Geração Z busca flexibilidade e propósito no setor público, dizem especialistas

RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Atrair a geração Z para o setor público depende de mudanças na rigidez das instituições, segundo especialistas. No trabalho, os nascidos entre 1995 e 2010 valorizam aspectos como diversidade, flexibilidade para transitar entre diferentes setores e a implementação de avaliações de desempenho, áreas em que o setor ainda engatinha.

O alto número de inscritos com até 34 anos no CNU (Concurso Nacional Unificado) demonstra que há interesse de jovens em ingressar no serviço público federal. Pessoas que têm entre 25 e 34 anos são maioria, ou 38,3%, dos candidatos.

Inscritos com 20 a 24 anos são 16% e compõem a maior parte, 55%, dos candidatos no bloco de nível médio. Adolescentes com idades entre 15 e 19 anos somam 4,8% dos participantes do certame. Os dados são do Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos.

Esta é a segunda reportagem da série Servidores da Geração Z, em parceria com o Instituto República.org, que aborda a situação de jovens profissionais no setor público.

Embora a procura por cargos no serviço público federal esteja associada aos salários médios maiores e à estabilidade, esse grupo valoriza ainda mais outros aspectos, de acordo com especialistas.

Eles querem atuar em lugares que se conectem com seus valores pessoais, como respeito à diversidade e ao ambiente, e proporcionem maior equilíbrio entre vida privada e profissional.

“A geração Z gosta de trabalhar com propósito, algo que o setor público pode oferecer”, afirma Gerhard Hammerschmid, professor de gestão pública e financeira da Hertie School, na Alemanha.

“Por outro lado, eles preferem estar em espaços colaborativos e não gostam de hierarquias, que é um dos princípios dos governos.”

Áreas como sustentabilidade e digitalização, por serem mais modernas, podem fornecer espaços de trabalho participativos e com estruturas menos engessadas, ideais para o perfil da geração Z, segundo o professor.

Ele diz que, em geral, setores que atraem jovens têm relação com impacto social. Entre as gerações, a Z é a mais guiada por ideais no trabalho: 47% não aceitariam emprego em um lugar que não estivesse alinhado com seus valores sociais e ambientais.

O dado é de um levantamento da consultoria de RH Randstad feito em 34 países, incluindo o Brasil, e publicado no início deste ano.

Já órgãos públicos tradicionais, como os ligados à economia, costumam ter estruturas rígidas e, portanto, são menos propensos a mudanças.

O setor tem se modernizado nesse sentido, mas ainda em ritmo lento, segundo Renata Vilhena, professora de gestão pública da Fundação Dom Cabral e presidente do conselho da República.org.

A diversidade é um dos aspectos que a geração mais preza no trabalho, mas que ainda enfrenta entraves no setor público. Nas secretarias municipais, por exemplo, mulheres são só 27% das lideranças, como mostrou levantamento da Folha de S.Paulo.

Jovens buscam também empregos que permitam tempo de lazer. O trabalho remoto é inegociável para 48% da geração Z, segundo o levantamento da Randstad. O regime híbrido já é adotado em boa parte dos órgãos públicos, de acordo com Vilhena.

Ter tempo para demandas próprias é uma possibilidade no setor, contanto que não haja sobrecarga por falta de profissionais.

“Se houver entradas [de novos profissionais] permanentes para um número de servidores adequado e trabalho com indicadores e metas, é possível conciliar [vida profissional e pessoal]”, afirma Vilhena.

Amanda Victorino, 27, é oficial de justiça no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro e diz que o período de lazer é fundamental. Ela tomou posse no cargo no fim do ano passado, aprovada dois anos após fazer concurso para cadastro de reserva.

“Não abro mão dos meus horários de descanso”, afirma. “Quando eu entrei e entendi como é o funcionamento onde estou lotada, vi que era possível conciliar meu tempo de lazer, de estudo e até com a rede social.”

Ela criou perfis no Instagram e no TikTok antes de ser aprovada no certame do TJ com o objetivo de compartilhar dicas e conversar com outros estudantes. Hoje, suas páginas acumulam 171 mil seguidores.

Depois de se formar em direito, Amanda se dedicou aos concursos por três anos, e pretende continuar estudando para se tornar juíza.

Ela diz ser uma das mais novas da equipe do TJ, motivo de receio por exercer uma função de autoridade. “É uma questão que passa pela minha cabeça todos os dias: ‘Poxa, preciso intimar alguém que é três vezes mais velho que eu. Será que ele vai receber bem uma ordem de uma pessoa tão nova?'”

A geração Z é insegura com o trabalho, segundo especialistas. Por isso, gosta de ter feedbacks constantes. Para os mais novos, essa troca não é só para avaliarem o próprio desempenho, mas também para se manifestarem sobre a gestão.

“Eles expressam o que não está legal. Jovens se ressentem quando são deixados quietos, porque assim não têm oportunidade de falar o que pensam”, afirma Elza Veloso, professora de administração da FIA Business School.

Avaliações de desempenho são previstas na Constituição para servidores, mas ainda não foram regulamentadas. Há apenas iniciativas em alguns estados ou órgãos públicos voltadas à atuação do profissional.

Além da atração, a retenção é outro desafio para o setor, de acordo com Veloso. Fatores como falta de flexibilidade para atuar em diferentes áreas e a lenta progressão de carreira podem afastar a geração Z da carreira pública.

“Enquanto o salário no setor privado é baixo no começo, a movimentação é mais rápida. Quando o jovem percebe que precisa esperar até anos para prestar concurso interno para subir de cargo no setor público, fica difícil fazer a retenção.”

Hoje, há carreiras que possibilitam a atuação em diferentes áreas, a exemplo do especialista em políticas públicas e gestão governamental. Mas a mobilidade entre setores ainda é incomum em instituições públicas.

Lanna Emi, 23, está no último período de jornalismo da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul e vai prestar o primeiro concurso com o CNU, em maio.

Para ela, o trabalho ideal deve ter um pouco de tudo: o conforto de atuar em sua área de especialidade e a dinâmica de ter tarefas variadas, para não cair no tédio. Ela também compartilha a rotina de concurseira de primeira viagem nas redes sociais.

Lanna diz que o Enem dos Concursos foi uma oportunidade de começar a estudar em pé de igualdade com outros candidatos, já que o certame foi anunciado recentemente e trouxe mudanças em relação a provas mais tradicionais. Ela pretende se dedicar a outros exames, se não for aprovada nesse.

“O mais atraente no concurso é a estabilidade, o conforto de ter algo que você sabe que é seu e que ninguém vai tirar.”

LUANY GALDEANO / Folhapress

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