Governo estuda taxação e mudança em correção de precatórios

BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) estuda rever uma série de regras ligadas ao pagamento de precatórios (sentenças judiciais) para ajudar no ajuste das contas públicas.

As ações em discussão buscam elevar as receitas recolhidas sobre essas dívidas ou mudar os mecanismos de correção dos valores para conter as despesas do governo. Não passam pelo adiamento dos repasses de valores, como fez o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) em medida declarada inconstitucional pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

O governo ainda não bateu o martelo sobre as propostas, que integram um cardápio mais amplo de possíveis medidas para reequilibrar as finanças da União no médio e longo prazo. Procurado, o Ministério do Planejamento e Orçamento não quis comentar. A Fazenda não respondeu até a publicação deste texto.

Segundo técnicos do governo ouvidos pela reportagem, uma das ideias é rediscutir o índice de correção do valor do precatório até o seu pagamento, alterado para Selic após a aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) dos Precatórios.

A mudança ocorreu num momento em que a Selic estava mais baixa. Com a elevação da taxa de juros, a troca acabou se mostrando desfavorável ao governo ao impor um custo maior na atualização das dívidas judiciais. Hoje, a Selic está em 10,50% ao ano. Há um ano, estava em 13,75%.

Antes, a correção dos precatórios não tributários (como aqueles referentes a salários e aposentadorias) eram corrigidos pelo IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – Série Especial) acrescido de juros correspondentes à remuneração da caderneta de poupança (cerca de 0,5% ao mês).

A alteração do indexador, porém, precisaria ser feita por PEC, o que se torna um desafio para o governo, que precisaria do apoio de 308 deputados e 49 senadores em dois turnos de votação.

Há ainda discussões para tentar ampliar a eficácia dos instrumentos de resgate de valores abandonados em contas judiciais ou até mesmo reduzir o prazo a partir do qual a União pode reclamar esses valores. Hoje, a lei diz que o período é de 25 anos.

Segundo técnicos da área econômica, valores significativos ficam empoçados no Judiciário, sem que o credor efetue o saque. A lei prevê a incorporação dos valores pelo Tesouro Nacional, não só em relação a precatórios, mas também depósitos de outra natureza (como garantias). A avaliação, porém, é que o texto não dá instrumentos efetivos para isso.

Além do prazo de 25 anos, as instituições que guardam esses valores precisam dar conhecimento a possíveis interessados por meio de publicação no Diário Oficial e na imprensa local por pelo menos três vezes. O processo é tido como burocrático.

Um dos exemplos citados é o da Justiça do Trabalho, que procura os donos de R$ 21 bilhões esquecidos em contas judiciais, como mostrou reportagem da Folha de S. Paulo. Há ações tão antigas –algumas até da década de 1960– que estão em versão de papel. Só agora há ações para tentar rastrear os credores ou direcionar o dinheiro ao Tesouro.

Procurado, o TST (Tribunal Superior do Trabalho) informou que R$ 3,9 bilhões já podem ser declarados como abandonados.

“Em cima desses valores, estão sendo implementados esforços para o repasse ao Tesouro Nacional. Este é um trabalho de longa duração. Os responsáveis pelo projeto Garimpo acreditam que até o final de setembro haverá uma posição”, disse o órgão.

O TST afirmou ainda não ter um posicionamento sobre possíveis alterações na legislação sobre resgate dos recursos abandonados.

Outra possibilidade em estudo pelo governo é taxar o ganho que o credor tem em decorrência da atualização monetária do precatório no período entre a sua expedição pela Justiça e o pagamento efetivo pelo banco.

Pela legislação, os precatórios devem ser inscritos até o dia 2 de abril para que o crédito seja pago, com seu valor corrigido monetariamente, até o final do ano seguinte. O governo pode pagar de janeiro a dezembro, o que acaba estendendo o tempo que o dinheiro fica na conta recebendo a atualização monetária.

Hoje, o governo já cobra uma alíquota de 3% do IR (Imposto de Renda) sobre o valor pago, sem deduções, no momento do pagamento dos precatórios e das RPVs (Requisição de Pequeno Valor).

As RPVs também são, na prática, precatórios. Enquanto o precatório é emitido nos casos de condenações acima de 60 salários mínimos (o equivalente a R$ 84,2 mil), as RPVs são emitidas para sentenças abaixo desse limite. As RPVs têm prioridade de pagamento.

Neste ano, as despesas com o pagamento dessas dívidas judiciais do governo chegaram a R$ 86 bilhões -dos quais R$ 29 bilhões em RPVs. Para 2025, a fatura vai superar R$ 100 bilhões.

O precatório e a RPV são uma despesa obrigatória a ser paga a um beneficiário que ganhou uma ação judicial contra o governo, mas sua tendência acaba sendo imprevisível porque depende de decisão definitiva da Justiça.

Como são gastos crescentes, as dívidas judiciais são hoje uma das principais fontes de pressão sobre o Orçamento.

A preocupação da área econômica é que essa trajetória possa comprometer, no futuro, o sucesso do arcabouço fiscal, a nova regra das contas públicas aprovada no ano passado pelo Congresso.

As medidas em estudo envolvendo os precatórios atuam pelo lado das receitas e das despesas porque o governo precisa entregar ao Congresso até o final de agosto o PLOA (Projeto de Lei Orçamentária Anual) de 2025 com a previsão de déficit zero, a meta fiscal estabelecida pelo governo Lula.

Inicialmente, a meta era de um resultado primário (receitas menos despesas, exceto gastos com juros da dívida) de 0,5% do PIB (Produto Interno Bruto), mas o alvo foi alterado em abril sob críticas dos especialistas.

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, já anunciou um corte de R$ 25,9 bilhões de despesas obrigatórias, mas o valor é considerado insuficiente para o cumprimento do limite de gastos. Pelo lado das receitas, o governo também precisará adotar medidas de aumento de arrecadação para garantir o atingimento da meta.

Em 2024, a meta também é de déficit zero, e o governo tem enfrentado dificuldades para cumpri-la porque receitas importantes têm frustrado as expectativas. Por outro lado, despesas obrigatórias aceleraram além do previsto, como os benefícios da Previdência Social e de assistência social.

ADRIANA FERNANDES E IDIANA TOMAZELLI / Folhapress

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