BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – Após uma sequência de derrotas em votações na última semana, o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), afirma que a gestão do presidente Lula (PT) deve priorizar a agenda econômica e evitar que a oposição tire proveito da pauta de costumes.
“Quanto mais nós nos distanciarmos para outros temas, mais espaço tem para o florescimento da extrema direita”, diz o parlamentar em entrevista à Folha de S.Paulo. Ele ressalta, porém, que o governo não vai se omitir nessas discussões.
Para Randolfe, a derrubada do veto de Lula a um trecho do projeto que restringe a saída temporária de presos reflete também a posição de parlamentares conservadores que integram partidos da base aliada do governo.
O líder de Lula aponta que “o pacto da governabilidade” com esses partidos deve se basear na “melhoria da qualidade de vida dos brasileiros” e na defesa da democracia. “Em relação a outros temas, todos nós conhecemos a posição de todos”, afirma. “Ninguém omitiu posição para vir para o governo.”
Randolfe nega que Lula cogite uma reforma ministerial para recompor sua coalizão e afirma que considera aliados tanto o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), quanto o da Câmara, Arthur Lira (PP-AL).
Segundo ele, “não há razão” para Lula vetar a taxação de compras internacionais caso o Senado siga o acordo firmado na Câmara na semana passada.
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Pergunta – Que diagnóstico o presidente Lula faz sobre as dificuldades do governo na relação com o Congresso?
Randolfe Rodrigues – Fizemos um balanço da sessão do Congresso [do dia 28]. O próprio presidente destacou que era um tanto esperado o resultado em relação à saída temporária e até em relação às chamadas fake news. O Congresso que foi eleito em 2022 tem um perfil muito conservador em temas relativos à questão de costumes e à segurança pública, com um núcleo reacionário ligado ao bolsonarismo muito forte e atuante.
P. – O governo está preparado para lidar com esse Congresso ou alguma mudança será feita?
R. R. – Não vejo o que poderia ter sido feito mais do que foi. Fosse quem fosse o ministro da articulação política, o resultado em relação aos temas relativos ao comportamento, à segurança e aos costumes não seria diferente. A nossa preocupação central naquela sessão nem era a saidinha.
Nos preocupava muito mais a derrubada dos vetos relativos à Lei de Diretrizes Orçamentárias e à Lei Orçamentária. [Se esses vetos fossem derrubados,] o governo perderia a governabilidade em relação ao pagamento de emendas parlamentares, que passaria a ocorrer a partir de um cronograma imposto pelo Legislativo. Foi melhor assim do que perder em temas que poderiam dar prejuízo para a condução da política econômica, que tem sido bem-sucedida até agora.
P. – Isso significa que o governo deve se envolver cada vez menos nos temas ligados a costumes para evitar derrotas?
R. R. – O governo nunca vai esconder suas posições. O que ocorre é que, em alguns desses temas, o Congresso hoje é muito mais sensibilizado pelo perfil que ele tem, um perfil conservador.
Lula foi eleito com três signos: a defesa da democracia brasileira, a reconstrução do país e a recuperação da qualidade de vida do povo. Quanto mais esse governo garantir emprego e comida na mesa aos brasileiros, maiores as chances de sucesso. Quanto mais nós nos distanciarmos para outros temas, mais espaço tem para o florescimento da extrema direita e do fascismo.
P. – Partidos da base aliada têm ministérios, mas quase todos votaram contra as orientações do governo na sessão do Congresso. O que pensa sobre o comportamento desses partidos?
R. R. – A aliança que governa esse país é uma aliança de frente ampla. Não é uma aliança nem de centro-esquerda. É centro-democrática, com setores conservadores participando do governo.
Esses setores conservadores, toda vez que variarmos para temas de costumes ou comportamentais, vão manter as suas posições. Se o governo dependesse somente do seu núcleo identitário original, teríamos 140, 150 deputados.
