SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Os incêndios em série que atingiram o interior paulista surgiram de forma quase simultânea e em áreas predominantemente agropecuárias, de acordo com levantamento do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia) com base em levantamentos de focos de calor mapeados por satélite.
Dos 2.600 focos de calor registrados em São Paulo no intervalo dos dias 22 a 24 deste mês, 81% ocorreram em áreas de uso agropecuário, como as ocupadas pela cana-de-açúcar e pastagem, aponta o cruzamento das imagens da rede satélites para monitoramento ambiental com dados da cobertura e uso da terra da rede MapBiomas. Cerca de 72% do território paulista é ocupado por atividades agropecuárias.
As imagens do satélite que captura uma nova cena a cada dez minutos mostram o aparecimento das colunas de fumaça no intervalo de 90 minutos, entre 10h30 e 12h do dia 23. Já o satélite que capta focos de calor passa sobre a região na parte da manhã e no final da tarde. Entre suas duas passagens, naquele mesmo dia, o número de focos foi de 25 para 1.886 no estado.
Ao confirmar a simultaneidade do focos, o estudo fortalece comparações entre o episódio no interior paulista com o chamado “dia do fogo”, citado pela ministra do Meio Ambiente, Marina Silva. Ela afirmou que o governo do presidente Lula (PT) investiga se as queimadas no estado têm motivação semelhantes aos incêndios florestais provocados por criminosos em agosto de 2019 nos municípios de Altamira e Novo Progresso, no Pará.
Na ocasião, o jornal Folha do Progresso, de Novo Progresso, publicou que produtores rurais que apoiavam o então presidente Jair Bolsonaro coordenaram a queima de pasto e áreas em processo de desmate.
Na crise atual em São Paulo, a polícia paulista efetivamente identificou pessoas responsáveis por atear fogo, mas o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) afirmou nesta segunda (26) que nada leva a crer que essas ações criminosas foram articuladas.
Na nota divulgada pelo Ipam sobre a o estudo das queimadas, a diretora do instituto, Ane Alencar, citou a ocorrência no território paulista como “um dia do fogo exclusivo para realidade de São Paulo”. Em entrevista à reportagem, porém, ela disse que os dados não permitem afirmar que há ações orquestradas de incendiários no estado.
“Eu não sei dizer se as motivações foram as mesmas [do dia do fogo] nem se os incêndios foram orquestrados”, disse. “O que é estranho é o surgimento de tantos focos de calor em um período tão curto.”
De acordo com a análise do Ipam, do total de focos de calor em áreas produtivas no estado de São Paulo no período, 44,45% (1.200 ) ocorreram em áreas de cultivo de cana-de-açúcar. Outros 524 focos (19,99%) surgiram em mosaico de usos, que são áreas agropecuárias nas quais não é possível a distinção entre pasto e agricultura. Ainda ocorreram 247 focos (9,42%) em pastagens e 195 (7,43%) em áreas de silvicultura, soja, cítrus, café e outras lavouras.
Já a vegetação nativa queimada soma 440 focos de calor, ou 16,77% de todos os focos registrados nos três dias. As formações florestais foram as mais afetadas, concentrando 13,57% dos focos de calor no estado.
“Os dados mostram que o principal alvo do fogo foram as áreas já desmatadas, ou seja, as que já tinham algum tipo de uso. Portanto, podemos concluir que, se o fogo atingiu uma área de vegetação nativa, isso ocorreu porque ele escapou do local onde teve início”, diz, por meio de nota, Wallace Silva, analista de pesquisa do Ipam.
Cinco cidades têm 13,31% dos focos de calor ocorridos nos três dias no estado de São Paulo: Pitangueiras (3,36%); Altinópolis (3,28%); Sertãozinho (2,4%); Olímpia (2,17%); e Cajuru (2,1%), todas na região de Ribeirão Preto, com exceção de Olímpia, que fica no polo de São José do Rio Preto.
O Ipam ainda afirma em seu comunicado que, “seja uma ação orquestrada ou não, é urgente reduzir o uso do fogo no manejo agropecuário”.
Embora queimadas tenham sido historicamente empregadas para a colheita da cana-de-açúcar, o cenário do estado de São Paulo mudou significativamente nos últimos anos. Atualmente, 99% da colheita é realizada sem queima, segundo a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo.
Estado identifica seis suspeitos, mas não confirma relação entre casos
Questionada na tarde desta terça (27) sobre a possibilidade de ações coordenadas de incendiários, a SSP (Secretaria de Segurança Pública) da gestão Tarcísio de Freitas apenas atualizou o seu balanço, apontando detenções de seis suspeitos.
Em seu relato, a SSP informou que um homem de 44 foi detido em Rio Preto nesta segunda (26) por causar incêndio em vegetação na última sexta-feira (23). Uma câmera de segurança flagrou a ação. Ele foi ouvido e indiciado.
Na mesma data, em Jales, a polícia iniciou um homem de 49 anos responsável por um incêndio no sábado (24). A ação também foi captada por uma câmera de segurança.
Além desses dois autores, outros quatro suspeitos foram detidos desde a semana passada.
No dia 21, em Guaraci, um homem de 26 anos foi preso em flagrante por atear fogo em vários pontos de um canavial. No sábado (24), um idoso de 76 anos foi detido por atear fogo em lixo, em São José do Rio Preto. Outro homem, de 42 anos, foi preso em flagrante no domingo (25), por atear fogo em vegetação na cidade de Batatais.
Nesta segunda (26), em Batatais, um homem de 27 anos foi preso em flagrante após atear fogo em uma área de pastagem e causar um incêndio que se estendeu até o quintal de uma residência.
A Polícia Militar Ambiental ainda aplicou mais de R$ 15 mil em multas a dois homens, em Porto Ferreira, por acenderem fogueiras para limpeza da vegetação.
CLAYTON CASTELANI / Folhapress