BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Quando Mario Fernandes entrou na Aman (Academia Militar das Agulhas Negras), em 1983, o Brasil vivia sob a ditadura militar. Ele deixou o centro de formação de oficiais do Exército em Resende (RJ) quatro anos depois, com a volta da democracia no país.
O cadete não se destacou na turma. Ficou entre o 50º e o 60º lugar na lista dos aspirantes da Infantaria de seu ano, grupo de quase 120 militares em formação.
Mario só foi ganhar relevância na carreira anos depois, em Goiânia, quando sua ascensão coincidiu com o protagonismo dos “kids pretos”-militares com instrução no curso de Forças Especiais que integram a tropa de elite do Exército.
A Folha de S.Paulo conversou com seis oficiais-generais após Mario Fernandes ser preso na terça-feira (19) pela Polícia Federal por supostamente elaborar um plano de assassinato do presidente Lula (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal).
Eles contam, sob reserva, que o caminho do militar ao generalato foi tortuoso. Considerado exímio atirador e paraquedista, Mario foi apadrinhado por generais relevantes na estrutura do Exército antes de ganhar as duas estrelas características do posto de general de brigada.
As boas relações não foram suficientes para ele ganhar a terceira estrela, e Mario foi para a reserva do Exército em 2020. De pijama, acabou resgatado por um de seus padrinhos na carreira, o general-ministro Luiz Eduardo Ramos, para ser seu número dois na Secretaria-Geral da Presidência em 2021. Só saiu do cargo com a derrota do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Mario se formou na Aman em 1986. Entrou nas fileiras do Exército com o também cadete Elcio Franco, que tempos depois viria a trabalhar no Ministério da Saúde do general Eduardo Pazuello.
Ele fez ainda na década de 1990 o curso de paraquedismo do Exército, um dos requisitos para chegar às Forças Especiais. Em 2008, já ocupava cargo de comando no 1º Batalhão de Forças Especiais, em Goiânia.
O apelido dos “kids pretos” surgiu por causa dos gorros pretos usados pelos militares que entram na especialização. O símbolo marca também a diferenciação desse grupo de Forças Especiais para outros paraquedistas militares -como os Precursores, de símbolo vermelho, rivais históricos dos “kids pretos”.
Os FEs (como também são conhecidos) têm uma característica diferente das demais áreas do Exército. Eles ficam longos períodos nos mesmos locais, já que suas únicas bases são em Goiânia, principal centro dos Forças Especiais, no Rio de Janeiro e em Manaus.
Mario Fernandes se destacou nessa área. Ele chefiou o 1º Batalhão de Forças Especiais em 2011, recém-promovido a coronel, e permaneceu com os demais “kids pretos” durante os cinco anos do coronelato.
Quando chegou o momento de sua promoção, em 2016, o Alto Comando do Exército passava por uma mudança significativa. O grupo, composto pelos 16 generais quatro estrelas, no topo da carreira, possuía três “kids pretos” -os generais Mauro Lourena Cid, Guilherme Theophilo e Paulo Humberto Cesar de Oliveira.
A área de operações especiais foi criada no Exército na década de 1950, e até o início dos anos 2010 eram poucos os Forças Especiais no Alto Comando da Força. Segundo os militares ouvidos pela Folha de S.Paulo, “kid preto” tradicionalmente escolhe “kid preto” para promoção ao generalato.
A onda dos Forças Especiais foi favorável ao coronel Mario Fernandes. Promovido a general em 2016, ele migrou para São Paulo para comandar a 12ª Brigada de Infantaria Leve.
Dois anos depois, voltou a Goiânia para chefiar o Comando de Operações Especiais –o principal cargo que um “kid preto” pode ocupar nesse setor. Foi desta vez que Mario comandou militares que, depois, foram convidados pelo general da reserva a implementar os planos de matar autoridades, no fim de 2022, segundo a PF.
Quando era militar da ativa, Bolsonaro sonhava em virar um “kid preto”. Ele fez o curso de paraquedismo no início dos anos 1980 e se inscreveu para o curso de operações especiais. Foi reprovado nas duas vezes que tentou.
Eleito em 2018, foi o primeiro presidente da República desde a redemocratização a visitar o Forte Camboatá, sede do Comando de Operações Especiais, em Goiânia, em julho de 2019. Ele foi recebido pelo então chefe do setor, general Mario Fernandes, que o apresentou ao Monumento Gorro Preto e ao simulador de queda livre.
O general foi preso pela Polícia Federal sob suspeita de elaborar em 2022 um plano que envolvia matar Lula, Alckmin e Moraes. O objetivo era evitar a posse do petista. Para executar o planejamento, ele arregimentou tenentes-coronéis “kids pretos” que foram comandados por ele em Goiânia, segundo a investigação.
Procurada, a defesa do militar disse que não iria se manifestar antes de ter acesso ao relatório final da investigação da PF.
CÉZAR FEITOZA / Folhapress