investe tudo na escala em termos de produção e –mais importante– significado aos elaborados combates encenados com afinco. “John Wick 4” é um épico com inspiração em Homero, orbitando a tragédia e a comédia divina com elegância sem igual.

O Dia que Te Conheci

Direção: André Novais Oliveira

O cinema de André Novais Oliveira e da Filmes de Plástico desde o início está a serviço da rotina pacífica do brasileiro dentro do cotidiano difícil. “O Dia que Te Conheci” traduz essa dicotomia de opostos em um romance acidental dos mais belos, e a direção garante um jogo de acasos que sai doce nos contratempos. A poesia do dia a dia é o prazer estar em correr atrás do ônibus por um pastel atrasado, enquanto o paraíso mora na padaria que você visita de manhã depois de acertar o ritmo da sua vida.

Priscilla

Direção: Sofia Coppola (Em cartaz nos cinemas)

Junto de “Maestro”, de Bradley Cooper, o filme de Sofia Coppola forma a sessão dupla ideal para o 2023 do amor venenoso. A cinebiografia de Priscilla Presley é mais fascinante por revelar a prisão emocional dentro do ideal do sonho adolescente feminino. A protagonista passa por uma mumificação de plástico sob o jugo de um Elvis meninão, e a submissão silenciosa da garota –assim como a diferença radical de altura entre Cailee Spaeny e Jacob Elordi– dão o tom da tragédia a ser compreendida.

Skinamarink: Canção de Ninar

Direção: Kyle Edward Ball (Disponível no Globoplay)

Em um momento em que o horror flerta com grandes orçamentos e periga se acomodar em fórmulas, “Skinamarink” é um bálsamo. O filme canadense, com orçamento baixíssimo, lidera uma onda de produções do gênero que testam os limites da narrativa e encontram um terror primitivo, de perturbação. O resultado pode ofender alguns como algo barato ou tedioso, mas é um pesadelo muito mais fascinante e durável.

Redação / Folhapress

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