Fui agarrada no meu marido, que nadou para nos salvar, conta sobrevivente do RS

VERA CRUZ, RS (FOLHAPRESS) – Às 10h de terça-feira (30), a água começou a invadir a casa dos agricultores Arlindo e Delci Silveira, em Rebentona, um distrito do município de Candelária (RS), a 187 km de Porto Alegre. Durante seis horas, eles viram o nível subir, arrastando e destruindo todos os móveis e eletrodomésticos do casal.

A enxurrada os obrigou a subir numa mesa e, depois, no forro na resistência. Até que foram resgatados e levados para o ginásio Segefredo Werner, mais conhecido como Guidão, em Vera Cruz (RS), a 30 km de distância.

Ali, eles dividem o espaço com mais dez pessoas. Mas esse número já foi bem maior. “Na primeira noite, na terça-feira, quando começamos a acolher os desabrigados, chegaram 12 indivíduos”, conta Gabriela Ferreira, coordenadora da Secretaria de Assistência Social de Vera Cruz. “Até o momento, já passaram por aqui cerca de 50, gente aqui da cidade, que teve suas casas inundadas, e de municípios vizinhos, como Santa Cruz do Sul, Candelária e Sobradinho. Esses, porque ficaram ilhados por causa da interdição das rodovias de saída da cidade.”

Gabriela explica que essas pessoas foram abrigadas em Vera Cruz porque era o local mais próximo de onde elas foram resgatadas. “Quinta [2] à noite, havia 39, e hoje, 12”, diz. “Aos poucos, elas começam a retornar às suas casas. Estamos organizando para que voltem em segurança. Acreditamos que até domingo todas estejam de volta às suas residências.”

Entre os que ainda permanecem no ginásio está Valdomiro dos Santos, empregado de uma empresa fumageira, localizada no distrito industrial de Santa Cruz do Sul. “Saí do trabalho e vim a Vera Cruz resolver uns negócios, quando fui avisado que não seria possível voltar para minha casa, em Albardão [distrito de Rio Pardo, a 20 km de Vera Cruz]. Fiquei dois dias na rua, até que fui num bar e alguém me disse que havia abrigo aqui. Então vim para cá.”

A situação enfrentada por Volmar Trindade de Moraes, empregado de uma propriedade produtora de arroz em Rebentona, foi mais difícil. Na terça-feira, ele estava em casa quando a enchente começou a invadi-la. Aguentou até ela atingir um metro de altura. “Quando a água ergueu uma mesa, tive que abandonar tudo, porque vi que não ia dar mais para ficar”, lembra. “Depois ainda avistei a geladeira e todos os móveis ‘nadando’.”

Dali, ele foi se abrigar num galpão, de onde também teve que sair quando a inundação atingiu um metro de altura. “Então, entrei no meu carro, que estava numa elevação”, conta. “Fiquei um tempo e percebi, por volta das 4h, que havia água nos meus pés e tive que abandoná-lo. Para escapar da enchente, subi num muro de pedra, onde fiquei por cinco horas. Quando ela deu uma baixada, subi num trator, no qual fiquei até por volta das 10h, hora em que o patrão veio de barco me resgatar.”

A situação vivida por Silveira, de 65 anos, e sua mulher, Delci, foi até mais dramática. Eles tiveram que deixar o forro de sua casa a nado, com a dificuldade extra de que ela não sabe nadar. “Fui agarrada no meu marido, que nadou por uns 80 metros”, relembra, enquanto toma um chimarrão no abrigo do ginásio. “Mas ele não teve que levar só eu. Nas minhas costas, eu carregava um saco com meu três cachorrinhos pintcher, um deles surdo e outra cega, que eu não abandonaria por nada deste mundo.” O destino final deles foi uma taipa -uma espécie de aterro de contenção na margem do Rio Pardo-, na qual ficaram por cerca de 40 horas até serem resgatados.

Além dos obstáculos que tiveram de superar para salvar suas vidas, os abrigados também sofreram danos materiais. “Eu tinha dois porcos e umas vacas que desapareceram e não sei se estão vivas ou mortas”, lamenta Moraes. “Também possuía uma pequena plantação de mandioca, que foi destruída pela enchente.”

No caso de Silveira, ele perdeu dois leitões, que escaparam do chiqueiro e não se sabe se estão vivos. “Também perdi 19 hectares de lavoura de arroz, que está embaixo d’água”, diz. “Dez hectares eu já havia colhido. Agora, com a força de vontade e ajuda de Deus e do círculo de amizades, é tentar recuperar tudo. Eu e minha mulher somos aposentados, então não vai faltar dinheiro para a comida.”

Silveira e Delci esperam voltar para sua residência na tarde deste sábado (4) para ver como ela está e limpá-la. “Mas ainda não poderemos ficar lá, pois está tudo úmido”, queixa-se o marido. “Depois voltaremos para cá, onde deveremos ficar mais uns três dias, se o sol voltar.”

Enquanto aguardam a hora de retornar para casa, os abrigados recebem alimentação e roupas e têm à disposição banheiros, chuveiros, colchões e cobertores. “Aqui temos uma vida de presidente da República, ou melhor, somos tratados como reis”, elogia Silveira. “Além de comida e conforto, há médicos e enfermeiros, que cuidam de nós o tempo todo. Também chegam a toda hora muitas doações. O pessoal de Vera Cruz está de parabéns.”

EVANILDO DA SILVEIRA / Folhapress

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