BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – A redução da fila de espera do INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) impulsionou as despesas com benefícios previdenciários e com o BPC (Benefício de Prestação Continuada), que ficaram R$ 11,3 bilhões maiores na projeção para este ano.
O aumento das duas categorias de despesa é o principal motivo por trás do congelamento de R$ 15 bilhões em gastos do Orçamento de 2024. Os dados foram detalhados no relatório de avaliação de receitas e despesas do 3º bimestre, divulgado nesta segunda-feira (22).
O documento mostra uma piora nas previsões para as contas públicas neste ano. Além da alta nos gastos obrigatórios, o governo reconheceu também uma frustração nas receitas. Com isso, a estimativa de déficit ficou em R$ 28,8 bilhões, exatamente no limite permitido pela margem de tolerância do novo arcabouço fiscal e o praticamente o dobro do previsto no trimestre anterior.
O valor global do congelamento de gastos já havia sido anunciado pelo ministro Fernando Haddad (Fazenda) na última quinta-feira (18), após reunião da JEO (Junta de Execução Orçamentária) com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O detalhamento dos órgãos alcançados pela trava será feito no decreto de programação orçamentária, a ser publicado no dia 30 de julho.
Do montante total, R$ 11,2 bilhões serão bloqueados para compensar o crescimento das despesas obrigatórias, que incluem a Previdência e o BPC.
Na avaliação do próprio governo, é pouco provável que essas despesas recuem até o fim do ano, o que torna baixa a probabilidade de reversão do bloqueio.
A alta nos gastos obrigatórios ocorre a despeito da promessa do governo de poupar R$ 9 bilhões neste ano com revisão de despesas da Previdência e do Proagro, seguro rural para pequenos e médios produtores. Esse valor está incorporado no Orçamento -sem ele, o bloqueio seria ainda maior-, mas o governo não forneceu detalhes sobre o andamento dessas ações.
O secretário de Orçamento Federal substituto, Clayton Montes, disse que a expectativa de poupar R$ 9 bilhões é crível, mas reconheceu não ter os números para detalhar a evolução das revisões.
Outros R$ 3,8 bilhões serão contingenciados devido à frustração na estimativa de receitas. Neste caso, o gasto é contido para permitir o cumprimento da meta fiscal, cujo alvo central é um déficit zero, mas permite um resultado negativo de até 0,25% do PIB (Produto Interno Bruto).
Sem o contingenciamento, o déficit seria de R$ 32,6 bilhões. Com a trava de R$ 3,8 bilhões, o governo sinaliza um resultado dentro da margem de tolerância, mas pior do que o projetado no segundo bimestre -quando o déficit era calculado em R$ 14,5 bilhões.
A queda de R$ 13,2 bilhões na arrecadação líquida do governo contribuiu para essa deterioração. Parte dessa frustração se deu na arrecadação líquida do INSS, que caiu R$ 5,2 bilhões, piorando as contas da Previdência Social.
O secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, classificou o desempenho da arrecadação como positivo, embora aquém do necessário para alcançar a programação inicial do Orçamento.
Para sustentar esse argumento, ele antecipou os dados da arrecadação de junho, que serão anunciados oficialmente apenas na quarta-feira (24). Segundo ele, as receitas federais tiveram alta real (acima da inflação) de 11,02% em junho ante igual mês de 2023 e de 9,08% no acumulado do primeiro semestre.
“A receita vai muito bem, mas um pouco abaixo do necessário por conta de algumas desonerações e frustrações”, disse Barreirinhas.
Principal medida de arrecadação para 2024, a negociação especial para contribuintes derrotados pelo voto de desempate nos julgamentos do Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais) teve seu potencial de arrecadação reduzido de R$ 55,6 bilhões para R$ 37,7 bilhões, dado que não houve ingresso de nenhum valor até maio.
O secretário, porém, disse que a diferença já foi parcialmente compensada por outras medidas que tiveram performance melhor que o esperado, como a taxação de fundos exclusivos dos super-ricos e de recursos em paraísos fiscais (offshores). Além disso, a Receita obteve cerca de R$ 5 bilhões com ações de incentivo aos contribuintes para autorregularizarem seus débitos, valor que não estava previsto no Orçamento.
Entre julho e dezembro, o governo ainda espera obter R$ 87,1 bilhões em receitas extraordinárias com o Carf, acordos de transação tributária, taxação de benefícios fiscais do ICMS e limitação ao uso de créditos judiciais para compensação de impostos a pagar. Por outro lado, o Executivo não incorporou nenhuma expectativa de arrecadação com a tributação das remessas internacionais de até US$ 50, a chamada “taxa das blusinhas”.
