SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Um grupo de adolescentes larga seus quartos lotados de pôsteres de Jimi Hendrix e “Rungrats”, clássica animação da Nickelodeon da década de 1990, para pegar a estrada com uma velha van rumo à Califórnia.
“Gasoline Rainbow”, porém, se passa nos dias de hoje não é de se estranhar tanto, visto que objetos e ícones culturais das décadas passadas estão voltando à moda entre a geração Z. A viralização no TikTok de músicas como “S.O.S.”, do Abba, de 1975 ou “It’s All Coming Back”, de Céline Dion, de 1996, é uma pista.
O novo filme dos irmãos Turner e Bill Ross, lançado no Brasil pela Mubi, segue o estilo pouco convencional e celebrado pela crítica de “Nariz Sangrando, Bolsos Vazios”, no qual pessoas reais são convidadas pelos irmãos a agir em situações montadas.
No longa de 2020, os personagens eram funcionários e frequentadores do Roaring 20s, um bar de Las Vegas prestes a fechar as portas. Por motivos de financiamento, o grupo foi levado a um estabelecimento na Lousiana, onde viveram mais um dia comum e nada glamuroso, mas com as câmeras apontadas em sua direção.
Em “Gasoline Rainbow” o limite entre documentário e ficção também é borrado. Dos cinco adolescentes escolhidos, as duas garotas e os três rapazes já eram amigos. “Tomamos o risco de juntá-los, e eles imediatamente se uniram e ficaram alheios a nós”, diz Turner Ross, em videochamada ao lado do irmão. Seria difícil diferenciar um do outro, não fossem os longos cabelos de Bill.
Os cinco personagens então embarcam na van de estofado vermelho, ao som de “Sweet Child O’ Mine”, do Guns N’ Roses escolha deles, afirmam os irmãos Ross, enquanto imaginam em voz alta como teria sido frequentar clubes noturnos da década de 1990.
Pelos ângulos que a câmera assiste ao diálogo regado de palavrões, faz parecer que ela é como um sexto membro da trupe, que ora presta atenção nos amigos e em outra olha pela janela do furgão para observar o horizonte de mato ralo se transformar em deserto.
Em determinado momento, o grupo encontra outro jovem na estrada e decide acompanhá-lo até uma festa em um terreno baldio. Quando acordam pela manhã, descobrem que os pneus da van foram roubados e a carcaça pichada.
A partir daí, precisam terminar o trajeto a pé e encontram com outras pessoas pelo caminho. Entre os encontros, um casal de professores e dois punks, com quem fazem desabafos sobre o medo de não conseguirem empregos ou trabalharem para o resto da vida com algo que odeiam e ganhando pouco. Falam também sobre o sentimento de desconexão com o mundo em uma sociedade hiperconectada ou relações disfuncionais com pais alcoólatras e ausentes.
Pouquíssimo de tudo isso estava no roteiro. “Torcemos sempre para que nada vá como planejamos. A magia está no desenrolar das coisas, nada bom desse filme estava escrito”, dizem os irmãos Ross, um completando a fala do outro.
“Quando não se tem nada para fazer, se esta sempre procurando algo”, diz um dos garotos, enquanto matam o tempo fumando maconha no meio da estrada e comentam sobre o homem ter chegado a lua. Quando chegam à cidade, o pôr do sol silencioso dá lugar aos bares cheios e pessoas em situação de rua, e as conversas filosóficas abrem espaço para discussões desanimadoras sobre o aquecimento global.
Como um road movie da geração Z, “Gasoline Rainbow” mostra a realidade daqueles que estão prestes a se tornarem adultos sem os filtros do TikTok, em seu quarto, depois que o botão de “pause” do aplicativo é apertado.
“As escolhas culturais, a forma que nos vestimos, a música que ouvimos, tem definido nossas gerações. E quando essas coisas são uma amálgama, como você pode definir o nosso tempo?”, diz Turner Ross. O objetivo era dar aos adolescentes espaço para pensar sobre sua identidade.
“Não somos dessa geração [Z], então não devemos defini-la. O que queríamos era ouvir deles como eles se sentem, como é crescer no momento em que parece que o mundo está em colapso.”
Em determinado momento, quando o grupo entra em um bar escuro para beber e jogar sinuca, uma das meninas desabafa com uma mulher que conhece no local sobre o medo que sente por ser de uma família imigrante nos Estados Unidos. O diálogo, como outros emotivos do longa, não estava previsto.
“Não pedimos por nada, apenas criamos condições para que eles ficassem mais confortáveis em compartilhar sentimentos, essas epifanias”, diz Bill Ross. Para essa cena específica, o bar predominantemente masculino e violento foi transformado em um ambiente feminino pelos irmãos, que contrataram atrizes figurantes para ocupar o local.
Com um orçamento baixo e filmagens quase artesanais, são poucos os detalhes programados, mas eles precisam ser precisamente calculados para permitir que o resto do filme flua.
“Para nós, é mais interessante escolher estrelas para o cinema do que contratar estrelas de cinema”, diz Turner Ross. “Existe um mundo de pessoas por aí únicas e interessantes. Sempre há verdade nelas. É ficção ou não? Eu não ligo. São boas histórias.”
GASOLINE RAINBOW
– Onde Disponível na Mubi
– Classificação 16 anos
– Elenco Com Tony Aburto, Micah Bunch e Nichole Dukes
– Direção Bill e Turner Ross
ALESSANDRA MONTERASTELLI / Folhapress