Fundação de SC nega apoio a projetos sobre questões de gênero e sexualidade

FLORIANÓPOLIS, SC (FOLHAPRESS) – A Fapesc (Fundação de Amparo à Pesquisa e Inovação do Estado de Santa Catarina) decidiu negar o financiamento a projetos cujo objetivo é investigar questões como gênero, sexualidade e movimentos políticos. E, na avaliação de pesquisadores, o veto se deu por motivos ideológicos.

A instituição, ligada ao governo estadual, afirmou nesta sexta-feira (25) à reportagem que as propostas não serão financiadas porque não contribuem com o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação no estado, exigência da chamada pública.

Também disse que os projetos não têm relação com o estado e mencionou os títulos de alguns deles: “Subjetividade pornô: do capitalismo disciplinar a era farmacopornográfica”; “Morrer de Prazer, morrer por amor, matar de prazer, matar por amor, prazer e morte em A Volúpia do Pecado, Copacabana Posto 6 e A Noite Tem Mais Luzes, de Cassandra Rios”; e “Defensorias Públicas na América Latina: O caso da Defensoria LGBT em Buenos Aires”.

Os editais 18, 19 e 20, lançados em maio deste ano e para os quais os bolsistas deveriam ser indicados até 10 de julho, previam a concessão de bolsas a programas de pós-graduação. Os programas, por sua vez, deveriam selecionar os bolsistas conforme o regulamento.

Em setembro, a UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina) e a Udesc (Universidade do Estado de Santa Catarina) receberam a resposta de que o apoio a projetos de alunos havia sido vetado.

“A Diretoria Executiva e a Gerencia Tecnica responsavel da Fapesc, em conjunto com o Comite Permanente de Acompanhamento e Avaliação, não vislumbram correlacao direta entre o tema proposto pelos projetos e o desenvolvimento regional do Estado de Santa Catarina”, escreveu a fundação aos coordenadores de programas de pós-graduação.

Segundo levantamento da SBPC/SC (Secretaria Regional da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), a UFSC teve 12 projetos barrados, e a Udesc, quatro.

Desses projetos, 11 propõem investigar questões de gênero e sexualidade. Outro tem como tema o governo Jair Bolsonaro (PL) e os demais tratam de discursos sobre o HIV, pedagogia decolonial, literatura e moda.

Para os coordenadores dos programas de pós-graduação ouvidos pela reportagem, essas temáticas estão alinhadas com os ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável), estabelecidos pela Assembleia-Geral das Nações Unidas, como a promoção da igualdade de gênero.

Além disso, na avaliação da UFSC e da SBPC/SC, a Fapesc não definiu nos editais que esses temas não eram permitidos.

Em ofício enviado em 5 de setembro à fundação, a UFSC chamou a decisão de violação da liberdade de cátedra e solicitou revisão do cancelamento.

“Quando se analisam todos os projetos negados, se vê que eles têm algo em comum. Então, é censura”, afirmou Cristina Wolff, coordenadora do programa de pós-graduação interdisciplinar em ciências humanas da UFSC.

“Que eu saiba, é a primeira vez que a Fapesc cancela bolsas dessa forma”, disse Wolff, que conduz pesquisas com perspectiva de gênero apoiadas pelo órgão. “A posição que a Fapesc tomou nesse edital abre um precedente muito grave.”

Segundo a Fapesc, os programas de pós-graduação podem substituir os projetos negados até janeiro de 2025.

Apesar da negativa, o pró-reitor de pós-graduação da UFSC, Werner Kraus, destacou a importância da fundação. “Não tem como negar o esforço que a Fapesc faz em prover editais de concessão de bolsas. É um programa muito robusto que a fundação quer fazer todo o semestre.”

O mestrando em filosofia Pedro Morais, 22, disse acreditar que o título dos projetos pode ser a causa do veto -o dele é “Subjetividades pornô: do capitalismo disciplinar à era farmacopornográfica”.

Para o estudante, a proposta colabora com o desenvolvimento regional por impactar políticas de saúde mental e de trabalho. “Eu me sinto frustrado por ter que defender em um jornal que a minha pesquisa é útil”, disse ele. “Quero um pouco de sinceridade, que a Fapesc explique porque não quer meu projeto, porque não se encaixa no edital.”

“Não tenho dúvidas de que é uma exclusão baseada em critérios puramente ideológicos”, disse Maria Elisa Máximo, secretária regional da SBPC/SC. “A ciência tem que ter liberdade, um princípio basilar do desenvolvimento científico para investigar qualquer fenômeno. Considerar o viés pelo título, é uma análise extremamente superficial.”

“É como se o Estado dissesse que a sua pesquisa não serve, não tem lugar neste ecossistema de inovação. Eu vejo, sim, como uma forma de censura”, afirma o coordenador da pós-graduação em filosofia da UFSC, Jerzy Brzozowski.

CONFIRA A ÍNTEGRA DA NOTA DA FAPESC À FOLHA DE S.PAULO

“A FAPESC informa que os projetos submetidos aos Editais 18/19 e 20/2024, no âmbito do Programa de Fomento à Pós-Graduação, não foram contemplados por não apresentarem alinhamento com os objetivos descritos no primeiro parágrafo dos editais: a descrição clara de que visam promover o desenvolvimento científico, tecnológico e de inovação em Santa Catarina.

A análise rigorosa foi realizada pelo Comitê Permanente de Acompanhamento, que constatou que os temas propostos não atendem às diretrizes estabelecidas, por não priorizarem temas relacionados com a inovação.

Entre os projetos dos editais 18, 19 e 20/2024 encaminhados para a FAPESC que não foram admitidos para fomento estão títulos como: “Subjetividade Pornô: do capitalismo disciplinar a era farmacopornográfica”; “Morrer de Prazer, morrer por amor, matar de prazer, matar por amor, prazer e morte em A Volúpia do Pecado, Copacabana Posto 6 e a Noite tem mais luzes, de Cassandra Rios”; e “Defensorias Públicas na América Latina: O caso da Defensoria LGBT em Buenos Aires”.

As propostas rejeitadas não só não tinham correlação com os ecossistemas de tecnologia e inovação de Santa Catarina como, em muitos casos, nem ao menos uma relação com o próprio estado catarinense.

Os Programas de Pós-Graduação das instituições poderão substituir os projetos não admitidos até janeiro de 2025. A FAPESC reafirma seu compromisso com o apoio à ciência e inovação, sempre mantendo o diálogo aberto com a comunidade acadêmica e os demais interessados.

Relevante destacar o número atualizado de 1020 bolsistas (outubro de 2024) nesses programas de Pós-Graduação em diversas áreas do conhecimento, alinhadas com a Política Catarinense de CT&I.

A equipe da FAPESC permanece à disposição para quaisquer esclarecimentos.”

KALIL DE OLIVEIRA / Folhapress

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