Fome atinge quase meio milhão de pessoas no Rio, diz pesquisa

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Regina Celi Moreira, 49, moradora do Jacaré, na zona norte do Rio de Janeiro, depende de doações para se alimentar. O dinheiro que consegue com reciclagem de latas e garrafas não é suficiente, ela diz.

“Sábado e domingo são os dias mais difíceis. Tem menos gente na rua, menos gente para doar. Tento arrecadar tudo o que posso durante a semana para não ficar sem comer”, afirma.

Tânia Maia da Silva, 58, catadora de material reciclável, alimenta três filhos adolescentes na casa em que mora no morro do Caracol, na Penha, zona norte, e centenas de cães em um abrigo de que cuida. Para fazer as refeições essenciais, recolhe às terças ou quintas-feiras frutas e legumes que estão para descarte no Ceasa (Centro de Abastecimento do Rio). Nesta terça (28), Tânia não pôde sair de casa devido a uma operação policial na comunidade da Vila Cruzeiro.

“O que eu trago de legumes não compraria por menos de R$ 150, e gasto R$ 8,60 de passagem de ônibus. O que reciclo dá cerca de R$ 10, que é o pão do dia seguinte”, diz.

A insegurança alimentar grave atinge 7,9% das casas da cidade do Rio de Janeiro, o que representa mais de 489 mil pessoas com fome –do ponto de vista técnico, somente os casos de insegurança alimentar grave podem ser descritos como fome. Os números são da pesquisa Mapa da Fome, realizada pela Frente Parlamentar contra a Fome e a Miséria da Câmara do Rio e o INJC (Instituto de Nutrição Josué de Castro), da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro).

Dados coletados entre novembro de 2023 e janeiro de 2024 por meio de entrevistas em mais de 2.000 domicílios do Rio de Janeiro apontam que o percentual de fome na capital fluminense é quase o dobro do dado nacional do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

Segundo a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) divulgada em abril, 4,1% dos lares brasileiros têm pessoas em situação de fome. O problema na cidade do Rio é também maior do que o do estado, onde a insegurança alimentar grave afeta 3,1% das famílias.

A pesquisa teve como referencial metodológico a Ebia (Escala Brasileira de Insegurança Alimentar), método mais aceito para essa medição. Trata-se de um questionário com uma sequência de oito perguntas endereçadas a maiores de 18 anos. Cada resposta positiva atribui um ponto ao entrevistado e, desta forma, determina o grau de insegurança alimentar da família.

“Fizemos uma amostra representativa da área urbana do município. Desde condomínios de luxo na zona sul e na Barra da Tijuca até os bairros da Maré, Alemão e Rocinha”, afirma Rosana Salles-Costa, professora e pesquisadora do INJC da UFRJ.

O mapa mostra que o problema está concentrado na área de planejamento 3 (AP3), região que no mapa administrativo da prefeitura engloba os bairros da zona norte, à exceção da Grande Tijuca.

Algumas das favelas mais populosas da cidade, como Maré, Complexo do Alemão e Manguinhos estão localizadas nessa região. Na AP3 o percentual de casas atingidas pela fome é de 10,1%, diz a pesquisa. “A desigualdade está muito bem marcada nos nossos territórios”, acrescenta a professora.

De acordo com a pesquisa, a fome atinge 18,3% das casas em que a pessoa de referência está desempregada e 34,7% das residências com renda per capita mais baixa.

A fome também é maior nos lares chefiados por pessoas negras (9,5%) e por famílias comandadas por mulheres (8,3%).

Um empecilho ao enfrentamento dessa realidade apontado pelos pesquisadores está na distribuição de programas alimentares como restaurantes populares, cozinhas comunitárias e hortas comunitárias.

De acordo com estudo, os três restaurantes populares municipais –em Bonsucesso, Bangu e Campo Grande– atenderam a apenas 6,9% da população carioca. As Cozinhas Comunitárias e o programa Prato Feito, de agosto a outubro de 2023, foram acessados por 2,1% dos moradores.

A Prefeitura do Rio de Janeiro afirmou, por meio da Secretaria Municipal de Trabalho e Renda, responsável pelos restaurantes populares e pelos programas Prato Feito Carioca e Cozinhas Comunitárias, que o combate à fome e à insegurança alimentar são prioridades do município.

A pasta diz que a cidade conta com 20 cozinhas comunitárias e que 35 novas unidades serão montadas até o fim do ano. Afirma, ainda, que os restaurantes populares fornecem em média 3.900 almoços diários, a R$ 2 cada prato.

YURI EIRAS / Folhapress

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