RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – O primeiro leilão de transmissão deste ano, que ocorreu nesta quinta-feira (28) na B3, foi marcado por forte concorrência e deságios, com disputa acirrada de grandes empresas do setor.
O governo prevê que os projetos vão demandar R$ 18,2 bilhões em investimentos. Três empresas assumiram R$ 15 bilhão, 83% do total previsto, e 10 dos 15 lotes oferecidos.
O banco BTG, representado pelo Fundo de Investimento Warehouse, arrematou três projetos que somam R$ 6,5 bilhões. A Eletrobras, por meio da subsidiária Eletronorte, levou quatro empreendimentos, totalizando R$ 5,5 bilhões. A empresa portuguesa EDP vai investir R$ 3 bilhões no Brasil por meio de três empreendimentos.
O deságio médio foi de 40,78%, o que, na prática, representa o tamanho do desconto para o consumidor final.
Inicialmente, o conjunto dos empreendedores que arrematassem os projetos teria direito a uma RAP (Receita Anual Permitida) de R$ 2,98 bilhões por ano. Os descontos oferecidos reduziram o valor para R$ 1,77 bilhão. Em 30 anos, o período definido para as concessões, os consumidores terão uma economia de cerca de R$ 30 bilhões.
As grandes empresas concentraram atenção nos projetos mais estratégicos para interconexão do sistema nacional. As menores preferiam empreendimentos que reforçam a rede básica.
A disputa pelo Lote 9, que abriu o certame, recebeu 12 inscritos. Saiu vencedora a Eletronorte com um deságio de 59,39% sobre a RAP. O trecho de 6 km (quilômetros) leiloado vai atender a região oeste do estado de Santa Catarina, no município de Chapecó, e vai demandar R$ 190, 6 milhões em investimentos.
Eletronorte também arrematou a disputa seguinte, o Lote 1, com deságio de 42,93% sobre a receita a receber. A linha de 538 km vai atender Piauí e Ceará com investimentos de R$ 1,76 bilhão.
Na sequência, ainda ficou com o Lote 5, com deságio de 31,14%. Trata-se do projeto com a linha mais extensa e um investimento estimado em R$ 2,6 bilhões. Serão 1.116 km, atravessando Ceará, Paraíba, Pernambuco, Alagoas, Bahia e Piauí. O empreendimento inclui a construção de uma subestação de 3.900 MVA (megavolt-ampere).
A disputa pelo Lote 3 foi acirrada, e foi levada ao sistema de viva voz, acionado quando as propostas iniciais têm valores muito próximos. Quando isso ocorre, os concorrentes passam a fazer lances pelo microfone, em tempo real.
A Eletronorte disputou esse lote com Engie e BTG, via Fundo de Investimento Warehouse. Saiu vencedora com o deságio de 26,94%. Engie ofereceu deságio de 26,87% e BTG, de 26,74%. Com investimento previsto de R$ 983 milhões, o trecho vai atender o Ceará com uma linha de 337 km e uma subestação de 1.800 MVA.
“Não é que fomos mais agressivos nesse leilão; na verdade o desenvolvimento dos negócios na transmissão é contínuo para nós”, afirmou o vice-presidente executivo de Estratégia e de Desenvolvimento de Negócio, Elio Wolff, sobre a participação da empresa no certame.
“O grupo vai continuar participando e já estamos nos preparando para o leilão de setembro.”
O trio também travou forte concorrência pelo Lote 14, oferecendo, lance a lance, deságios acima de 50%. Desta vez, porém, saiu vencedor o fundo que representava o BTG, com desconto de 53,57%. O fundo de investimento em infraestrutura do banco assumiu um investimento estimado em R$ 2,1 bilhões para a construção de uma linha de transmissão na Bahia com 636 km.
O BTG levou o Lote 4, que vai atender Rio Grande do Norte, Paraíba, Pernambuco e Alagoas. Saiu vencedor com o deságio de 30,50%. O trecho inclui linha de transmissão de 411 km e subestação com 300 MVA, com um investimento de R$ 990 milhões.
O fundo de investimento que representa o banco ainda arrematou o Lote 6, com desconto de 49,60%. Esse projeto prevê uma linha de transmissão de 951 km atravessando Bahia e Minas Gerais para suportar a expectativa de forte contratação de energia renovável na região. A projeção é de um investimento de R$ 3,4 bilhões.
A EDP deu o melhor lance pelo Lote 7, com o deságio de 41,05%. O trecho arrematado atravessa Bahia, Tocantins e Piauí com 390 km de linha de transmissão e inclui uma subestação de 300 MVA. A estimativa é que vai demandar investimento R$ 528 milhões.
EDP também levou o Lote 2, que prevê linha de transmissão de 537 km para atender, no Piauí, o escoamento de geração renovável e a ampliação de conexão para novos empreendimentos de energia. O deságio foi de 45,97%. A expectativa do governo é que esse projeto demandará R$ 1,5 bilhão em investimentos.
Foi para o viva voz e arrematou, com deságio de 36,21%, o Lote 13, que prevê a construção de uma linha de 461 km nos estados do Piauí, Maranhão e Tocantins, com investimento de quase R$ 1 bilhão para reforçar o escoamento de geração renovável e ampliar a conexão para novos empreendimentos na região.
