Fotógrafos registram estética da catástrofe na enchente no Rio Grande do Sul

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Caminhando entre destroços de madeira e concreto chafurdados na lama junto a roupas e objetos que contam a história de uma vida inteira, Brian Baldrati parava para conversar com quem tinha perdido tudo. Foi isto o que o fotógrafo curitibano fez por 12 dias durante a maior enchente da história do Rio Grande do Sul, perambulando com sua câmera pelas cidades ao redor de Porto Alegre.

Antes de apertar o botão do obturador, contudo, ele ouvia os relatos de quem estava prestes a fotografar, como no caso de uma senhora em Lajeado que, além de ter sua casa varrida pelas águas, caiu num golpe na internet e perdeu todo o dinheiro de sua conta bancária. No retrato, ela aparece desolada e vestida de preto, ajoelhada sobre um pedaço de concreto, na posição de quem reza.

“Não estava só vendo a cena, estava tendo uma troca muito profunda com as pessoas que perderam tudo”, conta Baldrati, numa entrevista por vídeo, acrescentando que sua formação em psicologia foi útil na hora de ouvir os relatos. “A escuta cria uma conexão maior na hora de fazer as fotos. Elas [as pessoas] confiam mais no meu trabalho. Consigo extrair mais.”

A imagem fará parte de um projeto que reúne os registros de onze fotógrafos —sendo dez gaúchos— da tragédia climática que paralisou o Rio Grande do Sul. Dezenas de fotos capturadas em maio, no pior momento das cheias, e outras feitas já durante a reconstrução das cidades vão virar um livro a uma exposição chamados provisoriamente de “Cidade das Águas”, ainda sem data para ficarem prontos e virem a público.

A iniciativa e o financiamento do projeto partiram de um escritório de arquitetura de Porto Alegre voltado para clientes de alta renda, e a organização ficou a cargo da jornalista Cláudia Aragón, que chamou fotógrafos conhecidos no estado como Raul Krebs, Fernando Bueno e Alexandre Raupp, entre outros.

O projeto é o desdobramento de uma empreitada anterior chamada “Cidade Feita de Rio”, de 2020, que mostrou como era viver próximo ao lago Guaíba pelo olhar de fotógrafos profissionais e amadores, num momento em que não se cogitava que uma enchente engolisse a capital gaúcha.

Como se vê nas imagens feitas agora, há uma clara preocupação estética, ou seja, não são fotos apenas documentais, embora elas mostrem os fatos. Por exemplo, um retrato de Fabiano Benedetti trabalha formas geométricas ao enquadrar armazéns alagados à beira do lago Guaíba e os prédios do centro de Porto Alegre ao fundo.

Uma foto de Fernanda Chemale exibe uma boneca presa nos galhos de uma árvore coberta pela água, numa cena de filme de terror. É a beleza involuntária da catástrofe.

Questionado sobre como vê a estetização de um desastre dessas proporções, Márcio Carvalho, arquiteto e idealizador do projeto, afirma que sua preocupação era a de que o aspecto plástico das imagens estivesse a serviço da ética. Em termos mais concretos, se trata da possibilidade de criar um vínculo emocional com o espectador a partir dessas imagens, de acordo com ele.

“Para que as pessoas, mesmo que não estivessem presentes [nas enchentes], consigam emergir das imagens com sentimentos e percepções que as conduza a refletir sobre o que aconteceu”, afirma Carvalho. “Estabelecer um vinculo emocional —esse é o papel da estética nesse projeto. Essa é a poesia.”

JOÃO PERASSOLO / Folhapress

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