CURITIBA, PR (FOLHAPRESS) – De passagem pelo Brasil para divulgar Megalópolis, o lendário cineasta Francis Ford Coppola está nesta quinta-feira (31) em Curitiba, onde recebeu no início da tarde a mais alta honraria do governo do Paraná, a Ordem do Pinheiro.
Ele ainda deu uma palestra no Teatro Guaíra, pela manhã, para uma plateia formada em parte por entusiasmados estudantes de cinema da Universidade Tuiuti do Paraná, que organizou o encontro em parceria com o governo estadual.
Na plateia estava a filha do urbanista Jaime Lerner, ex-governador do estado e ex-prefeito de Curitiba, morto em 2021, e que inspirou a construção do protagonista de “Megalópolis”, vivido pelo ator Adam Driver.
“A primeira coisa que vocês devem saber é que não precisam fazer tudo que te mandam fazer”, começou Coppola, ao se recusar a receber de imediato a homenagem que a universidade havia preparado a ele.
Ele entrou no palco do Guaíra atrasado, porque dedicou tempo para tirar fotos na estação-tubo de ônibus, uma das marcas da gestão Lerner, e preferiu pular a pompa para falar diretamente com os estudantes, que ao final puderam até fazer perguntas a ele, o que não estava previsto.
“Acredito que nós, da humanidade, somos uma única família. Uma família de gênios que consegue resolver todos os muitos problemas que aparecem no mundo atualmente. Uma coisa que me inspirou em Curitiba e no trabalho visionário de Jaime Lerner era como ele, ao olhar para um problema, encontrava dentro de si a sua solução, usando a criatividade”, disse Coppola à imprensa.
Coppola e Lerner se conheceram em 2003, quando o lendário cineasta passou três semanas em Curitiba e também deu uma aula aos alunos de cinema da Tuiuti. Na época, ele se hospedou no luxuoso hotel Bourbon, em uma região movimentada do centro da cidade, onde tentou passar incógnito.
A passagem de Coppola por Curitiba mais de 20 anos atrás rendeu histórias. Andou de ônibus, foi a estádio de futebol, fez amizades com comerciantes da região -o pedido por “two bananas” na quitanda próxima ao hotel está entre os relatos famosos registrados pela imprensa local.
Também se tornou cliente frequente de um tradicional restaurante italiano do bairro Batel, A Pamphylia, onde também fez a própria pizza. No cardápio do local, até hoje é oferecida a pizza de nome F. F. Coppola, com “mozzarella, molho de tomate fresco, azeite, manjericão e massa grossa”.
“Em 2003, ele estava fazendo uma pesquisa porque queria ter uma visão de futuro de cidade boa. Porque os filmes futuristas sempre colocam a cidade num lugar sombrio. E ele tinha ouvido falar de Curitiba, das soluções urbanas, e veio pesquisar”, diz Ilana Lerner à reportagem.
“Ele e meu pai se identificaram muito. Os dois têm uma visão carinhosa para o mundo. E o Coppola foi muito legal, foi cozinhar na casa do meu pai, brincou com meus filhos no chão”, conta ela, que guardou duas versões de roteiro de “Megalópolis” enviados por Copolla a seu pai, em 2008. “Mas depois eles nem falavam mais deste projeto, que a gente não sabia se ia sair ou não.”
Segundo ela, o último encontro de Lerner e Coppola foi possivelmente entre 2017 e 2018, quando o urbanista viajava pelos Estados Unidos para o lançamento no país do livro “Acupuntura Urbana”. Lerner tomou café com Coppola na sede da Zoetrope, a produtora do cineasta que fica em San Francisco.
Ilana ainda não assistiu a “Megalópolis”, que estreia nesta quinta nos cinemas brasileiros, mas diz que está curiosa para ver se “este prefeito [personagem interpretado por Driver] é otimista também, como meu pai”.
“A cidade foi a vida do meu pai. Ele dizia que a cidade não é o problema, é a solução, e que a transformação urbana era possível em qualquer cidade. E dizia que o cidadão, o morador, era parte desta transformação urbana. Sempre respeitando a escala do homem. Talvez Coppola tenha sido atraído por isso. Eu espero ver isso no filme.”
Assim como em 2003, a palestra a estudantes nesta quinta ocorreu por iniciativa da professora Denize Araújo, coordenadora desde 1995 do curso de pós-graduação de cinema na Tuiuti.
“Em 2003, o Marden Machado me falou que o Coppola estava no hotel Bourbon. Aí deixei um recado para ele, convidando para ele falar meia hora com meus alunos. Pensei que ele evidentemente não ia responder. Mas ele respondeu e ainda disse: meia hora é pouco”, relembra. “Quando ele veio, eu avisei aos alunos assim: vamos fazer de conta que nós estamos acostumados a falar com grandes cineastas. Mas não deu certo. Ele entrou na sala e foi foto para tudo quanto é lado.”
“Em 2004, ele escreveu um email dizendo que adorou Curitiba e que um dia gostaria de voltar. Aí [dias atrás] o jornalista Marden Machado me deu a dica [de que o Copolla estaria no Brasil]. Eu peguei este email de 2004 e escrevi: estou respondendo seu email de 2004, é a sua chance”, conta ela, dando risada.
Inicialmente, a ideia era que Coppola falasse nesta quinta somente a estudantes da Tuiuti -assim como fez em 2003. Mas a “masterclass” depois se abriu ao público em geral, de forma gratuita. A Secretaria de Estado da Cultura, que ajudou na organização do evento, disse que as inscrições se esgotaram em meia hora.
Depois da palestra, Coppola almoçou com o vice-governador do Paraná, Darci Piana, no Palácio Iguaçu, onde o cineasta recebeu a Ordem do Pinheiro, a mais alta honraria do estado. A cerimônia foi rápida, e ao som do tema que Nino Rota escreveu para “O Poderoso Chefão”.
À tarde, Coppola deve ir ao Instituto Jaime Lerner e, à noite, o cineasta estará na estreia de “Megalópolis” no Cine Passeio, um charmoso espaço cultural.
CATARINA SCORTECCI / Folhapress