Frente Parlamentar pretende mitigar lacuna de representação quilombola

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Grupos politicamente minoritários, como mulheres, negros, LGBTQIA+ e indígenas, buscam ampliar a representatividade no Poder Legislativo. Alguns, no entanto, não conquistaram cadeiras e contam com apoios pontuais. É o caso dos quilombolas. Sem um deputado, eles tentam instalar uma Frente Parlamentar, que serviria tanto como um remédio para essa lacuna quanto como um espaço de reunião e visibilidade.

A Frente Parlamentar Mista em Defesa das Comunidades Quilombolas foi instalada em 2019, na legislatura anterior.

O deputado federal Bira do Pindaré (PSB-MA) era o coordenador, mas não foi reeleito. Em uma das atuações, ele se pôs contra a remoção de cerca de 350 famílias quilombolas de Alcântara (MA), para a ampliação do CLA (Centro de Lançamentos), comandado pela Aeronáutica, e aluguel para operações de outros países, uma das prioridades do governo Jair Bolsonaro.

Neste ano, o pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ) assumiu a tarefa de abrir um canal para as comunidades nos corredores e plenários da Câmara. Hoje, elas são quase 6.000, segundo dados do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).

“A frente é um instrumento das comunidades. E não o contrário”, afirma Vieira. Apesar de não ser quilombola, a militância no movimento negro o aproximou da pauta. “Quando cheguei ao Parlamento, ao conversar com Bira do Pindaré, entendi que poderia dar continuidade ao trabalho.”

Para ele, a democracia tem ainda distorções e limites evidentes. Isso se mostra na composição do Legislativo. Vieira enxerga o problema em camadas.

“Existem bloqueios históricos, políticos, econômicos, culturais, objetivos e subjetivos, que dificultam a ascensão de pessoas negras. E dentro do movimento negro muitas vezes a pauta quilombola também fica secundarizada”, analisa o deputado.

No fim do ano passado, Vieira chamou uma plenária com 90 lideranças quilombolas de todo o país e ouviu demandas e apelos. Há alguns meses, a mobilização para alcançar as 198 assinaturas necessárias para a instalação da Frente teve início. Por ora, há 170 apoios. A expectativa é concluir essa etapa nas próximas semanas.

“A gente não tem um vereador, um deputado, um senador quilombola. A gente tem aliados da luta, que inserem a pauta quilombola entre as muitas pautas que a esquerda reivindica”, afirma Érida Ferreira, liderança de articulação política do Quilombo Ferreira Diniz, no Rio de Janeiro. A representatividade quilombola no Congresso é, para ela, portanto, muito restrita.

No geral, a questão territorial sempre volta ao centro do debate quilombola. Ainda que o processo se dê via Executivo federal, Henrique Vieira avalia que é possível avançar por meio da frente. “Um dos objetivos é justamente contribuir para mapear, identificar, reconhecer e regularizar os quilombos. Isso passa por uma articulação com o Incra e com a Fundação Palmares”, explica.

Mais do que isso, ele afirma que, “instituindo a frente, essa é a prioridade zero”, especialmente por considerar o governo federal sensível à pauta. A ideia é, portanto, aproveitar a força de uma Frente Parlamentar para dar celeridade aos processos de regularização. “Foi um compromisso de campanha. Lula, quando assume, pede apoio dos movimentos sociais”, lembra Érida Ferreira.

Elias Pires Belfort, presidente da União das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Itapecuru, do território Santa Rosa dos Pretos, a 90 km de São Luís (MA), afirma que o Congresso é, ao longo desse tempo, motivo de preocupação.

Com a aproximação com Henrique Vieira, ele se diz esperançoso. “Abriu-se uma porta. Não foi sequer uma janela, mas uma porta.” Antes de Vieira e Pindaré não havia qualquer fresta. “Não tínhamos nenhuma entrada. Nada.”

E a frente dará, também, visibilidade às demandas e às próprias comunidades. Isso significaria aplacar a perseguição das comunidades pela propriedade e uso das terras. “Se a gente tiver o território, vamos lutar por outras políticas, como a proteção ao meio ambiente, a educação, a saúde, a agricultura familiar que tem que ser muito fortalecida nos quilombos, como com crédito, por exemplo”, afirma Belfort.

Érida Ferreira também cita a pressão pela implementação da história da África e indígenas no currículo escolar e pela proteção de lideranças. Ela diz acreditar que a frente tem o potencial, inclusive, de reforçar a própria mobilização para eleger um parlamentar quilombola.

“A gente espera que nos próximos anos esse movimento aconteça, tendo em vista que a própria representatividade negra tem aumentado.”

Em alguns momentos, o movimento indígena também é aliado, como na pauta do marco temporal. “Ambas têm a ver com ancestralidade, com um modelo de desenvolvimento econômico baseado nos saberes dos povos tradicionais. Ambos enfrentam o desmatamento, o garimpo ilegal, uma lógica racista.”

Por tantas conexões, o parlamentar planeja se articular, por exemplo, com Célia Xakriabá (PSOL-MG).

A tese do marco, articulada pela Frente Parlamentar da Agropecuária, defende a restrição das terras indígenas às áreas ocupadas na data da promulgação da Constituição de 1988 e pode repercutir para os quilombolas .

“A frente precisa ser uma frente mesmo. Vou buscar outros parlamentares para que funcione em forma de colegiado. Quero incidir sobre o Executivo. Mas também que a pauta ganhe força no Legislativo, com caráter amplo e suprapartidário”, diz Vieira.

Foi também por meio de aliados que o tema foi incluído na Constituinte: Paulo Paim (PT-RS), Benedita da Silva (PT-RJ), Edmilson Valentim (PCdoB-RJ) e Carlos Alberto Caó Oliveira dos Santos (PDT-RJ).

O grupo canalizou demandas do movimento negro e pautou desde temas como territórios quilombolas até a criação de uma lei contra racismo que tornou o crime inafiançável.

Rodrigo Portela, doutor em direito e pesquisador de constitucionalismo e quilombos, afirma que a estratégia de incidir sobre o Congresso por meio de aliados não é nova.

Além da bancada que assegurou a presença dos quilombolas no texto constitucional, nos anos seguintes também houve atuação semelhante, por projetos que discutiam a operacionalização do dispositivo que prevê o reconhecimento da propriedade de terras aos quilombos.

A conjuntura, no entanto, segue hostil. “Muitas das vezes o debate feito pelo Congresso é no sentido de pôr em xeque a garantia constitucional. É importante ter essa perspectiva de vigilância também. O Congresso é inquestionavelmente o espaço mais conservador e reativo às demandas quilombolas”, avalia.

O projeto Quilombos do Brasil é uma parceria com a Fundação Ford

ANA POMPEU / Folhapress

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