Gabriel O Pensador atualiza olhar sobre maconha e indígenas em novo disco

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Em seu recém-lançado álbum “Antídoto pra Todo Tipo de Veneno”, Gabriel O Pensador revisita um hit seu de 1997, “Cachimbo da Paz” –reflexão pop sobre a estupidez da cultura da repressão à maconha. “Cachimbo da Paz 2”, a nova canção, atualiza o olhar sobre o tema, trazendo em seus versos o testemunho do que se deu nesses 26 anos –e do que não se deu.

“Aconteceram coisas, mas também não aconteceram outras”, diz o rapper de 49 anos. “Como é que pode ter rolado tantas descobertas da ciência e permanecer um tabu que é do tempo da minha avó? Na medicina entenderam que a cannabis traz benefícios, mas por outro lado a guerra do tráfico continua igual.”

O canabidiol (“O remédio é natural, demorou ser liberado”, diz um dos versos) não é a única informação nova da canção com relação à primeira. Assim como no rap original, o personagem principal é um indígena. Mas em nenhum momento Gabriel se refere a ele como “índio”, como acontecia em “Cachimbo da Paz”. Além disso, a perspectiva indígena ganha importância agora (“Respeita quem chegou primeiro e, papo reto/ Devolve tudo pros nativos, que isso aqui não deu certo”, canta o rapper a certa altura).

“A questão indígena ganhou mais relevância nos versos. O Brasil tem que parar de virar as costas para ela. Xamã, que está bastante envolvido com isso, deu uns toques sobre não usar palavras como ‘tribo’, ‘índio’, que esse cuidado não é uma bobagem”, conta Gabriel, sobre a participação do rapper na faixa. Lulu Santos, que esteve presente na primeira “Cachimbo da Paz”, é o outro convidado.

Há uma curiosidade na participação de Xamã. A certa altura, ele canta que é “Gabriel O Pensador desde a sexta série”. “Ele me contou que fez um trabalho na escola sobre ‘Cachimbo da Paz'”, explica Gabriel. “Falou que isso teve importância na sua decisão de seguir na poesia, no rap”.

Não é só “Cachimbo da Paz 2” que testemunha no disco a passagem do tempo. Gabriel se refere em muitos momentos à sua trajetória e, em paralelo, à trajetória do rap brasileiro, em trechos como: “Nada disso dava likes e eu já tava lá no mic e já sabia o que queria” e “30 Anos Não São 30 Dias”, ambas de “Profecia”; “Rima pesada desde adolescente/ Morte ao racismo, matei o presidente”, em “Burn Babylon”, lembrando seu primeiro sucesso, “Tô Feliz (Matei o presidente)”; “Nem a Nasa em suas viagens tem a milhagem do meu mike”, em “Boca Seca”.

“São 30 anos de carreira, a gente estava comemorando os 25 anos do [disco] ‘Quebra-Cabeça’… Isso me fez olhar para trás, celebrando esse tempo, afirmando a importância dessa contribuição”, explica Gabriel. “No fundo, inconscientemente eu queria inspirar a molecada a lembrar o motivo de eu fazer rap, que deveria ser o motivo de todo rapper, trapper, funkeiro: ter algo a dizer. Sempre teve ostentação, letra de sacanagem. Mas tinha propósito, uma essência de luta por liberdade de expressão, por dar voz ao jovem e aos que não tinham representatividade. Nas músicas estou falando que sou pioneiro e tal, mas não para tirar onda, e sim inspirar”.

A reflexão carrega um papo para as novas gerações, sobretudo para o cenário do trap, o subgênero mais popular. Território de invenção em termos de beats e produção, suas letras –salvo exceções e a despeito da admirável habilidade verbal dos artistas– são em geral autolouvações hedonistas recheadas de armas, roupas e carros caros, com a objetificação extrema da mulher.

“Não parei para conhecer estudar o cenário, mas olhando por alto, vejo que a galera tem capacidade de buscar mais temas”, observa Gabriel. “Até tá rolando. Mas os artistas podem caprichar mais nessa busca”.

Gabriel não se furta, porém, a flertar com a musicalidade do trap em “Antídoto pra Todo Tipo de Veneno”, em momentos como “Cachimbo da Paz 2” e “Boca Seca”. As bases do disco –assinadas por produtores como Papatinho, DJ Caique, André Gomes, Sam The Kid e Dree Beatmaker– também atestam o tempo, indo do boom bap tradicional a sonoridades mais modernas. Além disso, há elementos de reggae (“Liberdade”), ragga (“Burn Babylon”) e mesmo bossa nova (“Do Nada”).

As participações reafirmam essa abertura. Além dos já citados Xamã e Lulu Santos, estão lá rappers de diferentes gerações, como Sant e Black Alien. Há ainda Helio Bentes, cantor de reggae, antigo parceiro de Gabriel; Armandinho, também do reggae; e o havaiano Makua Rothman, surfista de ondas grandes, além de cantor e compositor.

Os temas também refletem ora o peso, ora a leveza dos anos. A depressão aparece em “Ultimamente” e “Topo do Mundo/ Fundo do Poço”. “Andei sofrendo para caralho, na pandemia fiquei muito triste com a perda do meu pai. Fiz um vídeo que viralizou, falando de coisas que eu estava sentindo, dor no peito, angústia… Passei por fases difíceis. Esses versos têm a ver com amadurecimento”.

Já “Firme e Forte”, crônica saborosa que conta um episódio real de um show onde conheceu um fã cadeirante, soa como resposta igualmente madura de quem está há 30 anos –não 30 dias– no rap: “Fica difícil explicar, mas é tão fácil entender/ Que a letra que fala dele fala de mim e de você/ Das alegrias e dores que não são tão diferentes/ Daquelas que os cantadores cantavam lá no sertão”.

LEONARDO LICHOTE / Folhapress

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