SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – A eleição nos Estados Unidos e a incerteza fiscal no Brasil derrubaram o real ante o dólar, que foi ao patamar pandêmico de R$ 5,869 na última sexta-feira (1º) e acumulou alta de 6% em outubro. Um dos fatores por trás dessa escalada é o aumento da aposta de estrangeiros contra o real, via fundos cambiais.
O temor dos investidores com o futuro brasileiro e americano levou fundos cambiais a aumentarem a sua posição comprada em dólar no último mês. Ao todo, os estrangeiros ampliaram em US$ 10 bilhões o saldo de dólares em seus fundos no Brasil em outubro, para US$ 73,9 bilhões.
Já os fundos cambiais nacionais ainda estão “negativados” em dólar, ou seja, a maioria aposta no real. No entanto, essa aposta foi reduzida em US$ 2 bilhões no último mês, a US$ 10 bilhões negativos.
O movimento é o contrário do visto em setembro, quando as apostas no dólar caíram com o fortalecimento da perspectiva de um ajuste fiscal brasileiro e da vitória da democrata Kamala Harris. Segundo analistas, tal cenário ainda está na mesa, só que é tido como mais incerto pelos investidores.
“O favoritismo de Donald Trump foi o maior vetor do mercado neste último mês, com expectativa de mais tarifas e inflação nos EUA, e a curva de juros americana precificando taxas maiores. E soma-se a isso as dúvidas fiscais no Brasil”, diz Felipe Garcia, chefe da mesa de operações do C6 Bank.
Com a subida de Trump e a queda de Kamala nas pesquisas de eleição de voto, o mercado financeiro global passou a operar no que ficou conhecido como “Trump Trade”, ou seja, considerando a hipótese do republicano voltar à Casa Branca.
Dessa forma, entram na conta um aumento de impostos de importação e escalada da guerra comercial com a China e das tensões no Oriente Médio. Tudo isso traria um aumento de preços nos EUA, que teria que ser contido com juros maiores, o que seria prejudicial a ativos arriscados, como o mercado de ações e investimentos em países emergentes, como o Brasil.
Em outubro, o índice DXY, que mede a força do dólar ante as principais moedas globais, subiu 3%, após ceder 1% em setembro.
Além de o dólar se fortalecer, o real também ficou mais fraco, dada a incerteza quanto ao equilíbrio fiscal buscado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Na reta final de definição do pacote de ajuste fiscal, a ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet (MDB), ficou de fora da reunião do presidente que discutiu as medidas de corte de gastos, na semana passada desde o início do governo Lula, é a equipe de Tebet que está à frente do programa de monitoramento e avaliação de políticas públicas, que aponta as medidas de corte de despesas.
Fora que, até domingo (3) o ministro Fernando Haddad (Fazenda) não estaria no Brasil nesta semana, em viagem na Europa. O embarque, previsto para esta segunda, foi cancelado a pedido de Lula, segundo a assessoria de Haddad.
“Grande parte do mercado entende que cumprimento do arcabouço não é uma grande prioridade do governo”, diz Elson Gusmão, diretor de câmbio da corretora Ourominas.
O analista diz que o mercado financeiro espera um contingenciamento entre R$ 30 bilhões a R$ 50 bilhões.
Para Garcia, do C6, o estresse dos ativos brasileiros se dissiparia, pós-eleições nos EUA, apenas com um corte fiscal robusto e factível.
“Algo ao redor de R$ 50 bilhões é bom, mas é importante ver se serão medidas perenes, que farão com que o arcabouço fiscal seja crível”, diz.
O C6 projeta dólar a R$ 5,50 no fim do ano. Na pesquisa Focus, a média esperada pelo mercado é R$ 5,45.
Gusmão, da Ourominas, diz que trabalha com dois cenários. Caso Trump seja eleito e o ajuste fiscal seja considerado insuficiente por investidores, o câmbio deve ficar entre R$ 5,65 e R$ 5,85. Caso Kamala consiga vencer a disputa e o corte de gastos seja bem recebido, ele espera que o dólar fique entre R$ 5,45 e R$ 5,65.
“A equipe econômica ainda não deixou claro para o mercado quais medidas serão tomadas, o que gera especulação e busca por ativos dos EUA, assim como as eleições americanas”, diz Matheus Rocha, gerente da mesa de operações da B&T Câmbio.
JÚLIA MOURA / Folhapress