BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, negou nesta quinta-feira (19) um ataque especulativo do mercado financeiro como causa da disparada do dólar no país e afirmou que a percepção dele sobre o tema tem sido bem aceita pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e por outros membros do governo.
Em sessão marcada por alta volatilidade, o dólar chegou a R$ 6,301 na máxima desta quinta. Sob efeito dos leilões realizados pelo BC, a moeda despencou 2,28% e fechou o dia cotada a R$ 6,124.
“Não é correto tentar tratar o mercado como um bloco monolítico, vamos dizer assim, como se fosse uma coisa só, que está coordenada andando em um único sentido. Basta a gente entender que o mercado funciona, geralmente, com posições contrárias”, disse. “A ideia de ataque especulativo enquanto algo coordenado não representa bem o movimento que está acontecendo no mercado hoje.”
Segundo Galípolo, a interpretação dele sobre o tema tem sido bem compreendida e aceita em suas conversas com o presidente Lula, o vice-presidente Geraldo Alckmin (também ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços) e com os ministros Fernando Haddad (Fazenda) e Simone Tebet (Planejamento).
A declaração de Galípolo contrasta com a tese de alguns integrantes do Executivo, do PT e outros partidos de esquerda de que o mercado promove uma ataque especulativo para desestabilizar o governo Lula.
Na quarta (18), ao ser questionado sobre a disparada do dólar, Haddad não descartou a possibilidade de influência de movimentos especulativos, mas disse acreditar que as intervenções do BC e do Tesouro Nacional deveriam ajudar a acalmar os ânimos.
Na entrevista a jornalistas, Galípolo, que assumirá o comando da instituição em 1º de janeiro, esteve ao lado do atual presidente, Roberto Campos Neto. O evento conjunto simbolizou a transição na presidência do BC, a primeira desde que entrou formalmente em vigor a autonomia institucional em 2021.
Campos Neto disse que o BC resolveu intervir no cambio em reação a “operações atípicas no volume que estão acontecendo”. Segundo ele, o país tem um nível elevado de reservas internacionais -atualmente em US$ 357,118 bilhões- e a autoridade monetária vai agir quando achar necessário.
Nesse movimento atípico, citou que os dividendos pagos pelas empresas estão acima da média, que o fluxo financeiro no ano está bastante negativo, apontando para ser um dos piores anos recentes da história, e que as pessoas físicas estão tirando maior volume de recursos do país.
Nesta quinta, o BC vendeu US$ 8 bilhões em dois leilões extraordinários de dólares no mercado à vista. A mais recente intervenção foi a nona atuação da autoridade monetária no câmbio em uma semana. Ao todo, desde quinta da semana passada (12), foram injetados US$ 20,7 bilhões no mercado de câmbio.
“A gente tenta fazer uma intervenção que se contrabalanceie em relação ao fluxo que está vendo e, geralmente, fatia o volume que entende que é o razoável para suprir essa liquidez em alguns dias”, afirmou Campos Neto.
O presidente do BC evitou antecipar novas intervenções no câmbio, mas disse que o fluxo está sendo mapeado pela autarquia diariamente e que há expectativa de maior saída de dólares até sexta-feira (20). Segundo ele, a autarquia não tem um patamar de câmbio na mira.
Para Campos Neto, a intervenção do BC no câmbio não tem a ver com uma situação de dominância fiscal. Nesse cenário, os instrumentos da autoridade monetária para controlar o avanço dos preços, como a Selic, perdem potência e podem até mesmo impulsionar a inflação, tendo efeito contrário ao desejado.
Apesar da maior intervenção, o BC não tem sido capaz de reverter a tendência de alta do dólar. O cenário reflete a preocupação do mercado financeiro com a trajetória das contas públicas do país em meio à tramitação do pacote de contenção de despesas no Congresso Nacional.
Quanto à questão fiscal, Galípolo disse que, nas conversas com Lula e Haddad, há o reconhecimento do diagnóstico de que existem problemas que precisam ser enfrentados e que o controle das contas públicas é um esforço contínuo, com uma série de passos “na direção correta”.
No entanto, o futuro presidente do BC ressaltou que não existe “bala de prata” para resolver a questão. “Todos vocês sabem, mercado, academia, que é muito difícil apresentar qualquer tipo de projeto, programa fiscal que vá ser uma bala de prata, que vá dar conta de endereçar todos esses problemas que existem no curtíssimo prazo”, disse.
Nome de confiança do presidente Lula, Galípolo diz que não cabe ao BC fazer qualquer tipo de orientação ou sugestão ao governo, mas que é chamado ao diálogo para transmitir as percepções do mercado financeiro e como isso se reflete nos preços.
Ele negou interferência de Lula sobre as ações do BC nas conversas com o chefe do Executivo e disse ter tido contato com Lula após a divulgação da ata do Copom (Comitê de Política Monetária), na última terça (17).
“O que há é uma ciência e uma preocupação de que a inflação é muito ruim para a população e uma confiança, não só em mim, mas em toda a diretoria do Banco Central, de que ela vai desempenhar o trabalho que precisa para colocar a inflação na meta.”
Galípolo se disse pronto para lidar com pressões políticas, mas reforçou que a decisão sobre juros é feita na reunião entre todos os membros do colegiado do BC.
No último encontro de 2024, o Copom elevou a taxa básica de juros (Selic) em 1 ponto percentual, de 11,25% para 12,25% ao ano, e antecipou que prevê aumento de juros de mesma intensidade nas duas próximas reuniões, em janeiro e março.
De acordo com o sucessor de Campos Neto, a “barra é alta” para uma mudança nessa sinalização futura. “A gente deu um passo claro, transparente, na direção de colocar a taxa de juros no patamar restritivo, com alguma segurança”, disse.
Se o cenário se materializar, a Selic chegará ao patamar de 14,25% ao ano em março -pico da taxa básica na crise do governo de Dilma Rousseff (PT), entre 2015 e 2016.
NATHALIA GARCIA E ADRIANA FERNANDES / Folhapress