SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Dois dias após a morte de Silvio Santos, dono e apresentador do SBT, seu nome voltou à tona num debate que marcou sua trajetória fora das telas: o parque do Rio Bixiga, no centro da cidade de São Paulo.
Nesta segunda-feira (19), uma audiência na sede do Ministério Público estadual discutiu o projeto para o futuro parque e o nome que pode batizá-lo.
O que ficou claro ao longo da audiência –que reuniu representantes da prefeitura, da academia e da sociedade civil– é que a construção do espaço deve enfrentar uma série de dificuldades até sua inauguração, que não tem data marcada.
Especialistas duvidam da viabilidade da proposta de destampar o rio que passa por baixo do terreno e deixá-lo a céu aberto, há a previsão da instalação de um canteiro de obras da linha 19-Celeste do metrô ao lado do parque, e a comunidade reclama sua participação no processo decisório sobre o projeto e dos possíveis efeitos no entorno, entre outras reclamações.
Um tema especialmente sensível é a preocupação com a valorização dos imóveis no entorno e a consequente expulsão de moradores mais pobres.
É a discussão sobre o nome do parque, porém, que despertou algumas das falas mais irredutíveis. Isso porque houve um impasse entre os vereadores durante a votação da criação do parque na Câmara Municipal, no início do mês passado.
Enquanto o vereador Xexéu Tripoli (União Brasil) propôs nomear o local em homenagem ao diretor Zé Celso, defensor da criação do parque durante décadas e fundador do Teatro Oficina –que fica ao lado do terreno–, Rubinho Nunes (União Brasil) e João Jorge (MDB) querem que o parque leve o nome Abravanel, sobrenome de Silvio Santos.
Zé Celso e apresentador travaram uma disputa pelo terreno vizinho ao espaço cultural por mais de 40 anos. O dono do SBT era proprietário do terreno e queria construir na área três prédios de uso comercial e residencial. O diretor teatral reivindicava a implantação de uma área verde e organizou várias manifestações pela causa.
“Jamais o nome dele será admitido “, disse a vice-presidente da Samorcc (Sociedade dos Amigos e Moradores do Cerqueira César), Célia Marcondes. “O nome tem que ser Zé Celso, disso, a sociedade civil não abre mão.”
A oposição no Legislativo municipal, por enquanto, pretende adiar a discussão sobre o batismo do parque, por não ter votos suficientes para aprovar o nome do dramaturgo. Esses vereadores também evitam pautar a discussão pois preveem que o nome de Silvio Santos ganhe força após sua morte.
TEATRO FALA EM INTERVENÇÃO AMPLA NO BAIRRO
Durante a audiência, a arquiteta Marília Piraju, que integra a equipe do Teatro Oficina, fez uma apresentação sobre o histórico de projetos para o parque do Rio Bixiga. A área verde fazia parte do conceito criada pela arquiteta Lina Bo Bardi para o local. Mais tarde, houve propostas do arquiteto Paulo Mendes da Rocha para o entorno e pesquisas que profissionais do Oficina fizeram com os moradores do entorno.
As propostas passaram a incorporar a ideia de uma urbanização e conexão entre equipamentos culturais de todo o bairro. Segundo Fábio Mariz Gonçalves, professor da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo), planejar previamente a drenagem do bairro e garantir a permanência dos moradores tradicionais deveriam ser as maiores preocupações na implantação do parque.
“Temos uma ameaça histórica à atividade teatral, à atividade das colônias, à [tradicional festa de Nossa Senhora da] Achiropita, e à permanência da comunidade que historicamente mora lá, que é um bairro quilombola”, disse Mariz.
Ele também levanta dúvidas sobre a viabilidade da abertura do rio, que faz parte do projeto. Segundo o professor, ninguém sabe exatamente a que profundiade está o fio d’água do rio Bixiga e é provável que a água esteja contaminada –o destampamento poderia levar pragas à região, nesse caso.
O secretário municipal de Verde e Meio Ambiente, Rodrigo Ravena, garantiu que todas as reivindicações serão levadas em conta no projeto. “Vocês tem em mim um aliado”, disse o secretário a membros de movimentos sociais, que contou ter sido criado no bairro do Bixiga. “Eu jogava bola na [rua] Japurá.”
A eleição de um conselho gestor do parque só deve ser realizada em 2025, uma vez que a escolha dos membros é proibida por lei durante as eleições municipais. “A gente não está com pressa”, disse a chefe de gabinete da secretaria, Tamires Olveira.
A secretaria anunciou recentemente que deve fazer um concurso público para escolher o projeto para o parque, que deve ser organizado pelo IAB (Instituto dos Arquitetos do Brasil). Entidades do bairro pediram participação na banca julgadora do concurso. “Essa discussão só me faz ter mais certeza de que o modelo do concurso é o mais adequado”, disse Oliveira.
No início de agosto, a Prefeitura de São Paulo recebeu um cheque de R$ R$ 65 milhões para a compra do parque, pago pela Uninove (Universidade Nove de Julho). O dinheiro é fruto de um acordo da universidade com a Promotoria de Justiça do Patrimônio Público e Social da Capital, e a Prefeitura de São Paulo.
O acordo foi aprovado pela Justiça em março. Ele ocorreu após uma ação civil de improbidade administrativa de 2021 referente às apurações sobre a máfia dos fiscais.
As investigações apontaram que os dirigentes da universidade pagaram R$ 4 milhões em propina aos fiscais da prefeitura para a manutenção de imunidades tributárias indevidas entre 2009 e 2012. Com o acordo, a universidade indeniza o município e se livra da obrigação de processos.
O valor total do acordo é de R$ 1 bilhão. A maior parte do valor vai custear a locação de imóveis da Uninove por 16 anos e a disponibilização do Hospital Lydia Storopoli, que pertence à universidade, para a secretaria de Saúde de São Paulo.
TULIO KRUSE / Folhapress