BELÉM, PA (FOLHAPRESS) – Há oito anos, o governo federal tem um detalhado atlas que mapeia a vulnerabilidade da região da foz do rio Amazonas a um eventual derramamento de petróleo. O documento -chamado carta de sensibilidade ambiental a derramamento de óleo- foi concluído em 2016 pelo MMA (Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima).
O atlas foi elaborado por pesquisadores do Museu Paraense Emílio Goeldi, da UFPA (Universidade Federal do Pará) e do Iepa (Instituto de Pesquisas Científicas e Tecnológicas do Amapá). É uma baliza para um plano de contingências, caso ocorra vazamento de petróleo na região onde o rio Amazonas deságua no oceano Atlântico.
A carta aponta uma capacidade altíssima de ecossistemas da região da foz de absorverem hidrocarbonetos; uma extrema sensibilidade da costa a óleo; e uma altíssima dificuldade de limpeza de manguezais, que são abundantes na região, e de florestas de várzea, áreas úmidas e praias, em caso de vazamento de petróleo.
A existência do documento foi lembrado por pesquisadores na 76ª reunião anual da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), realizada em Belém, no campus da UFPA (Universidade Federal do Pará), e que se encerrou no último sábado (13).
“A carta mostra que a linha da costa da foz tem extrema sensibilidade a óleo, que afetaria a biodiversidade como um todo”, disse Amilcar Mendes, geólogo e pesquisador do programa de estudos costeiros do Museu Emílio Goeldi. Ele foi um dos formuladores do texto. “Não dá para entrar com máquinas em mangues, e a argila segura muito mais poluentes que a areia.”
Os elementos descritos pela carta de sensibilidade ao óleo não estão no cerne das discussões sobre o empreendimento de petróleo defendido pelo presidente Lula (PT).
O chefe do Executivo quer a exploração de óleo na bacia Foz do Amazonas, mais especificamente no chamado bloco 59, cuja distância para a costa é de 160 a 179 km, na linha de Oiapoque (AP).
O Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis) já negou concessão de licença para prospecção de óleo no bloco, em maio de 2023. A Petrobras, responsável pelo empreendimento, recorreu e aguarda a emissão da autorização ainda em 2024. A estatal e o Ministério de Minas e Energia pressionam pela licença.
A ministra Marina Silva (Meio Ambiente e Mudança do Clima) disse, na última mesa da reunião da SBPC, na sexta (12), que Ibama adotará uma decisão técnica, não política. “O órgão não discute a oportunidade e conveniência de explorar ou não o petróleo. Discute a viabilidade ambiental.”
Marina negou que Lula faça exigências taxativas pela autorização. “O presidente Lula nunca, em todas as vezes que trabalhei com ele, disse: ‘faça a licença’. Ele quer a coisa da forma correta. Há um debate técnico, de natureza interna, com diálogo entre os ministérios.”
Documentos do processo de licenciamento, elaborados e fornecidos pelos empreendedores, apontam a possibilidade de impacto de óleo na costa de oito países, além de dois territórios da França, em caso de vazamentos.
Conforme as modelagens usadas, feitas em 2015 e em 2022, não há previsão de toque na costa brasileira. Estudos científicos contestam essa previsão de que não haveria impacto no território nacional. E, caso um derramamento ocorra e óleo chegue à costa brasileira, os impactos podem ser extremos, conforme pesquisadores.
Relatórios usados pela Petrobras afirmam que a dispersão do óleo ocorreria rumo a ilhas do Caribe. Modelagens e simulações mostram óleo em Barbados, Granada, Guiana, Santa Lúcia, São Vicente e Granadinas, Suriname, Trinidad e Tobago e Venezuela, além de Guiana Francesa e Martinica (ambos territórios franceses).
“O EIA [estudo de impacto ambiental] é muito deficitário e abranda a questão da dispersão do óleo. Incluídas outras modelagens, o óleo também chegaria à costa brasileira”, afirmou o pesquisador da área de oceanografia Nils Edvin Neto, professor da UFPA. “Há uma carência de estudos de base sólida.”
Para Nilson Gabas Junior, diretor do Museu Emílio Goeldi, não é possível tomar decisões sobre exploração de petróleo na região sem dados científicos que embasem essas decisões. E a foz do rio Amazonas carece de estudos que mapeiem sua própria biodiversidade, disse.
“Essa é uma das regiões mais ricas em descarga hídrica e sedimentológica no mundo. A pluma de água doce no oceano, na ordem de 209 mil metros cúbicos por segundo, influencia a salinidade e a ecologia marinha”, afirmou o diretor. “Os serviços ecossistêmicos são valiosos, com regulação do clima e conservação da biodiversidade.”
Pouco se sabe ainda sobre o que está abaixo da água, afirmou Edvin Neto, da UFPA. “Na questão subaquática, não temos mapeamento de espécies e recursos pesqueiros.”
Faltam elementos técnicos suficientes, por exemplo, para a definição do defeso -período do ano em que é proibida a pesca, para reprodução– de espécies de peixes da região da foz do Amazonas.
Em caso de vazamento de óleo, um cenário pensado pelos pesquisadores é que nem exista intervenção para remoção, tamanhas a dificuldade de acesso e a complexidade dos ecossistemas. Assim, seria necessário aguardar por uma regeneração.
A carta de sensibilidade ambiental a óleo trata a bacia marítima da foz do Amazonas como “uma das últimas fronteiras para a introdução da atividade petrolífera”.
A Petrobras defende os modelos adotados para análise sobre eventual dispersão de óleo em caso de vazamentos, usados no processo de licenciamento ambiental.
A estatal disse, no fim de 2023, que contratou uma empresa de referência mundial e que essa empresa utilizou sistemas modernos para modelos e projeções sobre eventual dispersão de óleo no mar, seguindo exigências do termo de referência do Ibama.
“Foram realizadas duas modelagens (2015 e 2022) e os resultados indicam que não há probabilidade de toque na costa brasileira, sendo remotíssima a probabilidade de toque de óleo na costa de outros países. As modelagens foram aprovadas pelo Ibama. O parecer do Ibama também validou que o plano da Petrobras para resposta à emergência é robusto”, afirmou a empresa.
VINICIUS SASSINE / Folhapress