BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decidiu vetar do projeto de lei das eólicas offshore os chamados jabutis, dispositivos sem ligação com o tema principal do texto. A visão é que os dispositivos gerariam custos excessivos para a sociedade e tornariam mais poluente a matriz elétrica brasileira, hoje uma das mais limpas do mundo.
Um dos pontos aprovados em dezembro pelo Congresso permite, na prática, que seja concretizada a contratação obrigatória de uma série de usinas termelétricas -em grande parte, no chamado regime inflexível. Nesse modelo, elas operam de forma ininterrupta (sendo remuneradas por isso), algo visto por associações de consumidores como excessivamente caro e poluente.
De acordo com fontes ouvidas pela Folha de S.Paulo, a decisão foi tomada após uma série de manifestações do governo -incluindo um parecer do Ministério da Fazenda contra todos os jabutis. Além disso, houve posicionamentos no mesmo sentido emitidos pela pasta do Meio Ambiente e pelos ministros Rui Costa (Casa Civil) e Alexandre Silveira (Minas e Energia).
O MMA afirmou em posicionamento oficial emitido há menos de um mês que o projeto, da forma como está, “prorroga a contratação de termelétricas a gás natural e carvão até 2050, contradiz os esforços climáticos do país, como o Acordo de Paris, e representa um retrocesso ambiental, econômico e político”.
A pressão pelo veto foi intensificada em dezembro por um grupo de 12 associações, como Frente Nacional dos Consumidores de Energia e Abrace (Associação dos Grandes Consumidores Industriais de Energia e de Consumidores Livres).
O grupo enviou carta ao governo no mês passado dizendo que os jabutis traziam consequências graves para o setor elétrico, para empresas, para o meio ambiente e para a sociedade em geral. De acordo as entidades, as emendas geram um custo de, no mínimo, R$ 545 bilhões até 2050, o que corresponde a um custo anual de cerca de R$ 22 bilhões e aumento de 9% na tarifa de energia elétrica.
“Esses custos adicionais agravarão a situação dos consumidores brasileiros, que já enfrentam uma das contas de energia mais altas do mundo, além de pressionarem a inflação, em contrariedade aos esforços do governo federal para estabilizar a economia”, afirmam as entidades.
No governo e entre especialistas em energia, afirma-se que alguma elevação no uso das térmicas a gás é, na verdade, desejável para prover segurança energética quando o país estiver em condições de geração mais problemáticas -como em períodos de seca. Mas não no regime inflexível.
Essa não foi a primeira vez que os parlamentares tentaram obrigar o país a contratar termelétricas nesse modelo. Jabutis inseridos pelo Congresso no projeto de privatização da Eletrobras, que resultou em uma lei sancionada em 2021, exigem o uso de diferentes usinas a gás operando em grande parte sem parar.
Com os 8.000 MW (megawatts) de expansão compulsória de termelétricas a gás previstos na lei hoje, a projeção da EPE (Empresa de Pesquisa Energética), vinculada ao Ministério de Minas e Energia, é que a matriz de geração elétrica no país fique menos renovável e mais poluente.
Conforme mostrou a Folha, caso a totalidade prevista na lei da Eletrobras seja contratada, o volume de emissões resultantes da geração de eletricidade crescerá 84% até 2034, para 26,9 milhões de toneladas de CO2eq (dióxido de carbono equivalente). O chamado grau de renovabilidade da matriz elétrica cairá de 94% para 89%, na contramão do mundo.
Ao menos por enquanto, no entanto, os leilões dessas termelétricas não têm ocorrido. Dos 8.000 MW previstos, apenas 754 MW já foram contratados e 7.246 MW aguardam um próximo certame.
Isso porque falta interesse da iniciativa privada nas disputas devido a uma trava inserida na lei da Eletrobras que estabeleceu um preço-teto para a contratação. O valor previsto na lei é o mesmo observado em leilão de energia de 2019 e não viabiliza gasodutos que teriam que ser feitos para escoar o gás, que têm custo bilionário.
Os parlamentares ressuscitaram o tema no ano passando, usando o projeto das eólicas offshore para mexer na lei da Eletrobras para flexibilizar a regra do preço-teto que tem impedido leilões –o que viabilizaria 4.000 MW de usinas inflexíveis.
Agora, o veto de Lula pode impedir que o cenário se concretize. O Congresso, no entanto, ainda teria o poder de derrubar a decisão do Poder Executivo por meio de votação.
Além das termelétricas, o projeto de lei prevê outros itens estranhos à proposta. Por exemplo, a expansão de 4,9 GW (gigawatts) de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs). A crítica de associações é que a contratação compulsória, sem planejamento adequado, agrava ainda mais a sobreoferta atual de energia no Brasil e aumenta a dificuldade para equilibrar oferta e demanda.
Além disso, as emendas prorrogam a entrada em operação de unidades de micro e minigeração distribuída, que permitem aos consumidores gerar a sua própria eletricidade e que recebem subsídios integrais até 2045. “Tal prorrogação, que beneficia uma minoria privilegiada às custas da maioria dos consumidores, certamente aumentará ainda mais os encargos setoriais, que já alcançaram R$ 40,3 bilhões em 2023, 13,5% das tarifas residenciais”, afirmam as entidades.
FÁBIO PUPO / Folhapress