Governo desidrata pacote de Haddad, mercado reage e Congresso cobra emendas para aprovar neste ano

BRASÍLIA, DF, E SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, apresentou nesta quinta-feira (28) o detalhamento do pacote do governo para a contenção de gastos públicos, estimando uma economia de R$ 71,9 bilhões em 2025 e 2026.

Uma das principais medidas é a limitação do ganho real do salário mínimo, que vai acompanhar as mesmas regras do arcabouço fiscal —cujo limite de despesas tem expansão real de 0,6% a 2,5% ao ano.

Após semanas de expectativa pelo anúncio, no entanto, a proposta final acabou decepcionando o mercado financeiro, ao excluir medidas de maior impacto fiscal e também por incluir a elevação para até R$ 5.000 a faixa de isenção de Imposto de Renda, tendo como fonte a taxação de quem tem renda superior a R$ 50 mil mensais.

O dólar chegou a superar pela primeira vez na história a barreira de R$ 6, mas depois recuou levemente e fechou a R$ 5,99.

Para o mercado financeiro, o problema foi comunicar as duas medidas ao mesmo tempo —especialmente em um momento de grande expectativa pelo pacote de cortes.

“Os investidores provavelmente receberiam de braços abertos esse valor significativo de R$ 70 bilhões, mas a surpreendente medida de isentar os salários até R$ 5.000 conteve o otimismo”, avalia Eduardo Moutinho, analista de mercados do Ebury Bank.

A expectativa é que a proposta com as medidas de contenção de gastos seja encaminhada para o Congresso Nacional até esta sexta-feira (29). Enquanto o Planalto se mostra otimista com a aprovação ainda neste ano, líderes na Câmara e no Senado apontam que destravar o pagamento das emendas parlamentares é condição para o aval do parlamento.

Integrantes do governo alegam que Lula já fez um gesto ao sancionar, sem vetos, como saiu do Congresso, a lei que define novas regras para uso de emendas. Além da possibilidade de aplicação dessa nova lei, articuladores do Palácio do Planalto esperam que, após suspender sua execução, o ministro Flávio Dino, do STF (Supremo Tribunal Federal), autorize sua liberação nos próximos dias.

Tanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), como o ministro das Relações Institucionais, Alexandre Padilha, afirmaram que a suspensão das emendas não interfere na aprovação do pacote fiscal, e que há boa vontade do Congresso para aprovar até o fim do ano.

Lideranças das duas Casas afirmam reservadamente que, se os recursos não forem liberados, nenhuma pauta de interesse do Executivo será aprovada até o fim do ano. Segundo relatos colhidos pela Folha, a avaliação é de que há grande insatisfação, sobretudo no chamado baixo clero, grupo sem influência política nacional expressiva.

O pacote do governo foi detalhado em uma entrevista no Palácio do Planalto. Além de Haddad, também participaram os ministros Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento), Esther Dweck (Gestão), Alexandre Padilha (Relações Institucionais) e Paulo Pimenta (Secom).

Além das mudanças no mínimo, há também alterações no abono salarial, na aposentadoria de militares, aperto nas regras de acesso ao BPC (Benefício de Prestação Continuada), criação de um imposto mínimo para super-ricos, entre outras medidas.

Após grande discussão dentro do governo, incluindo ameaças de pedidos de demissão, o pacote da equipe econômica acabou desidratado em relação aos objetivos iniciais. Ficaram de fora medidas que teriam um grande impacto fiscal, como mudanças no seguro-desemprego e nos pisos constitucionais de saúde e educação, além de uma reforma mais ampla no abono salarial.

O mercado financeiro já havia reagindo mal desde o dia anterior ao anúncio, com a informação do aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda. A leitura é que o governo perdeu uma oportunidade de usar parte do corte de despesa obrigatória para melhorar o resultado das contas públicas.

Haddad negou ter havido desidratação da proposta, exaltou a economia com as medidas, mas não excluiu a possibilidade de o presidente Lula voltar a discutir um novo plano de corte de gastos.

“Entendemos que, se houver, pela dinâmica das despesas, de voltarmos ao presidente, nós vamos fazer com transparência. Eu acredito que nosso trabalho não se encerra. Não acredito em bala de prata. Não vamos resolver o problema herdado de dez anos de déficit primário de um ano para o outro. Estou satisfeito com o resultado deste ano”, afirmou o ministro.