Caso o governo consiga reforçar sua arrecadação até o fim do ano, o contingenciamento pode ser revisto.
O secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron, disse que os ministérios não costumam gastar toda a verba disponível (fenômeno conhecido como “empoçamento”). Essa sobra, na casa dos R$ 20 bilhões todos os anos, também contribui para o cumprimento da meta fiscal. “Na prática, a gente estaria com algo em torno de 10 bilhões de déficit”, afirmou.
O valor, porém, não inclui os gastos extraordinários de combate à calamidade no Rio Grande do Sul, que já somam R$ 28,8 bilhões em despesas primárias e serão financiados com a emissão de títulos da dívida pública -embora não sejam contabilizados nas regras fiscais do arcabouço. Contando esses gastos, o déficit efetivo ficaria próximo a R$ 60 bilhões.
Ceron ressaltou que qualquer resultado dentro da banda de tolerância significará o alcance da meta. Segundo ele, diante do cenário traçado no relatório, não há motivos para mexer no alvo da política fiscal fixado para este ano.
“Não há qualquer tipo de relaxamento ou afrouxamento. É simplesmente o cumprimento do que prevê o marco legal”, afirmou.
Após semanas de mal-estar no mercado financeiro diante da incerteza quanto à trajetória das contas públicas, o secretário do Tesouro abriu sua fala durante a entrevista coletiva dizendo que queria “reforçar algumas mensagens”.
“Os limites de despesas serão rigorosamente observados, e como o presidente da República declarou hoje, se for necessário, os bloqueios serão feitos”, afirmou Ceron. Segundo ele, este é um “alinhamento de todas as partes do governo”.
Na avaliação do secretário, a percepção de risco manifestada pelos agentes do mercado não se reflete nos números, que “corroboram cenário distinto”. Ele apontou que a despesa como proporção do PIB está estimada em 19,4%, em linha com a média de 2015 a 2023 (19,2% do PIB).
“É importante que essas mensagens fiquem claras. Muitas vezes olhamos essas análises de risco fiscal como se verdade fossem. Elas são legítimas, o nosso papel é sinalizar que o caminho continua sendo o mesmo, de compromisso fiscal”, afirmou. “O governo mostra disposição em adotar medidas necessárias para que esse cenário se materialize”, acrescentou.
ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE BLOQUEIO E CONTINGENCIAMENTO
O novo arcabouço fiscal determina que o governo observe duas regras: um limite de gastos e uma meta de resultado primário (verificada a partir da diferença entre receitas e despesas, descontado o serviço da dívida pública).
Ao longo do ano, conforme mudam as projeções para atividade econômica, inflação ou das próprias necessidades dos ministérios para honrar despesas obrigatórias, o governo pode precisar fazer ajustes para garantir o cumprimento das duas regras.
Se o cenário é de aumento das despesas obrigatórias, é necessário fazer um bloqueio.
Se as estimativas apontam uma perda de arrecadação, o instrumento adequado é o contingenciamento.
**Como funciona o bloqueio**
O governo segue um limite de despesas, distribuído entre gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários do funcionalismo, pisos de Saúde e Educação) e discricionários (investimentos e custeio de atividades administrativas).
Quando a projeção de uma despesa obrigatória sobe, o governo precisa fazer um bloqueio nas discricionárias para garantir que haverá espaço suficiente dentro do Orçamento para honrar todas as obrigações.
**Como funciona o contingenciamento**
O governo segue uma meta fiscal, que mostra se há compromisso de arrecadar mais do que gastar (superávit) ou previsão de que as despesas superem as receitas (déficit). Neste ano, o governo estipulou uma meta zero, que pressupõe equilíbrio entre receitas e despesas, com margem de tolerância de 0,25% do PIB para mais ou menos.
Como a despesa não pode subir para além do limite, o principal risco ao cumprimento da meta vem das flutuações na arrecadação. Se as projeções indicam uma receita menos pujante, o governo pode repor o valor com outras medidas, desde que tecnicamente fundamentadas, ou efetuar um contingenciamento sobre as despesas.
**Pode haver situação de bloqueio e contingenciamento juntos?**
Sim. É possível que, numa situação hipotética de piora da arrecadação e alta nas despesas obrigatórias, o governo precise aplicar tanto o bloqueio quanto o contingenciamento. Nesse caso, o impacto sobre as despesas discricionárias seria a soma dos dois valores.
ADRIANA FERNANDES E IDIANA TOMAZELLI / Folhapress