SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Enquanto o total de funcionários públicos nas prefeituras brasileiras disparou nos últimos anos, áreas essenciais do governo federal tiveram forte enxugamento, como o Ministério da Saúde, Ibama, INSS e IBGE, entre outros.
Agora, a União promove uma série de contratações para reposição. Mas sem mudanças estruturais que mantêm, para alguns especialistas, distorções na máquina pública, como a estabilidade no cargo que atinge cerca de 70% dos servidores federais chamados estatutários.
A queda no total de funcionários na União em algumas áreas fundamentais deu-se ao mesmo tempo em que houve grandes contratações em universidades e institutos federais a partir dos anos 2000, nos governos Lula 1 e 2 e Dilma Rousseff.
A maioria desses novos funcionários foi contratada com estabilidade e regras questionadas por defensores de uma reforma que racionalize o Estado um emaranhado de 43 planos de cargos e carreiras, 120 carreiras e mais de 2.000 cargos.
As contratações na educação mantiveram praticamente igual o total de servidores ativos permanentes da União, com a diferença de que os ligados às universidades e institutos federais (261,3 mil) agora superam os dedicados à máquina pública tradicional (221,7 mil), segundo dados do Portal da Transparência do Executivo federal até agosto.
O aumento dos servidores na educação federal também trouxe mais custos, já que recebem remunerações básicas brutas 50% maiores do que a média dos ativos no Executivo.
Desde os anos 2000, o Ministério da Saúde, por exemplo, perdeu quase 50 mil servidores e o INSS, 18 mil. Em muitos casos, avanços tecnológicos e ganhos de eficiência compensaram os efeitos do enxugamento. Em outros, especialistas afirmam que deveria haver reforços, como no Ibama, hoje no centro das preocupações com a crise climática, que passou de 5,2 mil servidores para 3,3 mil.
Em relação às três esferas de governo (União, estados e municípios), e considerando o total de servidores nos vários regimes de contratação (estáveis/estatutários, pessoal com e sem carteira e militares), dados dos últimos 12 anos compilados pela LCA Consultoria Econômica com base na PnadC do IBGE, mostram a virtual estabilização no número de funcionários na União e nos estados, em 1,7 milhão e 3,5 milhões, respectivamente.
Nas prefeituras, no entanto, os servidores passaram de 5,7 milhões para 7,4 milhões no período (+30%). Segundo a Confederação Nacional dos Municípios (CNM), novos programas gestados em Brasília passaram a ser tocados pelos prefeitos, o que justificaria mais contratações. No total, segundo Paulo Ziulkoski, presidente da CNM, são 198 ações.
Nas três esferas de governo, as remunerações do funcionalismo superam a média paga aos trabalhadores formais da iniciativa privada (R$ 3.400), segundo dados da organização Republica.org. A menor diferença ocorre nos governos municipais (R$ 3.900) e a maior, no Judiciário (R$ 15,1 mil).
Em termos quantitativos, o Brasil também tem mais funcionários públicos em relação ao total de ocupados na população do que outros países latino-americanos, como México, Bolívia e Colômbia.
Outros números, do Fundo Monetário Internacional, revelam que o Brasil também gasta mais com servidores como proporção do PIB (Produto Interno Bruto) do que 46 países, incluindo Itália, Reino Unido, Portugal, Peru, Colômbia e México.
Segundo Ana Pessanha, analista de Projetos da Republica.org, um dos principais problemas hoje com o funcionalismo no Brasil é a falta de diagnósticos sobre as reais necessidades de servidores em determinadas áreas para cumprir um planejamento estratégico.
“Os entes federativos não fazem isso de forma técnica. Então, é difícil dizer se são bons ou ruins aumentos ou diminuições de pessoal para a gestão e entrega de serviços à população”, diz Pessanha.
