BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) – O Ministério da Justiça e Segurança Pública aumentou os valores destinados ao pagamento de diárias a policiais militares, civis, penais e bombeiros cedidos pelos estados e alocados na pasta em funções administrativas, mantendo uma prática que explodiu durante o governo de Jair Bolsonaro (PL).
Atualmente, 80% da equipe responsável pela área de segurança pública do governo Lula (PT) é formada por policiais estaduais emprestados. São 549 lotados na Senasp (Secretaria Nacional de Segurança Pública), dos mais de 600 profissionais que estão cedidos pelas unidades da federação para a pasta, recebendo diárias que, em alguns casos, superam o valor do próprio salário.
Esses servidores, conhecidos como mobilizados, são emprestados pelos estados para atuar quase que permanentemente no prédio do ministério, desempenhando tarefas administrativas por longos períodos. Há casos de pessoas que estão há mais de 10 anos nessas funções.
Neste ano, foram empenhados R$ 65,4 milhões com essa finalidade, um recorde. O valor total gasto com diárias dos mobilizados em 2023, primeiro ano de Lula, foi de R$ 60,8 milhões em valores corrigidos. Houve um aumento real de 7,5%.
Há um esforço para tentar reduzir esses cargos, o que poderá ser viabilizado com a realização do CNU (Concurso Público Unificado), que abrirá cerca de 300 vagas. Isso deve reduzir os servidores em missão e diminuir os pagamentos de diárias para essas situações.
Outro caminho é a criação de mais 500 vagas pleiteada junto ao Ministério da Gestão, via concurso público, com o objetivo de formar profissionais de carreira. A intenção é que essas novas contratações permitam gradualmente reduzir a dependência dos mobilizados.
O número de policiais no Ministério da Justiça nessa situação apresentou um salto sob Bolsonaro, que usava o modelo para agradar sua base eleitoral, uma forma de compensar baixas remunerações e prestigiar as diferentes forças com postos no Executivo federal. Em 2018, último ano da gestão Michel Temer (MDB), eram 390. Saltou para 711 em 2022, final do mandato bolsonarista.
O valor executado por Temer naquele ano foi de R$ 16,5 milhões. O número subiu para R$ 32,6 milhões em 2019, já sob Bolsonaro. Em 2022, os desembolsos alcançaram R$ 61,9 milhões.
Sob Lula, apesar da redução desse efetivo no primeiro ano, com o então ministro Flávio Dino, o valor desembolsado com diárias foi praticamente o mesmo (R$ 60,8 milhões) em razão do reajuste do auxílio no final de 2022. Sob Ricardo Lewandowski, a questão virou tema sensível na pasta.
Os dados não incluem informações sobre a Força Nacional de Segurança Pública, que tem por concepção a utilização de mão de obra emprestada para funcionar.
Uma das principais secretarias do ministério, a de Segurança Pública, comandada por Mario Sarrubbo, é um exemplo concreto do que significa a situação.
A secretaria possui na sua área administrativa 688 servidores, dos quais 549 são mobilizados, ou seja, 80% da força de trabalho. O restante é composto por comissionados, terceirizados e estagiários.
Além disso, a Senappen (Secretaria Nacional de Políticas Penais) conta com 98 mobilizados em sua área administrativa, segundo dados obtidos via Lei de Acesso à Informação.
Nos bastidores, Lewandowski pediu a Sarrubbo para tratar do tema com cautela. Integrantes do governo afirmaram à Folha que existe uma dependência dos servidores mobilizados na Secretaria de Segurança Pública.
A Diopi (Diretoria de Operações Integradas e de Inteligência), que faz parte da secretaria, funciona com 90% da força de trabalho de pessoas mobilizadas. No total, são 185 mobilizados.
Conforme estabelecido em decreto, a diária para servidores mobilizados com deslocamento para Brasília é de R$ 425, totalizando R$ 12.750 ao mês. No entanto, se o período de deslocamento ultrapassar 25 dias na mesma localidade, o valor é reduzido em 25%, passando a ser R$ 9.562,50.
Em geral, os salários brutos nos estados variam de R$ 8.000 a R$ 33 mil. Após os descontos, esses salários ficam menores, diferentemente das diárias, que são isentas de impostos e financiadas pelo Fundo Nacional de Segurança Pública e pelo Funpen (Fundo Penitenciário Nacional).
Em 2007, foi criada a lei de cooperação federativa, permitindo que os estados enviassem profissionais da segurança pública para o Distrito Federal e outras localidades. Durante o governo Temer, com a criação do Ministério da Segurança Pública, houve a aprovação de uma lei que permitiu a cooperação para o desenvolvimento de atividades de apoio administrativo e de projetos na área de segurança pública.
Embora a legislação específica para a atuação na área administrativa tenha sido aprovada apenas em 2018, profissionais já eram cedidos para essas funções antes da data.
Mesmo com a integração da pasta da Segurança ao Ministério da Justiça, esses profissionais foram mantidos nos governos Bolsonaro e Lula.
O Ministério da Justiça disse, por nota, que a seleção dos profissionais é realizada por meio de análise curricular e da experiência do profissional.
Na nota, o ministério ainda afirma que trabalha na criação do banco de talentos de profissionais da segurança pública para “aperfeiçoar e sistematizar os processos de recrutamento e seleção de servidores mobilizados e instrutores”.
“A partir da gestão do ministro Ricardo Lewandowski, o Ministério da Justiça também adotou uma série de medidas de compliance em todos os âmbitos da administração. O objetivo é garantir a atuação em conformidade com as leis, normas e regras que regem a administração pública”, disse.
RAQUEL LOPES E CATIA SEABRA / Folhapress