Governo Lula acelera concessões de rodovias e tenta atrair empresas em meio a baixa concorrência

SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) – Com oito leilões de rodovias federais marcados ou previstos para este segundo semestre, o governo vai acelerar as concessões sob a nova modelagem de outorga, adotada no ano passado na tentativa de atrair mais concorrentes. As estradas a serem desestatizadas estão localizadas em estados como Goiás, Minas Gerais e Paraná e terão prazo de concessão de 30 anos.

No próximo dia 29 de agosto, o Ministério dos Transportes e a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) realizarão o leilão de um trecho de 303,4 km da BR-381 que se estende de Belo Horizonte a Governador Valadares (MG). A estrada é conhecida como “rodovia da morte” por apresentar um alto índice de acidentes.

Em 2023, o governo Lula (PT) já havia tentado leiloar o trecho, que não recebeu propostas e, por isso, teve o certame adiado. No ano passado, uma série de leilões de estradas, portos e aeroportos registrou pouca concorrência, com apenas dois candidatos na maioria dos casos.

No modelo de leilões de rodovias adotado pela gestão Lula, os interessados dão lances de desconto em relação à tarifa básica de pedágio, e o pagamento de aporte (caução) é necessário, somente, quando o corte na tarifa prometido é de 18% ou mais. A partir desse patamar há a incidência de aporte de recursos para cada 1% de deságio apresentado, de forma cumulativa.

Os recursos do aporte irão inteiramente para a conta da concessão e serão utilizados, por exemplo, na execução de obras não previstas.

Procurado pela reportagem, o Ministério dos Transportes disse que os dois leilões realizados em 2023, de rodovias paranaenses, foram “muito exitosos, com a participação de dois novos entrantes, os grupos Pátria e EPR, que ainda não tinham concessões federais”. De acordo com a pasta, o primeiro leilão deste ano, o da BR-040, teve o maior número de participantes desde 2018, com quatro proponentes.

“É preciso lembrar que durante quatro anos a gestão passada realizou apenas seis leilões rodoviários”, afirmou em nota a pasta, que projeta R$ 73 bilhões em investimentos com leilões e relicitações deste ano.

Especialistas ouvidos pela Folha apontam que, apesar de a nova modelagem ser benéfica, outras medidas poderiam tornar os leilões de rodovias mais atrativos para a iniciativa privada.

Na visão de Claudio Frischtak, sócio da consultoria internacional de negócios Inter.B, uma alternativa seria aumentar o prazo do contrato, para que as concessionárias tenham mais tempo de perceber retorno dos investimentos. Ele diz que, além de estarem sujeitas a uma grande pressão do poder público, o setor rodoviário também sofre com o vandalismo nas estradas, o que eleva os gastos das concessionárias.

“A complexidade de operar uma rodovia no país é muito grande. Mesmo sistemas de mobilidade urbana de média e alta densidade têm menos interferência. Operar um metrô é relativamente mais fácil [do que uma rodovia]”, afirma Frischtak.

Segundo o advogado especialista em infraestrutura Fernando Vernalha, os atuais projetos de concessões de rodovia não têm números tão atraentes para o setor privado e se tornam menos interessantes do que outros investimentos. “Tem que dar retornos interessantes para o investidor travar o capital dele num projeto de longo prazo. Tem que ter um prêmio que seja satisfatório.”

Ele aponta como uma alternativa a concessão de trechos menores, o que ampliaria a quantidade de empresas com capacidade de concorrer pela licitação, diz.

Para Marco Aurélio Barcelos, diretor-presidente da ABCR (Associação Brasileira de Concessionárias de Rodovias), os novos contratos são mais maduros em relação a projetos de anos atrás. Ele afirma que as novas concessões já discutem riscos que as concessionárias não podem prever, como as enchentes no Rio Grande do Sul e a pandemia de Covid.

“Os riscos extraordinários equivalem a incertezas que ninguém consegue identificar ou entender. Se eles vierem [a acontecer], o prejuízo não vai ser suportado pela concessionária. Você tira essa zona cinzenta do contrato e permite que as propostas sejam mais bem elaboradas e que não haja nenhuma surpresa ao longo da vigência do contrato”, diz.

O governo federal já realizou três leilões sob as novas regras de modelagem, segundo a ANTT. O primeiro deles, em agosto do ano passado, concedeu 473 km de rodovias no Paraná para o Infraestrutura Brasil Holding XXI por um prazo de 30 anos. O consórcio, controlado pelo Grupo Pátria, ofereceu um desconto de 18,25% na tarifa por quilômetro rodado.

No mês seguinte, o governo fez o leilão de mais 605 km de estradas no Paraná. Único interessado, o Consórcio Infraestrutura PR (associação entre as companhias EPR e Perfin Voyager) ofereceu 0,08% de desconto na tarifa.

Em abril deste ano, o trecho da BR-040 que liga Belo Horizonte a Juiz de Fora (MG) foi arrematado pelo Consórcio Infraestrutura MG, parte do grupo EPR.

O ganhador propôs desconto de 11,21% na tarifa de pedágio. A CCR e a Vetor Norte, outras concorrentes, ofereceram deságios de 1% e 0%, respectivamente. Como o lance da EPR foi significativamente maior, o leilão não chegou à etapa viva-voz, quando os proponentes vão aumentando suas propostas.

O consórcio Azevedo & Travassos chegou a apresentar proposta pela rodovia, mas foi inabilitado.

O governo marcou para setembro o leilão de outra parte da BR-040, chamado de Rota dos Cristais, que vai de Belo Horizonte (MG) a Cristalina (GO). Com 594 km de extensão, o trecho registra 70 mil veículos por dia, dos quais 68% são caminhões, segundo a ANTT.

Em outra frente, o Ministério dos Transportes tenta fazer a repactuação de contratos de rodovias considerados “estressados”, jargão usado para quando a remuneração do pedágio não é suficiente para a concessionária tocar os investimentos necessários.

“Essas concessões, que acabaram entrando em crise e agora estão numa agenda de repactuação, foram prejudicadas em função disso [modelo insustentável financeiramente]. Muitos investimentos em benefício dos usuários não foram feitos pela incapacidade econômica, por vários motivos, mas também por causa de lances que foram muito agressivos e em função da modelagem da licitação que foi adotada”, diz o advogado Fernando Vernalha.

PAULO RICARDO MARTINS / Folhapress

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