SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Cada geração tem sua particularidade, mas há certos comportamentos que podem se interseccionar. O fenômeno das jovens senhoras atinge millennials e geração Z. São as mulheres que deixam as baladas de lado e preferem atividades caseiras ou bares que tenham sempre onde sentar.
A expressão “jovem senhora” nasceu na internet e agora é uma forma de descrição para quem escolheu um estilo de vida que seria considerado de uma pessoa mais velha, em outra época. Esse movimento mostra também que há uma valorização da saúde e do bem-estar, considerando aspectos físicos, emocionais, mentais e ambientais, e atividades manuais, como bordar, fazer crochê e cozinhar.
A editora Isabela Borrelli, 30, se considerava uma senhora antes mesmo desse termo ter sido popularizado. “Eu sempre tive alguns interesses que são mais associados a essa ideia de senhora ou de avó”, conta.
“Há alguns anos, comecei a fazer trabalhos manuais, aprendi crochê no YouTube e foi uma coisa que eu adorei. Eu também sempre fui uma pessoa muito cansada, desde a adolescência. Nunca gostei muito de vida noturna. Gosto muito de dormir cedo e acordar umas 6 horas. Posso ver o sol raiar, passar o café, fazer um crochê enquanto assisto a alguma coisa ou leio um livro”, diz.
“Com a ajuda da descoberta social e dos tutoriais do TikTok, 35% da geração Z dos EUA e do Reino Unido relatam interesse em cozinhar, acima dos 21% registrados em 2019. Essa geração presta cada vez mais atenção ao que come e ao que bebe”, cita Vitor Coelho, especialista em tendências na WGSN América Latina, empresa líder em tendências de comportamento e consumo.
O zelo pelo bem-estar vem atrelado também a novos padrões de consumo e estilo de vida ligados ao que essa sociedade opta por comer e beber. Ainda que o sedentarismo tenha sido aflorado durante e após a pandemia da Covid, existe um conflito pelo bem-estar e o excesso de tempo em casa, que acaba fazendo com que as pessoas se exercitem menos.
“Em termos práticos, vemos o decrescimento da ingestão de álcool, uma redefinição da alimentação caseira (que passa pela ideia de preparação fácil e criativa), o crescimento dos snacks e o consumo consciente, tanto de produtos com selos sustentáveis, quanto aqueles para dietas restritivas”, completa Coelho.
“Eu me considero uma jovem senhora porque não costumo praticar as mesmas atividades ou frequentar os mesmos lugares que as pessoas da minha idade. Não vou a bares, baladas e não bebo”, conta Mariane Silva, 31, designer gráfica.
O grupo das jovens senhoras aumentou o número de adeptas após a pandemia, quando foi vista uma mudança social e comportamental, apontam as especialistas Vanessa Amorim, psicóloga, com foco em terapia cognitiva-comportamental, e Simone Jorge, doutora em Ciências Sociais e professora universitária.
Tais transformações são também influenciadas pela dificuldade econômicas: parte da geração com mais de 30 anos vive na casa dos pais, onde podem juntar dinheiro e ter uma vida confortável.
“Esse movimento começou em 2008 com a crise econômica. A gente vive uma crise geracional em que os nossos pais, os nossos avós, tinham mais facilidade de ter economicamente a possibilidade de comprar um imóvel, de pagar a sua própria universidade, e isso foi ficando cada vez mais difícil. Isso eclode na pandemia”, pontua a psicóloga Vanessa Amorim.
Para acompanhar essa mudança, há casas noturnas que se adaptaram a isso. Em Londres, há uma festa chamada Before Midnight [antes da meia-noite, em português], organizada pela DJ Annie Mac, que começa cedo e termina por volta da meia-noite. É uma experiência de balada para quem prefere chegar em casa cedo, sejam as jovens senhoras ou qualquer público que zele por uma boa noite de sono.
“Eu prefiro rolês que não sejam de virar a noite, principalmente porque tem que pegar transporte público. Eu canso rápido das coisas e das interações sociais, então prefiro que dê para ir embora logo”, conta Luisa Marcelino, 23, designer editorial. Marcelino destaca também a importância de ter um lugar para sentar e o que comer nos lugares em que frequenta.
A designer conta também que as preferências em locais para rolês são casas de amigos, parques ou restaurantes. “Um lugar que não tenha muita música alta. Prefiro um lugar que seja mais silencioso, mais tranquilo para conversar e tal, porque eu prefiro conversar do que dançar.”
Mariane Santos assina embaixo, optando por ir a lugares mais intimistas e que tenham sempre onde sentar. Ela cita que esse conceito de jovem senhora também se relaciona com seus hobbies.
“Gosto de praticar atividades manuais, tipo bordado, aproveitar a paz do lar para poder assistir a filmes, séries, aproveitar esse aconchego de lar. Apesar de não estar lendo muito ultimamente, é algo que eu gosto muito de fazer, especialmente no silêncio, é algo que ajuda na minha concentração, ainda mais depois da pandemia.”
Isabela Borrelli diz que é a pessoa que vai rejeitar qualquer rolê que precise ficar horas em pé. Só abre exceções para alguns shows, mas conta que leva sempre um remédio para dores na bolsa. “Se não tiver um lugar onde sentar, eu vou ficar com dor na lombar, é muito desagradável, eu não gosto”, diz a editora. O mesmo vale para excesso de álcool.
A bebida alcoólica nunca foi algo que Borrelli apreciou muito, pois interfere em sua rotina de exercícios físicos e no seu estilo de vida, que prioriza atividades tranquilas e saudáveis, como acordar cedo e praticar exercícios regularmente.
Já Mariane Santos conta que apesar de haver uma maior aceitação atualmente, ainda há pessoas que tratam seu estilo de vida com um certo desdém, gerando julgamentos e questionamentos sobre sua personalidade. Embora haja movimentos de sobriedade e uma redução no consumo de bebidas, o estigma persiste.
Além disso, há uma discussão sobre a identidade das “jovens senhoras”, reflete a socióloga Simone Jorge. Pois há um certo etarismo quando definimos que só jovens frequentam baladas e fazem um desenfreado consumo de álcool. Este fenômeno reflete uma mudança nas percepções sobre liberdade e autonomia, em que é preciso também uma busca por um equilíbrio entre o conforto do lar e a necessidade de interação social e cuidado pessoal.
“Eu considero que, realmente, hoje, há essa busca por querer coisas mais cômodas. O acesso à internet traz também uma certa comodidade. As pessoas, principalmente, os mais jovens, que já nasceram durante esse avanço nos meios de comunicação, têm o conforto de ter tudo nas mãos. Você assiste a shows, filmes, pode fazer diversas coisas sentada no sofá da sua casa, sem ter o trabalho de buscar novas experiências, de buscar coisas diferentes”, reflete a socióloga.
Um outro lado observado pela psicóloga Vanessa Amorim é que a pandemia trouxe a fobia social, sedentarismo e dificuldades de relacionamento devido ao isolamento e à dependência da tecnologia –algo que ganha ainda outro peso em quem é introvertido. Esses comportamentos refletem mudanças significativas na forma como os jovens encaram a vida, buscando alternativas mais saudáveis e conscientes para o lazer e o convívio social.
RAÍSSA BASÍLIO / Folhapress