No governo federal, por exemplo, o Concurso Público Nacional Unificado abriu 6.640 vagas para provimento imediato em 21 órgãos, além da formação de um banco de candidatos. Recentemente, os Correios também anunciaram provas para novo concurso com 3.511 vagas a serem realizadas em dezembro.
O especialista em Previdência Paulo Tafner qualifica com “um crime de lesa-pátria” o governo promover esse volume de contratações sem antes modernizar o serviço público, com sua miríade de carreiras e faixas salariais.
Essas contratações ocorrem após sete anos de enxugamento inédito da máquina de servidores civis federais ativos permanentes do Executivo nos governos Michel Temer (2016-1018) e Jair Bolsonaro (2019-2022).
Outra questão polêmica é o aumento da contratação de funcionários temporários. Segundo Pessanha, alguns estados têm atualmente 70% do pessoal da educação neste regime, o que prejudicaria a perenidade de políticas.
No final de agosto, a Câmara dos Deputados aprovou inclusive o projeto de lei complementar 164/12 que muda as regras da Lei de Responsabilidade Fiscal para os gastos com funcionários terceirizados e de organizações da sociedade civil. A proposta ainda precisa passar no Senado.
Na prática, a mudança aumentaria o valor que pode ser despendido com pessoal nos órgãos públicos, pois retira o limite fixado em relação à receita corrente líquida (50% no caso da União; 60% para estados e municípios).
Pessanha critica também a falta de avaliações de desempenho mais específicas no funcionalismo e de critérios técnicos e periódicos para aumentos salariais. “Como isso não ocorre, as categorias vão criando penduricalhos para aumentar os rendimentos, que acabam sendo perenizados.”
Esse movimento cria o que o economista Bruno Carazza, autor de “O País dos Privilégios”, chama de “privilegiados de terno e gravata”, em que estamentos do serviço público se valem de penduricalhos numa corrida para tentar alcançar o teto previsto na Constituição para a remuneração do funcionalismo (R$ 44.008,52).
No Poder Judiciário, há não só a “corrida ao teto” como a efetiva obtenção de benefícios e vantagens pagos acima do limite de R$ 44.008,52. Só em 2023, membros da categoria receberam mais de R$ 8 bilhões pagos acima do teto constitucional, segundo cálculos de Carazza.
Para Claudio Hamilton Gonçalves, coordenador de Políticas Macroeconômicas do Ipea (Instituto de Economia Econômica Aplicada), as contratações que vêm sendo feitas no governo federal não deveriam ser consideradas exageradas.
“Alguns órgãos vinham chegando a uma situação de pré-colapso, no limite do limite, e, de fato, precisavam de reposição”, afirma.
Gonçalves lembra, por exemplo, que no início deste ano o presidente Lula chegou a anunciar que iniciaria um projeto de criação de cem novos institutos federais área em que o aumento do funcionalismo acelerou nas últimas duas décadas. “Isso era pouco crível. Tanto que não se falou mais no assunto.”
Para o economista Fabio Giambiagi, pesquisador associado do Ibre-FGV, uma das mudanças necessárias para novos ingressantes no serviço público seria a revisão dos salários de entrada no cargo e a ascensão do servidor na carreira.
“Em muitos casos, em poucos anos os funcionários chegam no topo por conta dessa ascensão salarial muito rápida, o que acaba gerando uma frustração depois, já que não existe possibilidade de evolução”, afirma.
Segundo o Ministério da Gestão e da Inovação, “havia um grande debate sobre uma reforma do Estado e ele vinha com uma forte visão de redução do Estado brasileiro. Desde que o presidente Lula assumiu, o que trouxemos é que é preciso, sim, fazer uma transformação, mas que ela seja para melhorar a capacidade de prestar serviços públicos à população”.
O MGI também editou portaria em agosto para discutir propostas de carreiras e promete promover, ao longo dos anos, “o aprimoramento gradual e coerente da gestão pública na organização da força de trabalho do Estado”.
FERNANDO CANZIAN / Folhapress