PERTH, AUSTRÁLIA (FOLHAPRESS) – Terceiro maior exportador mundial de combustíveis fósseis, a Austrália tem um plano ambicioso para se transformar em uma superpotência das energias renováveis. O país tem o objetivo de atingir 82% de fontes limpas em sua matriz energética até 2030: uma cifra que representa mais do que o dobro da capacidade atual instalada, em torno de 40%.
Para chegar lá, o governo australiano, que quer aproveitar o grande potencial de geração eólica e solar do país, começou por abrir os cofres. Os projetos vão desde incentivos às energias com baixas emissões de carbono até a melhoria da eficiência energética das casas, além de muito investimento em pesquisas para o desenvolvimento de novas tecnologias.
“Anunciamos mais de 60 bilhões de dólares australianos [cerca de R$ 225,5 bi] nos últimos três anos para acelerar a transformação da Austrália, incluindo 22,7 bilhões de dólares australianos [R$ 104,1 bi] para expandir novas indústrias, como hidrogênio de fontes renováveis, metais verdes, combustíveis líquidos de baixo carbono e minerais críticos, que contribuirão para os esforços globais de descarbonização, à medida que nossos parceiros comerciais aceleram suas transições”, conta a embaixadora para as mudanças climáticas do país, Kristin Tilley (leia entrevista).
Além de reduzir as emissões de gases-estufa e de melhorar a sustentabilidade do setor elétrico australiano, a iniciativa mira também deixar o país em uma situação estratégica para abocanhar uma boa fatia dos recursos destinados à transição energética nos mercados globais, estimados em até US$ 2 trilhões pela Agência Internacional de Energia.
Dentro de casa, contudo, também serão necessárias adaptações. O encerramento das usinas de geração de energia à base de carvão está previsto para acontecer até 2038, o que também exigirá acomodações para atividades econômicas e populações que estavam diretamente ligadas a essas atividades.
A ministra dos Recursos da Austrália, Madeleine King, reconhece que isso representa um desafio, mas afirma que o país já tem abordagens para apoiar os afetados pela transição energética.
“Nosso enfoque é cuidadoso e envolve um planejamento detalhado para essas comunidades”, diz. “Estamos explorando oportunidades para construir novas indústrias, como manufatura avançada, incluindo a produção de vagões ferroviários ou o desenvolvimento de produtos renováveis. Esse tipo de planejamento é essencial porque sabemos que a transição é inevitável, especialmente com a eliminação gradual da geração de energia a carvão.”
Análises independentes indicam que o plano de ultrapassar a barreira de 80% de energias renováveis dentro de cinco anos é algo factível, mas que exigirá um esforço inédito.
Especialista em mudanças climáticas e pesquisadora no Lowy Institute, um dos principais think tanks da Austrália, Melanie Pill avalia que a meta é “desafiadora, mas possível, embora dependa de um cenário político positivo e de apoio financeiro por parte do governo.”
Para Pill, o governo “está enviando a mensagem certa ao promover a Austrália como uma superpotência de energia renovável”, o que pode dar mais confiança ao setor privado para investir no mercado.
A pesquisadora pondera, contudo, que “existe um problema notório com o histórico de inação da Austrália” e que a ação climática tem sido “frequentemente usada como terreno de disputa para ganhar eleições.”
“Acredito que o atual governo trabalhista está comprometido e sério em relação à meta, também para restaurar a reputação internacional do país, mas parece que falta ousadia para realmente concretizar e fazer o necessário para alcançar esse objetivo”, avalia.
O atual primeiro-ministro, Anthony Albanese, do Partido Trabalhista, chegou ao poder em 2022 com um discurso de ampliar as ações climáticas da Austrália, em um contraste claro com o posicionamento de seu antecessor, criticado internacionalmente pela falta de ação em políticas ambientais.
Além de ter ampliado as metas de redução de emissões de gases-estufa e de ter consagrado pela primeira vez esses objetivos em lei, o Executivo vem investindo em diferentes projetos voltados à sustentabilidade. Em meio aos esforços, o país também pleiteia ser a sede da COP31, a 31ª conferência do clima da ONU, em 2026, em disputa com o governo da Turquia.
Apesar de celebrarem os avanços, ambientalistas afirmam que a Austrália ainda precisa aprofundar seus compromissos climáticos.
O peso da indústria do carvão australiana –que no ano passado extraiu mais de 400 milhões de toneladas desse combustível altamente poluente– garante influência em muitos setores, o que representa um desafio adicional à adoção da agenda climática.
“Os maiores desafios para a descarbonização da Austrália são, provavelmente, a dependência do carvão como uma importante fonte de renda de exportação e o forte lobby do carvão, que exerce muita influência e dificulta o progresso”, analisa Pill.
A pesquisadora também chama a atenção para o discurso adotado na oposição australiana, liderada pelo Partido Liberal, “que assusta o público com a retórica comum de que as energias renováveis são ‘ruins’ para a economia, aumentam os riscos de apagões e elevam as contas de eletricidade das pessoas.”
Recentemente, o líder da oposição, Peter Dutton, vem insistindo na adoção da energia nuclear como solução para redução do custo de vida e fornecimento de energia limpa.
Embora setores importantes da economia australiana –como indústria, mineração e transportes– ainda precisem passar por adaptações profundas para a descarbonização, o uso doméstico de energia solar já é uma realidade em todo o país. Aproximadamente uma em cada três residências tem painéis solares, um recorde em termos mundiais.
A popularização começou no início da década de 2010, mas ganhou fôlego nos últimos anos, quando projetos e incentivos federais e estaduais proliferaram.
As autoridades agora miram a dependência de equipamentos vindos do exterior, principalmente da China, com um projeto que direciona 1 bilhão de dólares australianos (R$ 3,8 bi) para a pesquisa e o desenvolvimento de tecnologias de painéis solares localmente na Austrália.
“Sabemos que, como uma economia historicamente intensiva em combustíveis fósseis, nossa própria transição bem-sucedida pode ser uma demonstração poderosa para outros países”, afirma Tilley.
A jornalista viajou a convite do Departamento de Negócios Estrangeiros e Comércio da Austrália.
GIULIANA MIRANDA / Folhapress