BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Os ministros Dias Toffoli e Gilmar Mendes, do STF (Supremo Tribunal Federal), se consolidaram entre 2019 e 2022 como as principais pontes de Jair Bolsonaro (PL) com a corte.
Ambos tinham uma relação pessoal com o ex-presidente, foram a encontros fora da agenda com ele e eram consultados para nomeações em postos-chave no Judiciário.
Gilmar emplacou aliados em importantes cargos por nomeação de Bolsonaro e deu uma decisão favorável à então família presidencial num momento sensível: o auge do escândalo da rachadinha ligado ao senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ).
Toffoli também deu ordens judiciais que beneficiaram Bolsonaro e fez acenos políticos. Ele chegou a relativizar a ditadura militar, defendida pelo ex-presidente, e a classificou como “movimento de 1964”.
No início do governo passado, Toffoli suspendeu as investigações que estavam em curso no país com base nos dados do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras).
O órgão havia identificado movimentações atípicas nas contas de Flávio e as revelações eram à época o principal flanco de desgaste político do então presidente.
Toffoli, porém, atendeu a um pedido da defesa do senador e suspendeu as investigações. Quatro meses depois, Gilmar deu uma decisão para reforçar o bloqueio às apurações.
Bolsonaro, que tinha o STF como alvo preferencial nos seus ataques contra o Judiciário, costumava poupar Gilmar e Toffoli.
Procurados pela reportagem, os dois ministros do STF não quiseram se manifestar.
Agora, Toffoli e Gilmar passaram a criticar Bolsonaro e a fazer acenos a Lula (PT). O primeiro aproveitou a decisão em que anulou todas as provas relacionadas ao acordo de leniência da Odebrecht para afirmar que a prisão do atual presidente na Lava Jato foi “um dos maiores erros judiciários da história do país”.
Além disso, atuou para facilitar a nomeação de Cristiano Zanin, ex-advogado e amigo de Lula, para o Supremo. O magistrado pediu para migrar da Primeira para a Segunda Turma da corte, o que foi visto nos bastidores como outra sinalização para agradar Lula.
Com a mudança, Zanin não precisou ocupar a vaga de seu antecessor, Ricardo Lewandowski, no colegiado responsável pela Lava Jato. Assim, evitou o constrangimento de ter que se declarar suspeito em julgamentos de processos da operação da qual sempre foi um crítico que tramitam na Segunda Turma. Além disso, há ações da operação nas quais o advogado atuou diretamente.
Toffoli chegou ainda a pedir “perdão” a Lula por não ter autorizado o petista a comparecer ao velório de seu irmão, Genival Inácio da Silva, o Vavá, durante o período da prisão em Curitiba.
Gilmar, por sua vez, foi um dos principais algozes do PT no início da Lava Jato. Em março de 2016, quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) via o clima do impeachment no Congresso esquentar, a petista decidiu nomear Lula para comandar a Casa Civil para tentar reverter o cenário político desfavorável.
A indicação de Lula para a principal pasta do governo era a última cartada de Dilma para melhorar a relação com o Legislativo e evitar uma deposição do cargo. No entanto, Gilmar despachou uma decisão individual e impediu que Lula assumisse o cargo.
O ministro afirmou na ocasião que a posse de Lula poderia configurar “uma fraude à Constituição” e um desvio de finalidade por parte de Dilma.
Isso porque, segundo o magistrado, havia indícios de que Dilma havia indicado seu correligionário para o posto com o objetivo de que as investigações contra ele fossem examinadas pelo Supremo e não mais por Sergio Moro, então juiz da Lava Jato.
Em entrevista em 2019, em um contexto com críticas à atuação da operação, o ministro afirmou que “se o caso do Lula assumir a Casa Civil fosse hoje, teria muitas dúvidas sobre que decisão tomar.”
Sete anos após o veto à nomeação, Gilmar fez um movimento de reaproximação de Lula. Por ser o ministro mais antigo, Gilmar falou em nome da corte na posse de Luís Roberto Barroso como presidente no STF, no fim de setembro.
Em seu discurso, exaltou o Bolsa Família e classificou Lula como um “grande estadista”. Além disso, agora tenta influenciar em indicações importantes que o petista fará no sistema de Justiça.
Ele é um dos articuladores, ao lado do ministro do STF Alexandre de Moraes, da candidatura de Paulo Gonet Branco para a chefia da PGR (Procuradoria-Geral da República).
Gilmar também endureceu o discurso contra Bolsonaro. No início do ano, disse que Curitiba, em alusão à Lava Jato, “gerou Bolsonaro e tem o germe do fascismo”.
Em debate realizado em Paris no sábado (14), o ministro defendeu o papel do STF na defesa da democracia. “Se hoje tivemos a eleição do presidente Lula [PT], foi graças ao STF”, afirmou.
Embora tenha mantido relação próxima nos bastidores, Gilmar fez críticas a Bolsonaro e seus aliados durante seu mandato, principalmente em relação à gestão do governo federal na pandemia.
Mas mesmo quando Gilmar fazia as críticas mais duras contra Bolsonaro, o então presidente evitava brigar com o magistrado. No auge da crise desencadeada pelo alastramento da Covid-19, quando Bolsonaro indicou o general Eduardo Pazuello para o Ministério da Saúde, Gilmar disse que o Exército estava se associando a um “genocídio”.
O militar da ativa, além de chefiar a pasta, tinha nomeado 28 militares para cargos no órgão. Logo depois das críticas, Bolsonaro orientou Pazuello a procurar Gilmar, conforme relatou à época a coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha.
A relação entre Gilmar e Bolsonaro foi evidenciada por nomeações feitas pelo ex-presidente no mundo jurídico.
Em abril de 2022, Bolsonaro nomeou o então chefe de gabinete de Gilmar, Victor Fernandes, como conselheiro do Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica). Em 2020, indicou o advogado Rodrigo Mudrovitsch, que já atuou como defensor de Gilmar em processos, para juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos.
Além disso, Bolsonaro fez questão de levar o então juiz federal de segunda instância Kassio Nunes Marques ao encontro de Gilmar e Toffoli antes de oficializar sua primeira nomeação para o STF.
Uma articulação fracassada de Gilmar para emplacar um aliado no STJ (Superior Tribunal de Justiça) no fim do ano passado, no entanto, foi vista como um dos fatores para o distanciamento do ministro com Bolsonaro.
Gilmar trabalhava pela nomeação do juiz de segunda instância do TRF-1 (Tribunal Regional Federal da 1ª Região) Ney Bello para a segunda corte mais importante do país. Bello, porém, teve seu nome vetado pelo ministro Nunes Marques, do STF. Kassio acabou vencendo a disputa e o aliado de Gilmar ficou fora do STJ.
MATHEUS TEIXEIRA / Folhapress