“Acreditamos que geramos valor para o acionistas com esses investimentos”, afirmou o CEO da EDP no Brasil, João Marques da Cruz, que acompanhou o certame pessoalmente.
A Energisa levou o Lote 12, apresentando deságio de 29,99%. Assumiu a construção de uma linha de transmissão de 394 km entre Piauí e Maranhão. A estimativa é que esse projeto vai demandar investimento de R$ 932,5 milhões.
As regras desse leilão foram mais rígidas, para evitar a participação de empreendedores sem musculatura para assumir projetos de grande porte. Os vencedores terão de comprovar que já realizaram ao menos uma obra com menos 30% do porte do projeto do lote que arremataram.
Ainda assim, investidores poucos conhecidos saíram vencedores no certame.
Com deságio de 33,50%, o consórcio Olympus 17, controlado pela Alupar, ficou com Lote 15, que prevê a construção de uma linha de 509 km em Minas Gerais. O projeto, com investimento estimado de R$ 1,39 bilhão, tem a meta de reforçar o sistema de transmissão para suportar expectativa de forte contratação de energia renovável.
Indo para a concorrência no viva voz, a Cox Brasil assumiu um deságio de 43,49% e levou o Lote 10. O projeto estabelece investimento de quase R$ 1 bilhão para a construção de uma linha de transmissão de 104 km e uma subestação de 900 MVA em São Paulo, para aumentar a capacidade do sistema.
Investidores menos conhecidos também recorreram aos lances em viva voz para disputar o Lote 8, que estabelece a construção de uma subestação de 1.500 MVA no Rio de Janeiro, para reforçar o sistema local. Saiu vencedora a empresa Brasil Luz, com deságio de 43,27%.
O Lote 11, para construção de 75 km e uma subestação com 200 MVA no Mato Grosso do Sul, ficou com o Consórcio Paraná 4, que apresentou deságio de 42,42%.
O grupo, que vai assumir com investimento previsto de R$ 221,7 milhões, reúne empresas de menor porte: Interalli Holding e Participações Ltda (80%), Mega Energy Participações Ltda (8,5%), Enermais Energia Ltda (8,5%) e AMG Participações em Energia Ltda (3%).
A projeção do governo é que os projetos levarão à geração de 35 mil empregos durante as obras
No total, foram ofertados 6.464 km de novas linhas de transmissão e subestações com capacidade de transformação de 9.200 MVA em 14 estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul, Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, São Paulo e Tocantins.
A maior parte dos lotes oferecidos busca ampliar a rede básica da região Nordeste para garantir a conexão de empreendimento de geração renovável já contratada, especialmente solar e eólica, e deixar o sistema preparado para receber novas usinas.
Este foi o terceiro leilão de transmissão no novo governo de Luiz Inácio Lula da Silva. Já foram realizados dois certames no ano passado. O cronograma prevê ainda a realização de mais um leilão de transmissão em setembro deste ano e outros dois, em março e setembro de 2025.
Sandoval Feitosa, diretor-geral da Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), organismo que é responsável pela realização do certame, destacou a qualidade dos investidores e o papel deles para assegurar os investimentos, que, lembrou, totalizam R$ 60 bilhões quando se considera o conjunto dos leilões de transmissão.
“Todos os participantes que venceram têm um grande histórico de bons serviços prestados, o que, associado a uma fiscalização diligente por parte da Aneel, contribuirá para a entrega das obras dentro do prazo previsto”, afirmou.
“Em 2024, alcançamos a marca história de geração de 200 GW e precisamos de transmissão para escoar toda essa produção. Por essa razão, o cumprimento dos contratos é essencial.”
Mário Miranda, presidente executivo da Abrate (Associação Brasileira das Empresas de Transmissão de Energia Elétrica), lembrou que o leilão completou o ciclo de projetos dedicados a dirimir o descasamento da transmissão com os empreendimentos de geração solar e eólica.
“Não se faz transição energética sem transmissão, e conseguimos com os leilões vencer o problema de conexão”, afirma.
Miranda destaca que um trabalho preliminar identificou que a indústria tem capacidade de atender a demanda dos equipamentos, e os bancos, de trabalhar na emissão do crédito e de debêntures.
A preocupação é com a capacitação dos trabalhadores. Segundo Miranda, a entidade busca junto a MME, Casa Civil e Senai organizar um programa de capacitação.
O setor também está monitorando a greve dos servidores do Ibama (Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis). O licenciamento ambiental é fator crítico para o cumprimento do calendário de obras, e 7 dos 15 lotes ainda não têm o licenciamento.
Os empreendimentos devem entrar em operação em prazos que variam de 36 a 72 meses, e as concessões serão por 30 anos, a partir da celebração dos contratos.
“O prazo é importante. Quando mais cedo a obra for implantada, melhor para o investidor”, afirma.
“Essa corrida contra o tempo exige uma resposta conjunta de fabricantes, construtores e autoridades ambientais.”
ALEXA SALOMÃO / Folhapress