BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A desaceleração da arrecadação no mês de março e a manobra para mudar o arcabouço fiscal com a antecipação de crédito de R$ 15,7 bilhões expõem a pressão fiscal enfrentada pelo governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e, na visão de especialistas, reforçam o cenário de meta fiscal zero para 2025.
Números preliminares levantados por economistas mostram que a arrecadação seguiu em alta no mês passado, mas o crescimento perdeu ritmo. Não é um cenário ruim, mas a tendência menos favorável acendeu um alerta no Executivo.
Como mostrou a Folha de S.Paulo, o governo atuou no Congresso Nacional para garantir a despesa extra sem correr o risco de um desempenho pior da arrecadação nos próximos meses limitar o crédito a um valor menor que os R$ 15,7 bilhões.
A mudança ainda precisa passar pelo Senado, mas já é dada como certa pelo governo e vai ajudar a acomodar não só gastos com políticas, mas também emendas parlamentares.
A ação do governo evidenciou o viés de baixa na arrecadação para 2024 e, consequentemente, 2025.
A prévia de março aponta um crescimento real (já descontada a inflação) de 9,84% em relação a igual mês do ano passado, segundo Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena Investimentos, a partir de dados do portal Siga Brasil.
Por essas estimativas, a receita total atingiu R$ 201,45 bilhões no mês passado. O dado considera receitas com tributos recolhidos pela Receita Federal e também as não administradas, que incluem dividendos e concessões, por exemplo. A receita só com tributos teve um crescimento real de 14,03%, e a arrecadação líquida da Previdência, uma expansão de 7,35%.
O resultado oficial só será divulgado no final de abril pelo Ministério da Fazenda, mas a avaliação preliminar evidencia a perda de fôlego. Em fevereiro, a alta real tinha sido de 18%, e em janeiro, de 3,7%, segundo dados do Tesouro Nacional.
Salto afirma que os números apontam a necessidade de cautela para a equipe econômica na hora da definir a nova meta fiscal para 2025. Ele defende a revisão do alvo de um superávit de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto) para zero.
“É preciso ajustar 2025, pois não há condição de entregar um superávit no ano que vem. O zero já será muito difícil”, alerta.
Outros economistas também veem desaceleração na arrecadação. Tiago Sbardelotto, da XP Investimentos, adotou um outro recorte, que foca na arrecadação administrada pela Receita e nas contribuições ao INSS (Instituto Nacional do Seguro Social). Nessa comparação, a alta real seria de 6,5%.
Um ponto relevante, segundo Sbardelotto, é que a prévia indica uma arrecadação de março abaixo do que o previsto originalmente no Orçamento, um indício de dificuldades para o governo cumprir sua programação.
A perspectiva de desaceleração das receitas motivou o governo a antecipar a abertura do crédito extra neste ano.
O texto atual do arcabouço prevê que o Executivo pode usar o dinheiro caso a avaliação das receitas seja favorável no relatório de avaliação do Orçamento do segundo bimestre, a ser divulgado no dia 22 de maio.
Como o quadro da arrecadação até lá pode piorar, a versão aprovada pelos parlamentares diz que o crédito poderá ser aberto após a primeira avaliação, que já foi divulgada no último 22 de março. Na prática, a manobra exige do governo o cumprimento de um requisito que sabidamente já foi atendido.
Segundo interlocutores do governo ouvidos pela reportagem, o Ministério da Fazenda estava ciente das negociações, comandadas pela Casa Civil, e não apresentou objeções.
A pasta considerou a mudança “razoável” e argumenta que a mudança não abre espaço fiscal extra –embora a antecipação assegure o valor máximo, algo que não estaria garantido no cenário de maio.
Se no mês que vem o déficit, hoje estimado em R$ 9,3 bilhões, passasse dos R$ 13 bilhões, o governo não conseguiria usar todo o espaço de R$ 15,7 bilhões pretendido, dada a necessidade de respeitar a margem de tolerância da meta fiscal.
A preocupação do governo com a arrecadação também vale para 2025. Como revelou a Folha de S.Paulo, o governo estuda fazer uma alteração da meta para um número entre 0% e 0,25% do PIB no ano que vem, justamente diante da maior dificuldade nas receitas.
A mudança deve ser oficializada no PLDO (Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias), que será enviado ao Congresso no próximo dia 15 de abril. O ministro Fernando Haddad (Fazenda) evitou se comprometer com um número até o momento, mas defendeu a definição de uma meta “factível”. Não há rediscussão do alvo para 2024 neste momento.
Segundo interlocutores do governo ouvidos pela reportagem, a discussão sobre a meta está entre sinalizar um resultado um pouco mais alto e “correr mais risco” ou fixar a meta zero e “manter o pressuposto da consolidação fiscal”.
Correr mais risco hoje significaria se comprometer com um superávit na casa dos R$ 30 bilhões no ano que vem e encontrar as receitas necessárias para compor a proposta de Orçamento com um resultado neste patamar.
Os especialistas avaliam que o governo já chegou próximo ao limite na agenda que busca elevar a arrecadação. A própria ministra Simone Tebet (Planejamento) reconheceu que a busca por novas receitas “está se exaurindo”.
“O saco de maldades [de alta de impostos] vai se esgotando, mas no que se refere aos gastos tributários, aí há um mundo de possibilidades. É importante começar a dar mais vazão às medidas que estão no guarda-chuva da ministra Simone Tebet, a exemplo das revisões periódicas do gasto público”, diz Salto. Os chamados gastos tributários incluem incentivos tributários, renúncias fiscais e subsídios.
Sbardelotto afirma que o Congresso “entregou boa parte” das medidas pleiteadas pelo governo e, mesmo assim, parte delas não está rendendo como o esperado inicialmente, e o cenário de 2025 será ainda mais difícil.
“Boa parte das medidas que o governo colocou no Orçamento deste ano são receitas extraordinárias, que não se repetem no ano que vem. O governo teria que apresentar um novo rol de medidas para chegar no resultado de 0,5%”, diz o economista da XP.
A preocupação de uma ala do governo é que as incertezas do lado da arrecadação estão crescendo. O Congresso está exigindo flexibilizações na reoneração de municípios, empresas e do setor de eventos, e a Abrasca (Associação Brasileira das Companhias Aberta) tem atuado para derrubar o limite ao uso de créditos judiciais pelas empresas para reduzir os tributos a pagar.
Salto avalia que o governo deve usar o PLDO para coordenar as expectativas. “A meta de 2025 está em um patamar inexequível, todos sabemos, há muito tempo, mas é preciso segurar a âncora de curtíssimo prazo, que é o zero de 2024. Fazendo isso, Haddad vai ter sucesso”, avalia ele, que segue prevendo que a meta de 2024 se mantém inalterada.
ADRIANA FERNANDES E IDIANA TOMAZELLI / Folhapress