Glamour pode ser visto como oco, mas tem sua verdade, diz Róisín Murphy

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Róisín Murphy, uma das estrelas do underground mais pop deste segundo Primavera Sound paulistano, viveu um momento longe dos holofotes e bem perto do coração dos fãs neste sábado.

Murphy havia hipnotizado a plateia com um show de alta voltagem visual no clube Audio, na Barra Funda, na noite de sexta-feira, e se preparava para subir de novo no palco, agora no Autódromo de Interlagos, como um dos destaques mais alternativos do festival espanhol em sua segunda encarnação brasileira.

Sem cantar, mas esbanjando bom humor e um topete loiríssimo calculado até o último milímetro, ela foi o centro das atenções de um coquetel da galeria Bianca Boeckel, na Vila Nova Conceição, onde uma turma de fashionistas, artistas e um tanto da fauna artsy se juntou para ver de perto uma das musas do trip-hop, embora ela deteste esse rótulo.

Essa artista irlandesa, que hoje mora na ilha espanhola de Ibiza, conquistou um séquito de fãs desde que despontou como a voz cristalina do duo Moloko, parceria dela com o músico e ex Mark Brydon. “O Moloko era um relacionamento, mais do qualquer outra coisa. Era o jeito que eu estava vivendo, o tipo de coisa de perguntar se você gosta da minha blusa justinha e como ela cabe no meu corpo”, ela conta, lembrando o nome do álbum de estreia da dupla, “Do You Like My Tight Sweater?”. “Sempre tentei ser uma artista mais do que qualquer outra coisa.”

Ninguém hoje duvida da extensão vocal e visual dos talentos de Murphy, uma cantora plena, de graves e agudos potentes na mesma medida. Ela construiu, afinal, um universo particular.

Se achava que adotar o “hop” do “hip” em “trip hop” era equivocado para definir um estilo surgido nas franjas de uma Inglaterra branca e proletária, distante das periferias negras americanas, ela tem total consciência da revolução que foi a porta aberta pelo Portishead, de Beth Gibbons, e depois escancarada por ela, à frente do Moloko.

“Um artista precisa ser uma porta aberta, você precisa deixar tudo entrar. Você precisa saber ver quem está ao redor”, diz ela, uma taça de rosé numa mão e um cigarro aceso na outra. “Tento equilibrar tudo isso, a sensualidade com a inteligência, com a seriedade ou a profundidade.”

Esse contraste está evidente na própria voz, como seda fina deitada sobre pedregulhos afiados, numa escala que vai do mais gutural ao mais delicado em segundos. Mas o visual, no caso dela, importa tanto quanto a voz poderosa.

Quando pergunto sobre como ela constrói a figura fantástica que toma conta do palco, ela volta a dizer que o glamour, oco e arquitetado, tem seu fundo de verdade. “O glamour pode ser visto de forma negativa como uma máscara, mas o símbolo do drama sempre foram duas máscaras. O drama é outra dimensão. É como ter uma máscara e contar uma história e a certo momento ter de tirar a máscara. Há sempre uma verdade ali.”

Murphy viveu uma dura verdade nesses tempos de cancelamento virtual. Em agosto, ela postou um comentário em que criticava o uso de bloqueadores de puberdade por crianças e adolescentes em busca da transição de gênero. Se foi chamuscada nas redes, seus fãs parecem ter perdoado, levando flores ao palco do último show e em polvorosa diante do show deste domingo.

Ela diz que, por dentro, ou talvez por trás do espetáculo encenado no palco, há sempre o caos, tanto o da produção lutando contra o tempo quanto aquele interno de todo artista que se vê numa encruzilhada.

“Estar no palco é ficar no fio da navalha, se expor ao perigo”, diz Murphy. “Mas não me interesso por quem sobe no palco e conta que quase cometeu suicídio. Eu não acredito nisso e não preciso disso. Não sou uma artista que faz confissões, isso é muito mundano e narcisista. Não é autêntico.”

SILAS MARTÍ / Folhapress

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