SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Já é novamente possível fazer as necessidades no banheiro do gabinete 607 da Câmara Municipal de São Paulo. Lavar as mãos, também. Mas do chuveiro com vista privilegiada para o Terminal Bandeira não se tem notícia, nem do espelho diante do qual a vereadora Janaína Lima (PP) se aprontava até a tarde do último dia 31.
Ao se despedir do mandato e do gabinete com vista de 180 graus para o centro da capital, Janaína retirou boa parte das benfeitorias que havia feito para transformar o escritório em um dos mais desejados entre vereadores. Levou consigo uma bacia sanitária de louça branca, sem marca.
Ao assumir o gabinete, no dia 1º, a equipe do novato Adrilles Jorge (União) deu falta não só da infraestrutura do banheiro privativo. Também estava faltando toda a copa construída por Janaína logo na entrada do gabinete. A ex-vereadora levou consigo a pedra com a pia, torneiras e uma bancada que servia de apoio para o cafezinho.
Ficaram os braços que suportavam a pedra e buracos no drywall ainda decorado com projetos de lei apresentados por ela.
O caso ganhou repercussão na última quarta-feira, dia da posse da nova legislatura, quando o Painel revelou que um funcionário do gabinete de Janaína retirara a privada no dia anterior. Depois que o caso repercutiu e virou piada nos corredores do Palácio Anchieta, a agora ex-vereadora devolveu a louça, que foi reinstalada nesta segunda-feira (6).
“Não tendo a pia, a gente lava a mão no corredor ou cospe nas mãos, não tendo privada, a gente usa banheiro do corredor ou compra um penico”, disse Adrilles Jorge à reportagem.
Até 2020, a troca de gabinetes era acertada diretamente entre vereadores que saíam e que os entravam. Após a eleição do ano passado, Milton Leite (União) assumiu para si, na presidência da Casa, a decisão sobre as mudanças, alegando necessidade de controlar algo que pode ser comparado com a venda de um ponto comercial.
Desta vez, cada vereador, novato ou não, poderia indicar três ou mais gabinetes de sua preferência, e o presidente faria os encaixes, a partir de algumas regras, como preferência para mulheres em gabinetes com banheiro.
Alguns atraíram mais interessados. Um deles, o que antes era ocupado por Adilson Amadeu (União), que tinha um latifúndio no terceiro andar, foi herdado por Ricardo Teixeira (União), novo presidente. Outro gabinete, moderninho, reformado por Marlon da Luz, ficou com Amanda Vettorazzo (União).
Quem desce em qualquer andar da Câmara, do terceiro ao 12º andar, dá de cara com corredores idênticos, com as mesmas 25 portas por andar, quatro delas de banheiros. Das portas para dentro, porém, as divisas entre os gabinetes não são padronizadas, e os maiores, como o que pertencia a Xexéu Tripoli (União), foram os mais disputados Marina Bragante (Rede) ficará nele.
Aquele que por anos pertenceu a Arselino Tatto (PT), decorado com papéis de parede, também estava em várias listas de preferência, por seu tamanho, e ficou com um novato: Sargento Nantes (PP).
“A ideia é posteriormente fazer uma reforma, dar uma adequada para deixar com minha cara, por um painel com a nossa foto”, disse Nantes. “No mundo militar, se você coloca dentro de um prédio público qualquer objeto que não seja patrimônio público, você retira.”
Metragem, porém, era só um dos critérios de preferência. Outro importante é o acesso a um elevador privativo, exclusivo para vereadores, que vai até o plenário. Dois gabinetes por andar têm ligação direta entre a sala do vereador e o elevador, sem precisar passar pelo corredor. Os demais, não. Os das pontas, porém, têm visão mais ampla. De forma geral, a preferência é pelos fundos do palácio, por causa da vista e para fugir do barulho das manifestações.
A Câmara fornece o material de escritório: mesas, cadeiras, sofás, armários, divisórias e oito computadores por gabinete, e cada vereador pode remanejá-los da forma que preferir. Também tem direito de levar outros móveis e utensílios, que, ao fim de seu mandato, pode levar embora ou doar à Casa, para que seja incorporado ao patrimônio público.
Marlon Luz deixou seu antigo gabinete equipado com mesa e prateleiras modernas e retirou os pontos de energia do chão, deixando que os espaços vagos em meio ao carpete azul, também instalado por ele, virassem seis buracos para um minigolfe. Deixou para trás também uma camisa azul e uma gravata.
“Eu bati de porta em porta para conhecer os gabinetes. Não consegui visitar todos, mas vi alguns que eram melhores. Indiquei esse, do Rubinho [Nunes, do União], que queria mudar, e do [Arselino] Tatto. O presidente falou que os com banheiro iam ficar com mulher, esse tem banheiro, então vamos lá, vamos tentar, e deu certo”, contou Amanda, escolhida para um dos gabinetes mais concorridos.
Quem mais deu sorte na distribuição, porém, foi mesmo Adrilles, que apesar dos desfalques ganhou um gabinete de pé direito alto (dos poucos sem forro), vista panorâmica e clima de escritório de startup.
DEMÉTRIO VECCHIOLI / Folhapress