RIO DE JANEIRO, RJ (FOLHAPRESS) – Após assinatura de acordo para importação de gás natural da jazida de Vaca Muerta, na Argentina, os ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, e da Agricultura, Carlos Fávaro, disseram nesta segunda-feira (18), que as relações com o país vizinho são pragmáticas e passam por cima de questões ideológicas.
“Temos que separar questão comercial de ideologia”, afirmou Silveira em entrevista durante a cúpula do G20, em que o governo argentino despontou como oposição a temas importantes para a presidência brasileira do bloco econômico.
Entre eles, estavam trechos da declaração final da cúpula sobre igualdade de gênero e empoderamento das mulheres, sobre ODS (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável) e sobre a taxação dos super-ricos, uma das bandeiras do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Aliado do ex-presidente Jair Bolsonaro, o presidente da Argentina, Javier Milei já disse que Lula tem o “ego inflado de algum esquerdinha”.
Silveira afirmou nesta segunda que vê “mais discurso do que gesto” na postura de Buenos Aires e que o acordo para importação de gás traz benefícios econômicos para os dois países. “O mundo real é a sobrevivência”, disse.
O acordo com a Argentina prevê a importação para o Brasil de três milhões de metros cúbicos de gás por dia já no ano que vem, com possibilidade de chegar a 30 milhões de metros cúbicos por dia em 2030, a um preço mais competitivo do que o praticado no mercado interno.
Uma avaliação preliminar do governo aponta que o gás sai da reserva argentina por US$ 2 por milhão de BTUs (sigla para British Thermal Unit, métrica utilizada pelo mercado para o produto) e pode chegar ao Brasil custando entre US$ 7 e US$ 8, bem mais em conta que os US$ 14 praticados no mercado interno, sem incluir impostos.
Durante a entrevista desta segunda-feira, Silveira defendeu que o aumento da oferta a preços competitivos é importante para incentivar a produção de fertilizantes no Brasil, um dos maiores importadores do mundo.
“[O acordo] mostra pragmatismo no aspecto de desenvolvimento regional. É importante para a Argentina, é importante para o Brasil, e não podemos deixar que qualquer tipo de posicionamento ideológico seja obstáculo”, afirmou Fávaro.
Os estudos preveem avaliação da viabilidade de quatro rotas para a importação do gás, uma pelo Uruguai, uma pelo Paraguai, um terminal de gás liquefeito na Argentina e a mais provável e rápida delas, a inversão de fluxo no gasoduto que levava gás da Bolívia para o mercado argentino.
Da Bolívia, o gás chega ao Brasil pelo Gasoduto Bolívia-Brasil, já há 30 anos em operação e hoje com capacidade disponível para trazer novos volumes.
Já ventilada anteriormente, a rota ligando Argentina e Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, permanece em discussão. Essa alternativa demanda conclusão das conexões entre Argentina e Brasil, bem como entre Uruguaiana e Porto Alegre.
Até já existe um sistema inicial conectando a Argentina à térmica de Uruguaiana no Rio Grande do Sul, por causa de um projeto anterior, que não se concretizou. Apesar de os governos dos dois países falarem há anos dessa integração pelo gás, o fato é que a Argentina não conseguiu fornecer o produto.
O projeto de levar o gás de Uruguaiana a Porto Alegre está igualmente paralisado, pois exige a construção de um duto de 600 km. O plano de expansão da malha brasileira de gasodutos, divulgado em 2019 e que nunca saiu do papel, previa na época investimento de R$ 4,6 bilhões.
A ambição de levar o gás argentino para o Sudeste é mais distante ainda, pois essa região do Brasil pode ser abastecida pelo gás do pré-sal, que está na costa do Brasil.
Em janeiro de 2023, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e o então presidente argentino, Alberto Fernández, assinaram uma declaração conjunta qualificando o projeto como prioridade binacional. No entanto, as negociações não tinham avançado.
Na época, o entendimento estava atrelado apenas à conclusão do gasoduto Néstor Kirchner, que demandaria financiamento brasileiro ao projeto, e foi posto em dúvida.
Se os gasodutos não se viabilizaram, ainda está em análise se haveria viabilidade financeira para fazer a importação via de GNL (gás natural liquefeito) por meio de navios.
Vaca Muerta é uma serva de gás de xisto, que sofre grande oposição de ambientalistas. O xisto argiloso é um tipo de rocha sedimentar. Para separar o petróleo ou o gás dessa estrutura é preciso aplicar água com uma alta pressão. Além de elevado gasto com água, a pressão em si afeta o solo de diferentes maneiras.
Na própria Argentina, o projeto prejudicou comunidades indígenas. Na exploração de xisto nos Estados Unidos, há registro de contaminação de lençóis freáticos e abalo na estrutura até de casas próximas às áreas de extração. Na China, há estudos mostrando que a pressão em locais de exploração de xisto levou a abalos sísmicos.
ALEXA SALOMÃO E NICOLA PAMPLONA / Folhapress