P. – Existe alguma frustração em relação ao comportamento de partidos como PSD, União Brasil, MDB, PP e Republicanos?
R. R. – Nenhuma. Ninguém omitiu posição para vir para o governo. Qual o signo da nossa eleição? Melhoria da qualidade de vida dos brasileiros, defesa da democracia. O pacto da governabilidade tem que garantir isso. Em relação a outros temas, todos nós conhecemos a posição de todos.
P. – É uma coalizão pela metade?
R. R. – É a coalizão dos tempos em que vivemos.
P. – Uma reforma ministerial é vista como necessária?
R. R. – Eu não ouvi em nenhum momento isso ser cogitado. O que muda com qualquer ajuste dessa natureza nesse momento? O núcleo político é o núcleo político de confiança do presidente. Nós temos um presidente da República que governa, não terceiriza o governo.
P. – Existem algumas críticas à sua atuação como líder. Como o senhor vê esses comentários?
R. R. – Líder de governo e ministro da articulação política que não recebe críticas não está cumprindo bem a sua função. Vou dar um exemplo de uma crítica que eu recebi: que a base mais identificada com o governo precisa ser mais mobilizada para os embates políticos dos temas do Congresso. Eu acho que é uma crítica correta.
P. – O presidente Lula considera que pode contar com Arthur Lira como um aliado?
R. R. – Nós trabalhamos com Arthur Lira e Rodrigo Pacheco como aliados. Tanto é que os partidos de ambos integram o governo.
P. – Em que medida a situação atual pode impactar a sucessão na Câmara e no Senado?
R. R. – A gente não vai se meter em sucessão. Quem tem que liderar a sucessão de Arthur Lira é o próprio Arthur Lira. Quem tem que presidir a sucessão de Rodrigo Pacheco é o próprio Rodrigo Pacheco. Tenho certeza de que quem vier a suceder aos dois manterá o nível de cooperação que eles têm tido com o governo.
P. – Nesta terça, o Senado deve votar o projeto que inclui a aplicação de imposto de 20% sobre compras internacionais. Há acordo para o presidente Lula não vetar esse dispositivo?
R. R. – Houve um acordo firmado na Câmara com a participação da oposição. O Senado reiterando o acordo que foi expressado na votação quase unânime, não há razão para ter veto. A prioridade é que o tema seja aprovado. Apreciado e aprovado.
P. – Sobre a proposta da chamada privatização de praias, qual é a posição do governo?
R. R. – Somos terminantemente contra. É uma proposta absurda. Nós consideramos legítimo questionar a tributação de laudêmio, foro e IPTU. Ajustar para que sejam tributados somente por um desses tributos, acho que é um debate necessário.
Agora, [não se pode proibir] a maioria dos brasileiros mais pobres de ter acesso à praia. Eu acharia mais adequado ter uma outra PEC só tratando desse outro tema [da tributação], porque eu acho que essa proposta já está irremediavelmente contaminada. Acho muito difícil a maioria dos meus colegas senadores querer colocar a digital em uma proposta que privatiza as praias brasileiras.
P. – Na situação atual, existe um caminho mais difícil do que esperado para o presidente se reeleger ou fazer um sucessor?
R. R. – Eu agradeço todos os dias a Deus por nós termos Lula. Só Lula seria capaz da façanha que foi a vitória da eleição de 2022. Da mesma forma, nós precisaremos de Lula em 2026.
Eu não vejo alternativa ao nome de Lula para 2026. E a condução que ele está nos dando no momento atual me dá muita segurança de que nós vamos chegar com a economia brasileira recuperada. Esse vai ser o nosso maior ativo para 2026 sob a liderança de Lula.
RAIO-X
Randolfe Rodrigues (sem partido), 51
Nasceu em Garanhuns (PE). É graduado em história e direito. Tem mestrado em políticas públicas. Começou a carreira política como deputado estadual no Amapá. É senador desde 2011. É líder do governo no Congresso.
BRUNO BOGHOSSIAN E JULIA CHAIB / Folhapress