Apesar dos embates e rixas de bastidores, Haddad e Rui Costa buscaram em suas falas dar um ar de consenso para o pacote de gastos, afastando a ideia de que alas do governo saíram vencedoras. Rui é apontado como um quadro mais desenvolvimentista, refratário a políticas de austeridade.

“O que está sendo colocado aqui é um absoluto compromisso do governo do presidente Lula com o equilíbrio fiscal, com a responsabilidade fiscal e com o arcabouço fiscal. Isso tem sido dito reiteradas vezes. E esse compromisso do presidente é compromisso do conjunto dos ministros e dos ministérios”, afirmou Rui Costa

“Acho que não soma para o país esse tipo de abordagem de querer continuar insistido de que existe chapeuzinhos vermelhos e lobos maus dentro do governo. Aqui todos nós temos responsabilidade com esse país”, completou.

Na mesma linha, Haddad evitou atribuir responsabilidades ou frustração pelo anúncio da ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda, mesmo ele próprio tendo sinalizado repetidas vezes que ficaria para o próximo ano. Disse que foi uma decisão do presidente Lula, que “ouviu até ficar rouco” as ponderações dos ministros.

Um dos ministros que saiu praticamente ileso dos cortes, Carlos Lupi (Previdência) afirmou que o pacote apenas reforça a atuação que ele já vinha fazendo em sua pasta, apertando a fiscalização para evitar o pagamento indevido de benefícios.

“[Pacote trata de algo] que já estamos fazendo e esse pacote reforça o trabalho. É corrigindo erro de pessoas que podem estar recebendo sem ter direito”, afirmou. “O que o Haddad anunciou é que vamos continuar fazendo isso ano que vem e reforçar. Dar direito a quem tem direito.”

O Palácio do Planalto agora prepara uma estratégia para romper a resistência ao pacote de contenção de gastos, tanto no Congresso e também no mercado financeiro. Horas após o anúncio, houve uma reunião do titular da Secom (Secretaria de Comunicação Social da Presidência), Paulo Pimenta, com assessores não só do governo, como também de parlamentares e bancadas aliadas no Congresso, para apresentação detalhada das propostas e elaboração de estratégias para divulgação.

Interlocutores no governo argumentam que não haverá dificuldades para a aprovação das propostas no Congresso Nacional até porque alguns parlamentares defendiam cortes de gastos ainda mais substanciais. A articulação política do governo pretende trabalhar no fim de semana para definir à qual PEC (Proposta de Emenda à Constituição) já em tramitação a proposta do governo será apensada. Isso vai acelerar a votação no Congresso.

O governo também aposta na atuação de Haddad e do futuro presidente do Banco Central, Gabriel Galípolo, para mitigar oposição de operadores do mercado financeiro. Nesta sexta-feira (29), os dois participam do almoço anual dos dirigentes da Febraban (Federação Brasileira dos Bancos), em São Paulo.

Entre os esclarecimentos, governo vai enfatizar que o ritmo de implantação de medidas mais controversas é lento. No caso específico do IR, a tramitação só será iniciada no ano que vem e condicionada à identificação de fonte de renda para cobrir o aumento da faixa de isenção.

Aliados do presidente lembram ainda que uma das medidas mais importantes para o mercado é a contenção do índice de reajuste do salário mínimo, um dos principais pontos do pacote.

A mudança na regra do salário mínimo vai tirar R$ 94 do valor do piso salarial até 2030, segundo projeções do Ministério da Fazenda.

Pela legislação atual, que prevê ganho real pelo crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) de dois anos antes, o salário mínimo subiria a R$ 1.521 no ano que vem e alcançaria R$ 2.020 em 2030.

A proposta do governo, se aprovada, levará o piso a R$ 1.515 em 2025, uma diferença de R$ 6 —como mostrou a Folha de S.Paulo. Em 2030, o novo valor será de R$ 1.926, ou R$ 94 a menos do que sob a regra atual, segundo as estimativas do Executivo.

ADRIANA FERNANDES, IDIANA TOMAZELLI, CATIA SEABRA, RENATO MACHADO, THAÍSA OLIVEIRA, VICTORIA AZEVEDO E TAMARA NASSIF / Folhapress

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